quarta-feira, 3 de junho de 2015

ENTREVISTA NO DIA MUNDIAL DA CRIANÇA

Minhas respostas à jornalista Cláudia Pinto do Notícias Magazine, com base nas quais foi publicado um resumo:

P- Na sua opinião, dentro da sua área profissional, quais os desafios para as crianças de hoje? 

R- As crianças vêm ao mundo cheias de curiosidade e só temos que aproveitar da melhor maneira essa "mola" interior que as leva a descobrir o mundo. Só temos que estimular a curiosidade, que é a fonte de toda a ciência. Esse é um dos maiores desafios da sociedade. Temos de ser capazes, nos nossos jardins de infância e nas nossas escolas de ensino básico, de desenvolver o apetite de saber que as crianças já têm naturalmente. Um bebé começa por olhar e agarrar o mundo. A sua mente, em crescimento, está ligada aos olhos e às mãos. Crescerá tanto mais quanto mais observar e mexer. Logo perguntará "porquê". O que temos de fazer é levar as crianças a descobrir os porquês proporcionando-lhe experiências simples, em que se se muda uma coisa ou outra para ver que diferença faz. Pode ser simplesmente construir um barco de plasticina, tentando pô-lo a flutuar. Ou ver o que acontece a uma balão cheio de ar dentro de um frigorífico. Ou ainda verificar se um papel embrulhado cai mais depressa do que o mesmo papel direito. É ciência a brincar, mas a ciência a brincar é o começo da ciência a sério. O método experimental, que caracteriza a ciência que tem sido um dos meios mais extraordinários de progresso dos humanos deve ser transmitido o mais cedo possível. É um legado precioso que recebemos de Galileu, Newton, Einstein e outros e uma das missões maiores dos educadores consiste em passá-lo à próxima geração, para que ela viva melhor no mundo.

 P- Considera que a infância de hoje se precipita pelas novas tecnologias e pelo afastamento do do mundo real?

R-  Sim, há esse perigo. O virtual, omnipresente nos computadores e televisões, desperta muito interesse, mas o real existe e está primeiro. Vivemos num mundo onde batemos com a cabeça na parede se não tivermos cuidado. Crianças e jovens a espreitar permanentemente para mundos virtuais nos seus tablets e smartphones perdem facilmente a noção do mundo real. O mundo não é um ecrã de computador, onde possamos mudar coisas com um clique. Eu, que sou físico e gosto muito de computadores (faço muitas experiências no ecrã!), não quero banir o virtual, até porque tal é impossível. Mas gostava que ele fosse usado com conta, peso e medida. O controlo dos pais, dos educadores e professores é, a meu ver, imprescindível. Estou em crer que nada pode substituir as brincadeiras ao ar livre, andar de bicicleta ou jogar à bola por exemplo. Quando se cai os joelhos ficam esfolados mas aprende-se. A criança fica amiga de quem a ajuda a levantar-se. E, além do mais, é uma lição de vida falhar e recomeçar após um falhanço. Há também a questão da saúde: quem ficar sentado num sofá com um comando na mão engrossa as estatísticas da obesidade infantil, ficando na mira de várias doenças.

P- Em que medida o futuro destas crianças está comprometido ou será influenciado pela forma como a infância é vivida hoje? 

R- O ambiente familiar, o jardim de infância e a escola básica são, de facto, incubadoras de futuro. Toda a atenção que lhes pudermos dar é pouca, porque é pouca toda a atenção que pudermos dar ao futuro. Woody Allen disse que o futuro o interessava muito porque era lá que ela ia passar o resto dos seus dias. As aprendizagens feitas na escola básica vão determinar as outras aprendizagens, noutras escolas e ao longo da vida. Já referi a iniciação à ciência com actividades simples, mas posso falar da matemática. Crescemos quando aprendemos primeiro a contar e depois a fazer operações simples. Contar é um gesto natural e somar também é intuitivo. Há, porém, que treinar contas e a tabuada acaba por ficar na memória. Se substituirmos os exercícios mentais pelo uso de calculadoras, estamos a criar adultos dependentes de máquinas. Eu costumo dizer que no 1.º ciclo do básico se podem fazer contas com calculadoras, mas só do tipo: "se tiveres quatro calculadoras e tirares uma com quantas calculadoras ficas". 

P- Quais as perguntas que as crianças devem fazer, ou seja, que tipo de conhecimentos deveriam ter e perguntar aos pais e educadores? 

R- Eu não dou perguntas às crianças, mas gosto que elas me façam perguntas. Umas querem saber por que é que o céu é azul, outras querem saber por que razão as plantas não se movem como os animais, outras ainda querem saber por que os aviões se aguentam no ar. É sempre um desafio responder de um modo simples mas verdadeiro. O importante é encorajar o aparecimento de questões. Dizer aos infantes para perguntarem e voltarem a perguntar. E para procurarem eles próprios ver qual será a melhor resposta. 

P-. Qual é o papel dos pais e dos educadores de hoje? 

R- Pais e educadores nunca poderão esquecer que são pessoas em quem as crianças confiam e, por isso, devem ser exemplos. Eles serão sempre referências para as crianças. Os pais, que deram o seu código genético, dão também aos filhos os primeiros cuidados, enquanto lhes inculcam as primeiras noções comportamentais. Os educadores, por sua vez, transmitem uma selecção do vasto património da humanidade assim como as regras de vida em sociedade. Pais e educadores não podem apontar em sentidos diferentes, sob pena de confundirem as crianças. Não se podem esquecer nunca que, muito para além dos saberes, lhes cabe transmitir valores.

1 comentário:

Fernando Caldeira disse...

Ninguém tem igual curiosidade por todas as matérias e a necessidade nem sempre existe antes do conhecimento, ou, no mínimo, de alguns contactos com os assuntos. Também não podemos experimentar tudo, nem se aprende apenas pela experimentação. A capacidade de abstracção (inata) também precisa de ser desenvolvida.
Nos primeiros anos a qualidade da relação professor (educador) - aluno (criança) é determinante e assenta muito no sentimento de confiança de quem aprende e transmissão de segurança por parte de quem ensina (educa). Já no caso dos adolescentes, quando se trata de transmitir conhecimentos, o gosto pelo que se ensina e a relação do professor com o conhecimento é fundamental, despertando frequentemente o desejo de emulação.
E, claro está, tudo na educação de crianças e jovens deve ser feito com conta peso e medida”. Estejamos a falar de aprendizagens (currículos) ou de instrumentos e métodos de avaliação ou mesmo de questões disciplinares. Não nos podemos esquecer que é o “peso” (a dificuldade) que é primeiramente sentido e avaliado por quem tenta aprender ou fazer alguma coisa.
O professor não é apenas “um mero facilitador de aprendizagens”, como foi defendido durante décadas em nome das Ciências da Educação, mas um guia que orienta e apoia o aluno de modo a que ele possa chegar aonde não chegaria sozinho.

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