segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O que aprendemos com a "experiência da vida"

Daniel Barenboim  tem conquistado notoriedade à escala mundial por ser um maestro e pianista de excelência, mas, também, por ser um cidadão empenhado, na mais concreta e verdadeira acepção desta expressão.

Judeu nascido na Argentina, defende a igualdade de direitos entre povos e nacionalidades e, mais do que isso, a fraternidade, a convivência em prol de um bem comum, no seu caso, a arte, que nos eleva como pessoas. Com o seu amigo Edward Said, cristão palestino, professor de literatura e escritor, fundou a orquestra West-Eastern Divan, que integra sobretudo músicos do Médio Oriente mas também da Europa e da América.

Na continuação do que tem dito e escrito, não sem reacções hostis, sobre a possibilidade de paz na zona de Israel-Palestina, publicou uma declaração sobre a lei recentemente aprovada em Israel que, como refere, estabelece o apartheid entre dois povos que convivem no mesmo espaço.

O jornal El País publicou essa declaração no passado 24 de Julho (aqui). Vale a pena lê-la e pensar no que podemos aprender com a "experiência de vida".
Em 2004 fiz um discurso na Kneset - o parlamento israelita - em que falei da Declaração de Independência do Estado de Israel. Qualifiquei-a como “fonte de inspiração para acreditar nos ideais que nos fizerem deixar de ser judeus e nos transformaram em israelitas”, e prossegui dizendo que “este documento extraordinário expressava este compromisso: ‘O Estado de Israel consagrar-se-á ao desenvolvimento deste país em benefício de todos os seus povos; fundamentar-se-á nos princípios de liberdade, justiça e paz, guiado pelas visões dos profetas de Israel; reconhecerá a plena igualdade de direitos sociais e políticos a todos os seus cidadãos, independentemente da religião, raça ou sexo; garantirá a liberdade religiosa, de consciência, língua, educação e cultura”. 
Os fundadores do Estado de Israel que se basearam na Declaração viam no princípio de igualdade a pedra angular da sociedade que estavam a construir. Também se comprometeram - tanto eles como nós - a “procurar a paz e as boas relações com todos os países e povos vizinhos”. 
Setenta anos depois, o Governo israelita aprova uma nova lei que substitui o princípio da igualdade e valores universais pelo nacionalismo e racismo. É com profundo pesar que repito exactamente as mesmas perguntas que fiz há catorze anos quando me dirigi ao Kneset: Podemos ignorar a distância intolerável que separa a Declaração da Independência prometida dos factos, a distância entre a ideia e a realidade de Israel? A situação de ocupação e domínio sobre outro povo encaixa na Declaração da Independência? Tem sentido a própria independência à custa dos direitos fundamentais do outro? Pode o povo judeu, cuja historia é uma crónica de sofrimento contínuo e de perseguição implacável, consentir a indiferença face aos direitos e ao sofrimento de um povo vizinho? Pode o Estado de Israel insistir num final ideológico para o conflito em vez de procurar uma resolução pragmática e humanitária baseada na justiça social? 
Catorze anos depois, continuo a acreditar que, apesar de todas as dificuldades objectivas e subjectivas, o futuro de Israel e o seu lugar na família dos países iluminados dependerá da sua capacidade para cumprir a promessa dos seus fundadores tal como a consagravam na Declaração da Independência. No entanto, nada mudou verdadeiramente desde 2004. Pelo contrário, agora temos uma lei que confirma a condição da população árabe como cidadãos de segunda classe. Por conseguinte, trata-se de uma forma muito evidente de apartheid. Não posso acreditar que o povo judeu tenha vivido vinte século, a maior parte deles sofrendo perseguições e suportando crueldades sem fim, para agora se converter no opressor que submete os outros a crueldades. Mas é precisamente isto que a nova lei faz. Por isso, hoje envergonho-me de ser israelita.

2 comentários:

Anónimo disse...

Os judeus são iguais aos outros. Quando tinham pouco poder político, andavam com a orelha murcha, sujeitos a serem queimados vivos em fogueiras e campos de concentração; atualmente, dispondo de riquezas financeiras colossais e armas nucleares de destruição maciça, são eles que estão na mó de cima. Os grandes derrotados são os países que se mantiveram durante mais tempo fiéis ao Vaticano, como a França que, ainda detendo alguma riqueza, já entrou num estado de decadência acelerada, ou os miseráveis Portugal, Espanha e Grécia que, juntamente com a Itália, constituem o grupo dos PIGS. Defender, ao longo de mais de dois mil anos, as ideias religiosas de uma seita judaica contra a maioria dos judeus, não terá sido a melhor opção. As catedrais magníficas, cujos pináculos apontam para o céu, vão ficando às moscas, significando que, no mundo moderno, valores mais altos se alevantaram!
Agora, quem dita as regras políticas e sociais são as grandes multinacionais financeiras ávidas de lucros, com consequências devastadoras para o planeta Terra, a nossa casa comum, ao nível das alterações climáticas e da depredação de recursos naturais.
Nas escolas, as pessoas sentem-se perdidas na ausência de quem aponte um rumo a seguir!...

Carlos Ricardo Soares disse...

A experiência é a vida, a aprendizagem é uma experiência, a leitura, a experiência da literatura, do cinema, da música, do poder e da repressão, da liberdade, do pensar, do sentir, dos desastres e das construções, dos salvamentos e do amor...A experiência de aprender é uma constante da vida, mas mais importante para os tempos de tragédia em que vivemos é aprender a esquecer e saber escolher o que lembrar.

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 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...