quarta-feira, 22 de agosto de 2018

"Os Maias" podem continuar a ser lidos na escola? Sim podem!

Na continuação do texto anterior Há muito que a leitura de "Os Maias" deixou de ser obrigatória na escola

"O principal obstáculo às reformas da educação - 
são sempre anunciadas e empreendidas 
com mais pompa do que sucesso 
nos países ocidentais favorecidos (...)."

Thomas De Koninck, 2003, 11.


Os sistemas de ensino, como instâncias dos Estados (situação recentes na história da educação ocidental), instituem currículos alargados à escala nacional (e, em certos casos, regional), sendo substancialmente marcados pela orientação política, mais totalitária ou mais democrática.

Mesmo no caso de prevalecer a segunda, as decisões quanto à aprendizagem, patentes nesses currículos, nem sempre traduzem o que se tem por ideal em termos das finalidades últimas da educação escolar.

A questão, que assume a forma de dilema, é se os professores, quando vêem que tais decisões se afastam desse ideal (que não é uno mas diverso), devem ou não encontrar um compromisso entre ambos. De modo concreto: devem cumprir à letra o currículo, mesmo com a consciência de que ele é pobre, desvirtua e, eventualmente, enviesa o conhecimento, ou devem enriquecê-lo da forma que se afigurar mais conveniente.

Por múltiplas razões, que aqui omito, a opção não é fácil, mas a questão não pode desaparecer do seu horizonte, sob pena de se tornarem funcionários e se afastaram da sua vocação profissional, que é, sem dúvida, intelectual.

Este raciocínio é (também) válido para a polémica que surgiu em Julho e se prologou por Agosto sobre a leitura d´"Os Maias" no ensino secundário.

Nos três documentos curriculares vigentes para a disciplina de Português (Programa, Metas curriculares e Aprendizagens Essenciais) não está, de facto, determinado que as escolas têm de escolher a obra e, caso a escolham, que a sua leitura tem de ser integral; mas também não está determinado o contrário. Recupero a informação do último "post":
Programa e Metas Curriculares: leitura integral de um, de entre dois, romances do autor: “Os Maias” ou “A Ilustre Casa de Ramires”. 
Aprendizagens Essenciais: leccionação de “um romance” de Eça
Assim, à luz do que se encontra estabelecido pela tutela, o livro em causa continua a poder ser leccionado, como pode ser leccionado outro livro de Eça de Queirós. E a leitura do livro escolhido pode ser integral.

Este cenário apela, portanto para a decisão que os professores, individual e colegialmente, terão de tomar. Decisão que não pode deixar de ser apoiada no ideal de educação que assumem.

As reformas educativas fazem-se e, logo se seguida, desfazem-se, ao sabor da formação dos Governos, mas esse ideal tem de ser mais duradouro e substancial. É ele, afinal, que confere sentido à profissão docente.

5 comentários:

Anónimo disse...

O estatuto especial dos professores do liceu advinha-lhes, principalmente, da sua condição de licenciados, com direito a tratamento de Dr.. Hoje em dia, até arruaceiros de má índole, como alguns chefes de claque e presidentes de clubes de futebol, obtém, com a maior das facilidades, os seus canudos de licenciado, mestre e doutor, dado que o sistema de ensino vigente é inclusivo, quer dizer, acolhe no seu seio toda a gente, mas é muito mais deferente com cábulas do que com bons estudantes!
Pelo atrás exposto, creio que não restam dúvidas de que os professores são funcionários públicos!
Atualmente, a circunstância de "Os Maias" poderem se estudados, ou não, à vontade do freguês, serve apenas para facilitar a vida dos professores e alunos.

Carlos Ricardo Soares disse...

No plano dos princípios e do enquadramento político-jurídico, não deixo de enaltecer as virtudes da Escola Pública enquanto instituição de ensino e de educação cujo papel e função não têm paralelo em nenhuma outra instituição, pública ou privada.
A Escola Pública é insubstituível e indispensável.
Se, no linguajar corrente, ninguém é insubstituível, vejam só, a gravidade da afirmação.
Ela é o único, e só por isso já é muito importante, bastião, sítio, sistema, organização que não está ao serviço de religiões, clubes, ideologias, famílias, indústrias, partidos, interesses, grupos, corporações, pessoas, empresas...E não são conduzidas sob a égide de bandeiras agitadas por grupos de fãs excitados ou de tribos dominantes. Ao ter por função o ensino-apredizagem-investigação-estudo da ciência e do conhecimento em geral e a educação nos valores e das competências para a cidadania não está fechada sobre si e é o único sítio em que as crianças e os jovens e os adultos podem esperar não ser doutrinados e mobilizados ou arrebanhados.
Em todos os outros lugares que me vêm ao pensamento, seja o purgatório, seja o inferno, a partidarite e a clubite e o fanatismo ditam a sua moral e os seus códigos de pertença e de alienação, com sua bandeiras, rituais e sacrifícios.
Assim sendo, a Escola Pública não pode abdicar do seu estatuto e os professores, agentes por excelência das qualidades que referi, em momento algum deverão ignorar a importância de haver uma escola com este estatuto.
Infelizmente, há as pessoas que mandam na Escola ou têm a pretensão de mandar na Escola, não na perspetiva amigável da arte de ensinar e da promoção do gosto de aprender, mas como agentes burocráticos autoritários que administram uma espécie de hostilidade contra a arte de ensinar e o gosto de aprender.

Anónimo disse...

O comentador anterior argumenta que a escola deve ser uma caixa-forte onde se proteja, a sete chaves, o ideal de pureza pública humana contra as arremetidas de teorias alienígenas depravadas como são as doutrinas, as politicas,as religiões, os clubes, as famílias e as pessoas humanas!!!
Afinal de contas, Sua Excelência está contra, ou a favor da leitura obrigatória de "Os Maias", no ensino secundário"?
Se está a favor, a leitura pode limitar-se a excertos da obra ou tem de ser integral?
O que é melhor para Portugal?
Um ensino público universal, inclusivo e gratuito, de péssima qualidade, onde as massas pouco, ou nada, aprendem, ou um ensino público, de boa qualidade, em que o bons alunos sejam devidamente recompensados, pelo seu trabalho e inteligência, em relação aos demais?

Carlos Ricardo Soares disse...


Caro leitor anónimo, respeito a interpretação que faz ou queira fazer do que escrevi, mas não concordo, em boa parte com a que fez.
Quanto à leitura obrigatória de "Os Maias", diria que, em rigor, ninguém poderá ser obrigado a nada, basta que resista até à morte.
As crianças e os jovens não ignoram isso.
O carácter obrigatório, seja do que for, vem de muito longe e suponho que “obrigar” seja das artes mais sofisticadas e mais praticadas.
Mas acredito que seja cada vez mais entendido num sentido moral, do foro íntimo, ou ético-jurídico.
As religiões, os sistemas jurídicos, os partidos, as máfias, os exércitos que, praticamente, não deixam ninguém de fora, incluindo os que frequentam a escola pública insubstituível, usam e abusam da força e do poder para obrigar, não apenas no sentido de compelir inelutavelmente alguém a uma conduta, ativa ou passiva, mas também no sentido de fazê-las "amar" ou acreditar em algo, pelo medo ou pela crença numa recompensa.
O que tem medo e o que acredita numa recompensa é sempre, diria, uma pessoa que se vê ao espelho.
Já experimentou obrigar alguém, por exemplo, a ler?

Anónimo disse...

A Escola Pública é quase uma instituição celestial, no sentido platónico, para certas e determinadas pessoas que eu cá sei, mas, por enquanto, ainda lhe falta o quase, sendo, no estrito âmbito da nossa triste realidade sublunar, uma das mais burocráticas, emperradas, e dispendiosas organizações do Estado Português.
Em Portugal, a escolaridade obrigatória tem a duração de 12 anos - é muito tempo de estudo para que os objetivos, as competências, as metas, ou as recentes aprendizagens essenciais, não contemplem a leitura obrigatória e integral de "Os Maias", de Eça de Queirós. O conhecimento das grandes obras de arte que enchem de beleza as paisagens físicas e metafísicas do universo cultural português, quais sejam Os Lusíadas, a Ponte Salazar, o Convento de Mafra, Os Maias e os Painéis de São Vicente, entre muitas outras, tem de integrar o acervo científico-humanístico do perfil de qualqueraluno à saída da longa escolaridade obrigatória.
Quanto aos significados ocultos do verbo obrigar, deixo, para mais tarde, o meu parecer definitivo.

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