Meu artigo na revista do "Ensino Superior" - Boletim do SNESup, que acaba de sair:
Assistimos nas últimas três décadas a um crescimento enorme da ciência em Portugal. Basta consultar a PORDATA, base de dados de Portugal contemporâneo da responsabilidade da Fundação Francisco Manuel dos Santos, para verificarmos esse facto. O investimento em investigação e desenvolvimento (I&D) cresceu de 0,4% para 1,5% do PIB desde 1986, ano da entrada de Portugal na União Europeia (EU), para 1,5% em 2012. Dois indicadores indesmentíveis sobre os resultados desse investimento são o número anual de novos doutorados formados e o número de novas publicações científicas. Em 1996 obtiveram o diploma de doutor 216 pessoas, mas em 2012 já foram 2209. O número de publicações científicas em revistas indexadas, que era de 664 (6,6 por cem mil habitantes), passou para 16480 em 2012 (156,7 por cem mil habitantes). Para comprovar o enorme crescimento do sistema de ciência e tecnologia basta fazer contas simples: se o investimento subiu quase quatro vezes, o número de novos doutores subiu dez vezes e o número de publicações subiu bastante mais (25 vezes). Poucas coisas subiram tanto em Portugal em tão pouco tempo!
Nos dias de hoje existem, porém, fortes razões para preocupação. A percentagem do PIB investida em I&D depois de ter atingido o cume em 2009 e 2010, com 1,6%, está agora em declínio, com a agravante de o PIB português estar comparável ao que era no final do século passado (foi de 14748 euros em 2012 per capita a preços constantes comparado com 14787 no ano 2000). O impulso vindo de trás fará crescer no imediato tanto o número de pessoas formadas ao mais alto nível como o número de artigos científicos, mas é legítimo recear que, a médio prazo, à notável ascensão se siga uma queda nos resultados.
Por que razão é preciso continuar o crescimento do sistema científico nacional? Pela simples razão de que, apesar de termos dado um grande salto no ranking dos países europeus, ainda não estamos nem no input (medido aqui pela parcela do PIB investida) nem nos outputs (medidos aqui pelo número de novos doutorados e pelo número de publicações científicas, os dois números normalizados ao número de habitantes para possibilitar comparações internacionais) perto da média da UE. Não se trata de disputar os lugares do topo, ocupados pelos países bem mais desenvolvidos, mas sim e apenas de tentar chegar à média. Vejamos, do lado do input: em média, a UE investiu, em 2012, 2,1% do PIB em ciência e tecnologia, falando-se de uma meta futura de 3%. E, do lado do output, o número médio de doutoramentos na UE foi, em 2011 (o último para o qual há números disponíveis na PORDATA), de 23 por cem mil habitantes, ao passo que em Portugal foi de apenas 15 por cem mil habitantes; por sua vez, o número de artigos por cem mil habitantes na UE é actualmente de mais de 250 por cem mil habitantes (este indicador não está ainda na PORDATA), bem acima do nosso valor. Quer dizer, temos de continuar a aumentar o investimento em ciência e tecnologia, ao mesmo tempo que melhoramos a produtividade, se queremos convergir para a média europeia nesta área vital para o nosso desenvolvimento.
A política concretizada nos últimos dois anos pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) está mal justificada, não apontando sequer metas quantitativas para o nosso crescimento. E é uma política de ”poda” mal feita: A FCT cortou de uma maneira cega, arbitrária e injusta nas bolsas de doutoramento e de pós-doutoramento, o que vai diminuir tanto o número de novos doutorados como o número de publicações, feitas na sua maior parte pelos investigadores mais jovens. Fala de “excelência” sem nunca definir o conceito e esquecendo que os melhores em qualquer área só podem florescer onde houver um ambiente equilibrado nas várias áreas científicas. Casos vindos a público revelaram que excelentes candidatos, qualquer que seja a definição de excelência, ficaram de fora no concurso de bolsas, tendo de procurar abrigo em centros estrangeiros ou de interromper as suas promissoras carreiras científicas. E há áreas extintas como a da História da Ciência.
A FCT não tem sido capaz de ligar mais e melhor o sistema científico-tecnológico nacional quer ao sistema de ensino superior, quer ao mundo empresarial (não se percebe, em particular, como concilia a sua ideia de “excelência” científica com a proximidade à economia que alguns governantes reclamam). Pior que tudo, não tem sido capaz de unir a comunidade científica em torno de objectivos comuns, tendo antes procurado dividir para reinar. Além disso, a FCT tem desprezado o valor da cultura científica, não se preocupando em comunicar ciência aos cidadãos que pagam a ciência. Por manifesta falta de visão, a política da FCT parece ser, neste momento, um entrave ao progresso da ciência em Portugal.
1 comentário:
As queixas de toda a gente, estamos em Portugal e as queixas só aparecem quando levam na tola como todos os outros.
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