Post de Luís Alcácer, sobre uma data reelvante para a Física que passou há poucos dias:
A 1
de Dezembro de 1925 foi publicado pela Royal Society (Londres) um artigo
intitulado ‘As Equações Fundamentais da Mecânica Quântica’ [P. A. M. Dirac.
‘The fundamental equations of quantum mechanics’ Proc. Roy. Soc. A 109 (1925) 642-653; https://doi.org/c6bfrz ].
No
princípio de Setembro de 1925, o jovem estudante de doutoramento na
Universidade de Cambridge, Paul Dirac, recebeu do seu supervisor, Professor
Ralph Fowler, as quinze páginas das provas de um artigo de Werner Heisenberg
que marca o nascimento da teoria quântica. O artigo, em alemão, dava um
vislumbre de uma perspectiva completamente nova para a compreensão dos átomos,
baseada exclusivamente em grandezas que se podiam medir, como, por exemplo, as
frequências e as intensidades das riscas dos espectros atómicos, descartando a
ideia de que era possível pensar em termos de electrões a descrever órbitas em
torno de um núcleo.
Dirac,
que tinha algum conhecimento da lingua alemã, leu o artigo, mas à primeira vista,
achou-o muito complicado e sem interesse. Uns dias depois voltou ao artigo,
pois tinha ficado intrigado com o facto de que a teoria implicava que algumas
grandezas como as coordenadas de posição e o momento linear (massa vezes
velocidade) tinham uma propriedade muito peculiar. Se atribuísse um símbolo,
por exemplo, q, à posição e um outro símbolo, p, ao momento linear, constatava
que a regra de multiplicação de um pelo outro era muito bizarra: q vezes p não
era igual a p vezes q. Era o mesmo que dizer que 3 vezes 2 não é igual a 2
vezes 3. E o mais intrigante era que a diferença entre q vezes p e p vezes q,
ou seja, q vezes p menos p vezes q era
proporcional à constante de Planck.
Segundo
contou anos depois, foi durante um passeio de domingo, que Dirac se lembrou de,
nos seus estudos de física, ter visto algo parecido numa construção matemática
conhecida pelo parêntesis de Poisson. Não encontrando nada nos apontamentos e
livros que tinha em casa, teria de esperar impacientemente pelo dia seguinte para
ir procurar numa biblioteca. Uma vez na biblioteca facilmente encontrou o que
procurava: a fórmula do matemático francês Siméon-Denis Poisson, que tinha a
forma de uma diferença entre a multiplicação de duas quantidades por ordem
diferente: algo parecido com q vezes p menos p vezes q, que fazia parte de um
formalismo clássico para a descrição do movimento de um objecto. É claro que
nas equações do movimento da física clássica com os parêntesis de Poisson não
aparece a constante de Planck, que é coisa quântica. No entanto, em poucas
semanas, Dirac estabeleceu as bases matemáticas de uma teoria quântica em
analogia com a teoria clássica, e que até continha a constante de Planck! Uma
vez que, tal como Heisenberg já tinha proposto, não era possível descrever o movimento
dos electrões nos átomos, ou de qualquer objecto que não pode ser visualizado,
pela sua extremamente pequena dimensão, era de bom senso procurar uma maneira
de descrever as propriedades desses sistemas sem usar quantidades que não podem
ser observadas.
Nasceu
assim a noção de observável na nomenclatura da mecânica quântica. E a teoria
quântica estabelece relações entre observáveis, recorrendo a um formalismo em
que as quantidades clássicas assumem um carácter abstracto. Recorrendo a
analogias com a mecânica clássica, nomeadamente com o parêntesis de Poisson,
Dirac encontrou relações entre as quantidades abstractas que eram necessárias
para a teoria, incluindo a equação fundamental que relaciona a entidade
abstracta correspondente à posição, representada por um símbolo q, com a
entidade abstracta correspondente ao momento linear, representada por um
símbolo p, que permitem formular uma teoria coerente para a descrição de
sistemas quânticos. Essa equação é válida, não apenas para a posição e o momento
linear mas também para outros pares de entidades matemáticas abstractas que
representam observáveis e desempenha um papel fundamental na mecânica quântica.
Dirac
demonstrou que quando um electrão num átomo salta de um nível de energia para
outro emite (ou absorve) um fotão cuja energia é igual à diferença entre os
dois níveis. A teoria reproduz assim os resultados experimentais sem ser
preciso assumir que os electrões se movem em órbitas, como num sistema
planetário. Dirac acabou de escrever o artigo, a que deu o ambicioso título de
“As Equações Fundamentais da Mecânica Quântica”, no princípio de Novembro. Foi
enviado por Fowler, seu supervisor, para a Royal Society e publicado a 1 de
Dezembro.
Paul
Dirac fez as provas de doutoramento em Junho do ano seguinte, com a primeira
tese a ser submetida com o título “Mecânica Quântica”. A tese, escrita à mão,
tem a data de Maio de 1926.
Algumas
páginas e notas da tese podem ser vistas aqui, https://fsu.digital.flvc.org/islandora/object/fsu%3A641/datastream/OBJ/view/Dissertation_of_Paul_A__M__Dirac_for_Ph_D__degree.pdf
Vale
a pena ver! E meditar sobre as
exigências para a escrita de teses de doutoramento em Portugal. Esta foi a motivação deste post.
Luís Alcácer
4 comentários:
Desculpem a minha ignorância, mas o integral da função Dirac é 0 (zero) ou infinito?
Não tenho Matemática para uma conclusão ....
O integral de menos infinito a mais infinito da função delta de Dirac é 1. É uma função f(x) de variável real x, que é zero para todos os valores de x, excepto num pequeno domínio infinitesimal em torno da origem, x=0, sendo f tão grande dentro desse domínio que o seu integral sobre esse domínio é a unidade. [do livro "Principles of quantum mechanics, 4ª ed." pag. 58. Dirac chamava a esta função "my darling".
A sua representação tem o aspecto de uma agulha extremamente fina apontando verticalmente desde a sua base. Fora do ponto base o valor numérico é zero, mas a área delimitada pela função é 1.
Os matemáticos inventam o complexo do extremamente simples. Não há mais infinito nem menos infinito porque o infinito é absoluto e o absoluto existe inteiro, não em gradações de + ou -. O infinito não é matematizável. Representa-se por um oito deitado e é só isso. Esgota-se infinitamente. Para estudar o infinito teríamos de lhe cortar a linha e torná-lo perecível em princípio e fim e assim deixaria de ser infinito. O conceito não pode ser aplicável a nada porque não é mensurável.
Em torno da origem nada é zero porque se fosse zero, não seria origem. A origem pressupõe continuidade a partir de um ponto e não um ponto morto.
Mais acrescento que a função mecânica "my darling" aplica-se a todos os valores de x que são zero, o que a torna impossível em qualquer variável real.
Isto é ciência quântica.
Obrigado, pelas vossas respostas, mas deixaram-me duas questões:
1º - Pelos vistos erro meu, sempre "visualizei o Dirac" como sendo uma função f(x)=0 para x diferente K, e mais infinito para f(x=K). Se bem entendi, o correcto é para x=K, f(K) vai de menos infinito a mais infinito, cujo integral é 1. Confirmam?
2º - "Infinito absoluto". Ok, é fácil de entender, mas...
A) Num Espaço de Rieman ou "em Donut" de acordo, é algo que fica "do lado de lá" em relação ao "Zero/Origem" num plano de raio infinito, servindo o + ou o - para indicar o sentido como se "chega lá". Curiosamente com raio finito não existe infinito...
B) Mas num Espaço Euclidiano já tenho 2 infinitos, um que fica "lá para cima", o mais infinito, e outro que fica "lá para baixo", o menos infinito, e os dois não se misturam.
C) Já agora, julgo pacífico estipular que o "Zero/Origem" é um ponto arbitrário a partir do qual se "fazem medidas/cálculos", ou se calhar talvez não ...
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