domingo, 24 de fevereiro de 2019

POR QUE RAZÃO A TABELA É PERIÓDICA?

O meu artigo no úlimo "As Artes entre as Letras" (na figura a tabela original de Mendeleiev):



Estamos no Ano Internacional da Tabela Periódica, que representa um cume de unificação da química, que é uma ciência central no panorama das ciências. O unificador da diversidade químico foi, em 1869, faz agora 150 anos,  o russo Dmitri Ivanovitch Mendeleiev (1834-1907; tinha 35 anos em 1869), o hirsuto professor de Química Geral da Universidade de São Petersburgo, na altura capital da Rússia imperial.  A origem da Tabela é pedagógica.  A  fama do professor, que, quando propôs a tabela só tinha 35 anos, estava ascendente quando ele achou que era conveniente escrever um livro sobre a matéria que ensinava. Intitulou-o “Princípios de Química” o manual introdutório de química (inorgânica) em dois volumes (1869-1871), o primeiro tratando os oito elementos  químicos mais comuns e os restantes 55 conhecidos na época. A Tabela que tem por vezes o seu nome surgiu quando ele tentou fazer uma síntese que coubesse num pequeno quadro de todos  esses elementos. Em Fevereiro de 1869 publicou um artigo intitulado “Uma tentativa de um sistema de elementos, baseado no seu peso atómico e na sua afinidade química.” O peso atómico resultava de pesagem de elementos e, na altura, existiam alguns erros pois alguns elementos só existiam em alguns compostos, sendo de difícil separação (por exemplo, para ele o átomo de urânio (Ur) era só 116 vezes mais pesado do que o hidrogénio, quando sabemos ser 238). A afinidade química resultava da observação da maior ou menos facilidade de participar em reacções químicas. A tabela original pouco tem a ver com a de hoje: não passava de uma lista de cinco colunas, em que os elementos apareciam ordenados por ordem crescente de peso atómico (de cima para baixo o peso ia crescendo, desde o hidrogénio até ao chumbo). O génio da “tentativa” de Mendeleiev estava na “periodicidade”: verificando que certos elementos tinham propriedades químicas semelhantes, colocou-os na mesma linha: foi o caso, por exemplo, dos chamados metais alcalinos (lítio, LI; sódio, Na; potássio, K; rubídio, Rb; e césio, Cs, todos eles muito reactivos), que ele alinhou ao lado uns dos outros. Periodicidade significa repetição: o lítio e o sódio, por exemplo, têm propriedades que se repetem, designadamente a sua grande capacidade de reacção química.

Hoje o aspecto da Tabela Periódica é um pouco diferente, mas o essencial da ordenação original permanece. Todos os estudantes de ciências conhecem a tabela aproximadamente  rectangular com “torres” dos lados direito esquerdo (a da direita maior), e uma muralha mais baixa no meio ligando as duas “torres” (por baixo estão duas linhas que fazem lembrar uma vala do castelo). Os tais metais  alcalinos surgem alinhados  na primeira coluna, na “torre” da esquerda. Do outro lado, na coluna vertical à direita, estão alinhados os chamados gases raros (hélio, He; néon, Ne; árgon, Ar; etc.; todos eles muito pouco reactivos)  que, precisamente por serem raros, eram inteiramente desconhecidos na época em que o químico russo apresentou a sua proposta (haveria de saber da sua existência em vida, pois foram descobertos no final do século XIX).

Mas, de onde vem,  em última análise a periodicidade? Por que é periódica a Tabela Periódica? No tempo de Mendeleiev a base da periodicidade era puramente empírica. O segredo está nos átomos, que são os blocos dos elementos químicos. O grande químico não fazia ideia nenhuma da existência dos átomos (na altura essa existência não passava de uma conjectura, uma ideia que poderia estar afastada da realidade) e menos ideia fazia da constituição dos átomos.  Foi o físico dinamarquês Niels Bohr  (1885-1962), que em 1913 propôs o modelo atómico que basicamente ainda hoje se ensina. O átomo é  formado por um núcleo atómico no centro, onde reside quase toda a sua massa (o peso atómico é praticamente o peso do núcleo, que é feito de protões e de neutrões, pelo que os núcleos de maior peso atómico são núcleos mais pesados, isto é, com maior número de protões e neutrões)  e por electrões, partículas muito leves, que circulam muito rapidamente à volta dos núcleos. A ordem de pesos atómicos significa, portanto, ordem de tamanho  dos núcleos e também ordem de tamanho dos átomos, uma vez que o número de electrões é o mesmo que o número de protões do núcleo (este número, chamado “número atómico” é, em geral, menor do que o peso atómico, pois, nos núcleos, para além de protões existem neutrões, com massa semelhante)   A periodicidade é explicada pelo comportamento dos electrões. Estes, de acordo com a teoria quântica de Bohr (que mais tarde haveria de ser aperfeiçoada), vão ocupando níveis de energia cada vez mais altos nos  átomos cada vez maiores, níveis esses que formam  uma espécie de escada. Num certo tipo de nível de energia, dito “s“, cabem dois electrões: o lítio e o sódio têm um só electrão num nível s e esse electrão solitário, com  energia mais elevada do que os outros, está facilmente disponível para ligações (ligações significam uniões de átomos pela partilha ou transferência de electrões); por outro lado, o néon e o árgon têm dois electrões em níveis desse tipo. Dizemos que uma camada electrónica está fechada, pelo que não há electrões disponíveis para estabelecer ligações Por terem comportamentos químicos em absoluto contraste o lítio e o sódio estão na “torre” do lado esquerdo da Tabela Periódica, ao passo que o néon e o árgon estão na “torre” do lado direito.

Foi preciso um primeiro génio, Mendeleiev, para ordenar os elementos e foi depois preciso um outro, Bohr, para explicar, com base numa teoria física fundamental – a teoria quântica  - a estrutura atómica que preside à organização da Tabela Periódica. Desenvolvendo a sua ideia dos níveis de energia, Bohr propôs  o “princípio da construção” (em alemão Aufbauprinzip), que indica que níveis vão ocupar os electrões dos átomos.  Mendeleiev descobriu uma ordem na variedade macroscópica, ao passo que Bohr encontrou o mecanismo microscópico que está subjacente à ordem macroscópica. Por trás das aparências existem partículas invisíveis que se comportam segundo certas leis. É comum dizer-se que a teoria quântica descreve o mundo do muito pequeno, mas tudo aquilo que vemos à nossa volta assenta nesse mundo do muito pequeno.  O que se vê assenta no que não se vê. Portanto, será melhor dizer que a teoria quântica descreve o mundo. E nós, que compreendemos a Tabela Periódica, somos parte desse mundo que ela tão bem descreve.  

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