A organização curricular por "standards" (em Portugal com a designação de metas, antes "metas de aprendizagem" e agora "metas curriculares"), ainda que não seja recente, está na linha da frente das actuais políticas e medidas educativas.
Antes (mais ou menos entre os anos vinte e setenta do passado século) a organização curricular por "objectivos", iniciada nos Estados Unidos da América e rapidamente exportada para a Europa, constituía o referencial da construção de programas diciplinares e de planos de ensino. E, claro, marcava também o referencial de avaliação e de construção de instrumentos de avaliação. Foi a época áurea do "comportamentalismo", centrado na evidenciação de "performances" por parte dos alunos como forma de os conduzir à aquisição de competências.
Algumas décadas depois, estribados numa outra teorização - que não se percebe bem qual é, mas que mais parece uma mistura de comportamentalismo arcaico com uns laivos de cognitivismo, tudo apresentado com as brilhantes cores construtivistas -, os sistemas educativos americanos e europeus - um, outro e depois outro - passaram a organizar os seus currículos por "standards". A sua força motriz é, sem dúvida, os programas de avaliação internacional, que marcam uma forte presença desde o ano 2000 e que, pouco a pouco, se foram tornando a (única ou a mais forte) razão de existência da escola.
Ambas as formas de organização curricular - que, apresentando algumas diferenças, têm em comum a preocupação com os resultados observáveis que os alunos conseguem - são objecto de críticas ferozes, não sendo esta em vigor menos poupada do que a anterior.
Este aspecto é muito apelativo a dissertações, mas não pretendo discuti-lo neste texto, ele serviu apenas de suporte para que se perceba a consideração que faço de seguida.
Os standards/metas começaram por se concentrar em disciplinas que são objecto de medição no quadro desses programas de avaliação, ou seja (mais disciplina, menos disciplina) ciências, matemática, língua materna e língua inglesa. As restantes ficaram, em geral, dispensadas do exercício de combinar conteúdos e objectivos, de os sequenciar e, em certos casos, de lhes aplicar critérios de sucesso. Até porque, como facilmente se perceberá, a essência de algumas não é muito propícia a esse rigoroso exercício.
Mas, e aqui está a contradição que pretendo evidenciar, à medida que aumenta a crítica à organização curricular por standards/metas (e tem aumentado), ditada pelas tutelas, aumenta também a reclamação, por parte de associações várias, para que disciplinas curriculares de pleno direito, não abrangidas pela avaliação internacional, sejam dissecadas dessa maneira. Isto como se a sistematização de uma disciplina em metas a refrescasse e enobrecesse. E, até, a justificasse naquilo que se crê ser uma nova concepção curricular.
Quem diz disciplinas, diz algumas "Educações para...", que, evidentemente, também apresentam o seu "programa" sob a forma de metas. São exemplos, a "Educação financeira" e a "Educação para a Defesa e Segurança/Educação para a Paz".
E diz também... "Educação Moral e Religiosa Católica"! É verdade: para esta disciplina confessional e optativa, foi apresentado novo programa para o ensino básico e ensino secundário em 2013 - Decreto-Lei n.º 70/2013 de 23 de Maio - com nova edição em 2014, a qual se encontra disponível na página da Direcção-Geral de Educação.
Nele constam, ao longo de quase 190 páginas, "finalidades, metas, objectivos e conteúdos" (de notar a sobreposição de conceitos). São enunciados talhados a regra e esquadro que fazem concorrência aos da matemática.
Presumo que o objecto da Educação Moral e Religiosa Católica seja a fé. E, entendo eu (bastante analfabeta no assunto), a fé tem uma natureza distinta de tudo o resto que compõe o currículo: é, em última instância um mistério. Um mistério que (talvez por via da educação, mas isso não é garantia nenhuma) alguns, pelo seu caminhar (sobretudo) pessoal, terão a graça de vislumbrar.
Ora, isso é da ordem do transcendente. E o que é dessa ordem não pode nem deve sujeitar-se a técnicas pedagógicas generalistas, que não as há para fim tão sublime.
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1 comentário:
Creio que a Religião deveria ser abordada dentro de disciplinas como História e Filosofia.
Choca-me que nas escolas portuguesas os alunos pouco ou nada aprendam sobre outras visões do Cristianismo que tiveram a sua importância na construção da Europa e que chocam com a visão imposta pela Igreja Católica portuguesa: a qual, como se sabe, atrasou Portugal em relação a outro países europeus. Gostaria que na disciplina de História os alunos estudassem melhor a Ordem do Templo, a Ordem de Cristo, os cátaros, o luteranismo e o calvinismo. Soubessem o que sucedeu nos primeiros séculos de Cristianismo, ou por que motivo a Igreja Ortodoxa a separar-se da ICAR. Em Filosofia, poderiam explorar a influência da Grécia Antiga no Cristianismo, e de Platão em correntes cristãs como os cátaros. O problema deste estudo é que acabará por abalar os dogmas impostos pelas ICAR portuguesa. Um dia, um familiar, com vasta cultura, disse à minha mãe que a educação católica à portuguesa que eu estava a receber iria estragar-me. Hoje percebo porquê.
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