Artigo de opinião do David Marçal e meu no Público de hoje, encerrando a polémica com Leonor Nazaré, curadora de arte da Fundação Gulbenkian (na imagem, configuração isomérica da insulina, uma imagem científica que tem o seu lado artístico):
Leonor
Nazaré (LN), em resposta ao nosso artigo “Ainda as terapias
alternativas: um cachimbo é um cachimbo“ insiste em estafados clichés anti-ciência. Acusa-nos de termos “prescindido
de distinguir moléculas naturais de moléculas sintetizadas em laboratório”.
Essa dicotomia que LN acredita existir é totalmente falsa. Uma molécula de água
da cascata do Niágara é indistinguível de outra da água que sai do tubo de escape dos
automóveis,
como um dos gases de combustão: é constituída por dois átomos de
hidrogénio ligados a um de oxigénio, numa estrutura bem conhecida. Uma molécula
é uma molécula. Podem-se fazer em laboratório ou numa unidade industrial substâncias
químicas, todas elas constituídas por moléculas, que também existem na
Natureza. Por exemplo, é possível modificar geneticamente bactérias para
produzirem insulina. Essa insulina é igualzinha à produzida pelo pâncreas
humano: uma proteína feita de aminoácidos, cada um deles constituído por átomos
de carbono, oxigénio, azoto e hidrogénio, unidos por ligações químicas. Para os
receptores nas células dos diabéticos, a insulina produzida por organismos
geneticamente modificados serve perfeitamente. Mas ficamos na dúvida se para LN
serve.
Como
corolário desta ideia da superioridade natural vem o argumento tautológico: as
substâncias químicas são más por serem químicas e os produtos naturais são bons
por serem naturais. De facto, não há uma particular virtude no facto
de uma substância existir na Natureza. O colesterol, a
penicilina, a morfina, a cocaína, cicuta e a tetrodotoxina (o veneno neurotóxico do
peixe-balão) são todos produtos naturais. E um produto natural não é necessariamente
seguro, isto é, a Natureza não é só paz e amor. Os remédios alternativos à base
de plantas apresentam riscos sérios. Falámos já do natural mas perigoso ácido aristolóquico, usado
na medicina tradicional chinesa. Mas damos outros exemplos no nosso livro “A Ciência
e os seus Inimigos” (Gradiva, 2017). A origem natural ou sintética de um
produto não é um bom critério para avaliar a sua eficácia terapêutica e a sua
segurança. E
essa avaliação tende a ser problemática nos ditos remédios uma vez que, muitas
vezes, os consumidores ignoram o que está lá dentro. Num estudo saído na revista BMC Medicine foram usadas técnicas de
identificação por ADN para determinar as espécies presentes em remédios
alternativos à base de plantas. Mais de 59 por cento dos remédios
continham espécies não listadas no rótulo. Um problema são as interacções
prejudiciais com outros medicamentos que estejam a ser tomados. O Observatório de
Interações Planta-Medicamento, da
Universidade de Coimbra, compila e divulga essas interacções.
LN
afirma ainda que "A naturofobia decorre da cisão progressiva que a partir
do século
XVII levou o Homem a pensar na Natureza como se não fizesse parte dela e não
fosse, também ele, Natureza." É precisamente ao contrário: desde o século XVII, com a Revolução Científica, que se
passou a perceber cada vez mais que o homem faz parte da Natureza,
ultrapassando a visão teológica, prevalecente até então, que
separava Homem e Natureza. Hoje sabemos que o código genético - a linguagem dos
genes - é universal, pois todos os seres vivos o partilham. É precisamente isso
que permite introduzir numa bactéria o gene da insulina humana, que é compreendido
pela maquinaria de produção de proteínas das bactérias. Essa ubiquidade do código
genético é uma prova da origem comum dos seres vivos: descendemos todos de uma
célula primordial. Além disso, albergamos inúmeras bactérias no nosso corpo
(especialmente nos intestinos), que desempenham papéis relevantes nos nossos
sistemas digestivo e imunitário. Somos desde a nossa mais remota origem parte
da Natureza e a ciência tem revelado de forma cada vez mais nítida como estamos
unidos a ela. Não se percebe, portanto, a que cisão com a Natureza se refere
LN.
Não
vale a pena continuar uma discussão quando uma das partes ignora os factos
científicos e é insensível a argumentos racionais. Terminamos por onde começámos:
não faz nenhum sentido que o Estado, por via legislativa, valide terapias que não
funcionam. Esse caminho está em contraciclo com o de outros países. O Serviço
Nacional de Saúde em Londres vai
deixar de financiar remédios homeopáticos a partir de Abril, tal como já acontece, em geral, no Reino Unido.
É altura de também nós deixarmos de financiar as terapias alternativas,
acabando com a absurda isenção de IVA de que beneficiam. Num momento em que o
país enfrenta um inusitado surto de sarampo e se reafirma a necessidade da
vacinação, lembramos um relatório de
2012 do Centro Europeu para a Prevenção e Controlo de Doenças, segundo o qual
os utilizadores de medicinas alternativas têm taxas de vacinação mais baixas
do que o resto da população. O apoio estatal a medicinas alternativas pode ter
consequências
dramáticas.
6 comentários:
Não se pode culpabilizar que as pessoas confiem mais na Natureza do que na visão humana transitória sobre essa Natureza. A falsa de ideia de progresso está cada vez mais colocada em causa, e é a própria ciência consensual que foge a isso, há muita evidência a contrariar severamente a posição oficial (dita científica)... Porque de facto, a ciência está muitas vezes a tentar vender-nos uma subversão da natureza (natureza à qual todos confiamos instintivamente). É inegável que o sonho da ciência é vender-nos a imortalidade, passo-a-passo, e nada pior do que isso nos gera maior desconfiança. As implicações éticas de um mal natural serão sempre diversas de um mal criado propositadamente ou não por intervenção humana, trata-se de uma questão espiritual, fora do âmbito da ciência. Obrigar alguém a alguma coisa com base na ciência é a maior das fraudes, só comparável com qualquer outra vulgar e arbitrária opção teocrática.
É bom que a dita "Ciência" não esqueça o seu lado Humano, para não cairmos nos erros da "pouco-Santa Inquisição", que, na óptica dela, possuía a Verdade Absoluta sobre tudo.
Séculos e Milénios de superstições deixam as suas marcas na maneira de pensar.
Mais importante para a Ciência vale é ficar-se pela apresentação de factos de forma clara e precisa (com mui paciência), e libertar de ditos cientistas, devidamente Formados e que afirmou coisas como chumbo da gasolina, flúor, amianto com "provas só cientificamente manipuladas".
Em ciência tudo é resultado das explicações de um número finito de fenómenos. Para desvendar um espaço em branco num quadro de explicações é preciso "queimar as pestanas" e investir dinheiro (ver o caso de Einstein, tantos no "quase" e só a dele foi AVANTE;ou agora na física do muito pequeno e do muito grande o que ainda estamos para entender nas próximas gerações...).
Nunca posso postular a culpa da ciência pela parcialidade de quem estuda e do objecto de estudo (por exemplo a escravatura, ou a democracia de Atenas, enquanto passado com consequências para humanos que foram desqualificados apenas pelo bem sabido auto-convencimento e o pendor interesseiro de quem sabe aproveitar as fraquezas humanas ou dito de outra forma a arte de roubar).
Há assuntos que lidos e relidos e vividos em ambiente social não são garante de nada. Há autores que invocam argumentos de autoridade, porque sem eles perderiam o pé e sem retórica expõem-se aos maiores ridículos.
A magia do contacto existe caso contrário não existiriam nem génios, nem aplicações da ciência. Mas duvido que a maioria consiga descrever verbalmente essas epifanias. Agora será que posso trocar a sensibilização para a descoberta, pela forma como é demonstrada num artigo, experiência ou instrumento? Não é especulador quem quer, mas quem afinal demonstrou estar certo e aí só a Natureza sem ilusões de qualquer tipo, o pode deslindar.
Esta discussão parece cada vez mais quixotesca, sem faltar o D. Quixote e o Sancho Pança.
Esgrimem-se "argumentos" de metaciência e de metasaúde, quando já há muito se reconhece que a saúde é um caso de "Ciências Complexas".
Qualquer um se pode intitular cientista, mas não médico, engenheiro, advogado ou pedreiro, profissões regulamentadas.
Isto já não é futebol, é clubismo.
Que deus (!) nos proteja!
Um respigo da legenda da imagem da crónica: "uma imagem científica que tem o seu lado artístico".
Como diz a outra, isto anda tudo ligado.
Se todo o conhecimento científico fosse público, não estaríamos aqui sempre com estas discussões descontextualizadas. Infelizmente, em nome do Poder e dos senhores da Guerra, quase tudo o que podia alimentar a paz/harmonia na humanidade e a confiança no método científico permanecem fechados em "black projects", "Deep State programs", longe do interesse público.
Alguém acha que os carros eléctricos da Tesla são o último grito da tecnologia? O nosso mundo está infestado de um obsoletismo sistemático, ao qual a ciência do consenso não é poupada, pelo contrário, é usada para sustentar este estado de mentira. Qualquer cientista digno desse nome tem de ser consciente disso, de outro modo, é automaticamente uma fraude, e nem poderia ser de outra maneira.
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