sexta-feira, 20 de março de 2020
O vírus da gripe
David Marçal e eu escrevemos sobre as pandemias de gripe no nosso livro "Os Inimigos da Ciência" (Gradiva, 2019):
Os vírus, conhecidos desde finais do século XIX embora só compreendidos com os avanços da biologia molecular na segunda metade do século xx, são microrganismos invasores que parasitam o nosso corpo, tirando partido dos recursos deste para se multiplicarem. Há muitos tipos de vírus, sendo alguns bem mais perigosos do que outros. A gripe é causada pelo vírus Influenza, que se espalha através da tosse ou dos espirros. Causa os incómodos que todos conhecemos, pois é comum apanhar gripe, mas, em geral, estes passam ao fim de alguns dias. No entanto, uma gripe pode ser mortal, designadamente em pessoas já bastante debilitadas. Existem programas de vacinação anuais que limitam substancialmente os estragos provocados pelo Influenza, ao prepararem o nosso sistema imunitário para o ataque viral. Essas vacinas vão sendo mudadas de ano para ano dada a rápida evolução dos vírus: as estirpes prevalecentes mudam e há que introduzir as novas espécies nas vacinas. Mas os cientistas estão confrontados com uma certa imprevisibilidade.
Calcula‑se que por ano morram em todo o mundo entre 250 000 e 500 000 pessoas vítimas da gripe. Mas em certas épocas já morreram muitas mais. Ao longo da história já ocorreram epidemias de gripe que varreram milhões de vidas humanas. A chamada «gripe espanhola » de 1918‑1919 causou 100 milhões de mortos, que é como quem diz cinco por cento da população mundial em 1918, o ano em que acabou a Primeira Guerra Mundial (para comparação, morreram 41 milhões de pessoas nessa guerra). Foi um dos maiores desastres da História. Uma das vítimas famosas foi o pintor português modernista Amadeu de Souza Cardoso, que morreu com apenas 30 anos. Outras vítimas foram os pastorinhos de Fátima, Jacinta e Francisco Marto, que morreram respectivamente com 10 e 11 anos.
Em 1957 ocorreu uma epidemia de Influenza asiática que provocou dois milhões de mortos. Passada cerca de uma década, em 1968, uma outra epidemia, conhecida por Influenza de Hong Kong, provocou um milhão de mortos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou em 2009 uma outra epidemia do vírus Influenza, designada de início por gripe suína e depois por gripe A, por se tratar de uma nova estirpe do vírus A/H1N1 (há três tipos de vírus da gripe que afectam os humanos: A, B e C). Começou no México e espalhou‑se pela América, Europa e Oceania. Apesar do susto, esta epidemia causou só cerca de 18 mil vítimas mortais, um número que, apesar de elevado, não é nada em comparação com as epidemias anteriores.
Note‑se que os vírus Influenza do tipo A têm vários subtipos, que resultam da combinação de diferentes variantes de duas proteínas virais: a Hemaglutinina (H) e a Neuraminidase (N). Conhecem‑se 16 tipos diferentes de hemaglutinina e 9 de neuraminidase e é a sua combinação que define o subtipo de vírus da gripe A (por exemplo, H5N1 ou H1N1).
Os vírus podem infectar outros animais, como aves e porcos. A chamada gripe das aves é causada pelo vírus A/H5N1, em particular pela linha patogénica HPAI (Highly Pathogenic Asian Avian Influenza A). Não existe prova da transmissão entre humanos desse tipo de vírus, que se revela mortal em populações de aves confinadas em aviários em condições de sobrelotação. Ocorreu um enorme surto de gripe de aves em 2006, iniciado na Turquia e depois espalhado pelo mundo. Um outro surto de vírus de aves, o H7N1, surgiu na China em 2013, tendo sido reportados alguns (poucos) casos de passagem da doença a humanos.
A gripe dos porcos ou suína é, para os humanos, em princípio mais perigosa do que a das aves. A epidemia de 2009 esteve associada à gripe dos porcos, devida a uma mistura de vários tipos de vírus (o vírus Influenza suíno inclui alguns de tipo A, o H1N1 e outros, e C).
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