Artigo meu que saiu no Diário de Coimbra na terça-feira passada:
Quando há alguns anos, quando era Director da Biblioteca
Geral, ao verificar a falta de espaço das velhas instalações lancei aos meus
concidadãos o desafio de construção de uma Casa do Conhecimento - Biblioteca do
Século XXI em Coimbra, que poderia ser uma moderna biblioteca da Universidade e
da Cidade, nas instalações do Estabelecimento Prisional de Coimbra. Estou em
crer que o desafio se mantém actual. Mais do que nunca, Universidade e Cidade
precisam de se reunir em grandes projectos comuns, que alimentem culturalmente
Coimbra, a região Centro e o país. O facto de, em 2027, uma cidade portuguesa -
desejamos que seja Coimbra – vir a ser
Capital Europeia da Cultura obriga-nos a pensar em iniciativas que,
ancorando-se no nosso rico passado, nos possam impulsionar animicamente para o
futuro.
Porquê uma Casa do Conhecimento - Biblioteca do Século XXI? Porque
Coimbra é a Cidade do Conhecimento. Porque em Coimbra há uma extraordinária
herança de livros e autores, tanto nas humanidades como nas ciências, assim como
uma também notável herança de casas editoras e de livrarias. Não é por acaso
que a Universidade de Coimbra – Alta e Sofia são Património Mundial da
Humanidade. É, em parte, devido à existência desse vasto espólio, do qual a
Biblioteca Joanina, indiscutivelmente uma das mais belas bibliotecas do mundo,
é a mais brilhante montra, que somos Património Mundial. Mas a Biblioteca Geral
da Universidade, hoje mais do que ontem, está a rebentar pelas costuras.
Acresce que a Biblioteca Municipal da Cidade, a qual, tal como a Biblioteca
Geral da Universidade de Coimbra, também alberga um legado muito rico, não
está suficientemente valorizada no país
e no mundo. Beneficiando as duas de depósito legal e estando as duas tão próximas
uma da outra, sofrendo as duas das mesmas necessidades, justifica-se mais do
que trabalho conjunto o aproveitamento de um espaço comum, num modelo de
funcionamento que persevere evidentemente as tradições e os direitos de cada
uma. Trabalhando em conjunto e dispondo de modernos espaços de leitura, de reservas
ampla (desejavelmente subterrâneas, para melhor preservação), de equipamentos
audiovisuais (porque as bibliotecas de hoje e ainda mais as de amanhã não são
só letras mas também sons e imagens), de um auditório acolhedor, de espaços
expositivos amplos, de uma livraria e espaço de restauração, poderiam aspirar a
ser a melhor biblioteca do país e uma das melhores da Europa. Poderiam, por
exemplo, ligar o papel e o digital de formas muito inovadoras.
Por outro lado, a Penitenciária de Coimbra está
completamente fora do seu prazo de validade. É do século XIX, apesar de ainda
funcionar nos dias de hoje. Não oferece condições mínimas para os fins a que se
destina. Além do mais está a roubar espaço à cidade, muito próximo desse sítio
tão demandado que é a Alta universitária. Actualmente não fazem nenhum sentido
prisões dentro da cidade. O espaço que está dentro dos muros da
prisão poderia inspirar uma boa equipa de arquitectura que conseguisse
conciliar a preservação do corpo principal do edifício e a memória do espaço
com a criação de instalações funcionais de uso cultural não só para estudantes,
que bem precisam de novos sítios de estudo e convívio, como para todos os cidadãos, residentes em
Coimbra ou vindos de fora. Boa parte do espaço entre o Parque de Santa Cruz e o
Jardim Botânico poderia passar a ser verde, tornando Coimbra uma cidade ambientalmente sustentável e ainda mais
agradável para viver. Há exemplos no mundo de espaços antigos que foram
criativamente aproveitados com obras contemporâneas arrojadas, que mudaram por
completo a vida das cidades onde foram feitos. E Coimbra sempre foi um sítio de
mudanças, por exemplo a construção da Biblioteca Joanina sobre uma prisão
medieval.
O ano de 2027, em que Coimbra se pode e deve mostrar ao
mundo, está à porta. Existe fundos disponíveis para lá de 2010 cuja utilização
tem de ser agora definida. Será que a Universidade e a Cidade conseguem
trabalhar em conjunto? Seremos capazes de ligar o passado ao futuro através de
um projecto ambicioso? Quero acreditar que sim.
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