sábado, 1 de março de 2014

VER, LER E OUVIR



Minhas escolhas culturais (O que ando a ver, ler e ouvir) publicadas no Diário de Notícias de hoje (suplemento QI):

 VER

 - Woody Allen, “Blue Jasmine”, Prisvideo, 2013, 14,99 euros FNAC

Confesso que não sou grande cinéfilo, mas Woody Allen é um dos meus realizadores preferidos. Como não tive oportunidade de ver este seu último filme, com a australiana Cate Blanchett no papel de uma mulher rica que perde a sua fortuna (ela integra o elenco do último filme de George Clooney,  The Monuments Men. Caçadores de Tesouros, que também quero ver) comprei o DVD. Logo que tenha algum tempo,  verei se concordo com os que dizem que Blanchett merece um óscar por esta interpretação num filme que me dizem ser um retrato inteligente dos atribulados tempos que correm.

- Carl Sagan, “Cosmos”, original de 1980 e edição das Fremantle Media Enterprises de 2009, 5 DVD, 39,99 euros, FNAC
  
Muito em breve, a 9 de Março, vai estrear Cosmos. Uma Odisseia no Espaço-Tempo, sequela de Cosmos: Uma Viagem Pessoal, a famosa série televisiva de Carl Sagan, a qual está associado a um excelente livro (recomendo a edição ilustrada, que não pode faltar em nenhuma biblioteca!). Passados 34 anos, Sagan será substituído pelo astrofísico Neil deGrasse Tyson, embora entre os produtores executivos se encontre ainda a sua mulher, Ann Druyan. Por todo o mundo há uma imensa curiosidade em conhecer a nova série. Mas até lá – e até para facilitar a  comparação – não há como rever o clássico da nossa modernidade. Não é preciso rever muito para concluir que Sagan é uma estrela de primeira grandeza. Mas Tyson também possui uma capacidade enorme de comunicação, sendo senhor de um humor muito particular. Estou mortinho por ver este segundo Cosmos, esperando que ele ajude a crescer a cultura científica no mundo e no nosso país. Bem precisamos dela!

LER

- Teodoro de Almeida, “Oração e Memórias na Academia de Ciências de Lisboa”, Introdução e Coordenação editorial de José Alberto Silva, Porto Editora, 2013, 18,90 euros FNAC

Numa altura em que a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) decidiu, vai-se lá saber porquê e para quê, extinguir a área de História da Ciência, vale a pena visitar a história da ciência nacional através da colecção Ciência e Iluminismo, coordenada por José Luís Cardoso, Francisco Contente Domingues e Ana Simões. Este livro, o 9.º da colecção, traz-nos a primeira oração de sapiência da Academia de Ciências de Lisboa, lida em 4 de Julho de 1780 pelo padre oratoriano Teodoro de Almeida, que tinha estado exilado em Espanha e França no tempo do marquês de Pombal, onde escreveu boa parte da sua notável Recreação Filosófica. A oração causou acesa polémica, designadamente de prosélitos do marquês que não gostaram de ver Portugal comparado, no atraso científico, ao reino de Marrocos. A actual política ignorante da cultura científica conduzida pela FCT leva-nos a uma nova comparação com o  “reino de Marrocos”.

-  Miriam Assor, “Judeus Ilustres de Portugal”, A Esfera dos Livros, 2014, 15,30 euros FNAC

Uma jornalista de origem judaica (filha de um antiga rabino da Comunidade Judaica de Lisboa), apresenta um retrato de, como reza o subtítulo, “14 judeus ilustres que marcaram a História do nosso país”. Alguns são mais conhecidos, como os grandes cientistas do século XVI Garcia de Orta, Amato Lusitano e Pedro Nunes, num tempo marcado pela perseguição inquisitorial, e outros são menos, como Isaac da Fonseca, “o rabino poeta de Amesterdão”, e Abraham Assor, o pai da autora. O prefácio é de Miguel Esteves Cardoso, que se confessa judeu, religião à qual chegou após ter falado com o rabino Assor. Cardoso diz que o pai lhe ensinou que “a desgraça de Portugal e dos portugueses não teria acontecido (e não existiria hoje) se os judeus não tivessem sido expulsos, pseudoconvertidos à força ou assassinados, pelos fogos pré-nazis da Inquisição.”

- E.L. Jones, “O Milagre Europeu”, 2.ª edição, Gradiva, 2002, 5 euros FNAC

Nem só de livros modernos se alimenta a leitura. Há livros não muito modernos que permanecem actuais e que se encontram por um preço incrivelmente baixo. A proximidade das eleições europeias conduziu-me à releitura deste livro, cujo subtítulo é “Contexto, Economia e Geopolítica da História da Europa e da Ásia”, da autoria de um professor de Economia australiano. A Europa pode estar em crise – e a ideia da União Europeia pode não passar por enquanto de uma ficção – mas vivemos num continente fantástico, onde um dia se seu o “milagre” do desenvolvimento. Foi da Europa que partiram os Descobrimentos, foi aqui a Revolução Científica foi feita e foi aqui a Revolução Industrial arrancou. O mundo está longe de ser só a  Europa mas sem a Europa o mundo não seria o que é hoje.  Vale a pena a ficção da Europa... 

- Eduardo Lourenço, “A História é a suprema ficção”, Entrevista de José Jorge Letria a Eduardo Lourenço, Guerra e Paz, 2014, 13,99 euros FNAC

O nosso grande maître à penser não se cansa de nos ensinar, com um discernimento único, o que é Portugal e os Portugueses. Nesta entrevista em forma de livro chama a Portugal um “milagre quase contínuo” por ter conseguido sobreviver ao longo de oito séculos de independência. E diz sobre a situação actual: “Voltámos à Europa, de onde nunca devíamos ter saído, mas à qual pertencemos mesmo antes de ter nascido. Agora estamos  envoltos num destino comum, protegidos e desprotegidos ao mesmo tempo. “ A ler e meditar. Sobre o tema da Europa recomendo também o recente A identidade Cultural Europeia de Vasco Graça Moura, na Fundação Francisco Manuel dos Santos. 

- Helena Matos e José Manuel Fernandes, “Este país não é para jovens", A Esfera dos Livros, 2014, 14,40 euros FNAC

Dois jornalistas, cujo pensamento arguto e caneta afiada são bem conhecidos, analisam o Portugal que somos hoje, centrando o olhar na questão da equidade entre gerações. O subtítulo põe o dedo na ferida: “Quanto vão custar no futuro as obras, as políticas e os direitos de hoje”. Estaremos a comprometer seriamente o futuro das próximas gerações em nome do presente? Serão os nossos políticos completamente cegos no que respeita ao futuro a médio e longo prazo, só lhes interessando o tempo curto e mesquinho dos seus ciclos eleitorais?

- Hubert Reeves, “Onde cresce o perigo nasce também a salvação”, Gradiva, 2014. 12 euros FNAC

O astrofísico com ar de poeta tem sido entre nós, pela chancela da Gradiva, um grande êxito editorial. O autor continua a atrair audiências, como mostrou a sua recente vista ao Porto. Neste livro, cujo título se inspira num verso do poeta alemão Friedrich Hoelderlin (morei três anos na rua Hoelderlin, um nome difícil de pronunciar, em Frankfurt), Reeves olha ao mesmo tempo para a espantosa história do cosmos, à escala do muito grande no espaço e no tempo, e para a história recente do nosso planeta, a uma escala muitíssimo menor, onde a mão do homem criou riscos. À primeira chama “bela história” e à segunda “história menos bela”. Mas o verso do título sugere que a Terra não está perdida, temos de dar beleza à história da Terra. Os cientistas são uns optimistas inveterados. 

- Craig Venter, “Life at the speed of light. From the double helix to the dawn of digital life”,Viking, 2013, 20,50 euros FNAC

Um dos mais originais cientistas contemporâneos é Craig Venter, bioquímico norte-americano que participou, com a sua empresa Celera Genomics, no extraordinário projecto da sequenciação completa do genoma humano, completado em 2003 e que não só mudou a ciência como vai mudar as nossas vidas. Em 2010 Venter anunciou a criação de vida artificial. Neste livro defende o envio por sinal digital e à velocidade da luz  do código da vida para o espaço para criar sinteticamente vida noutros planetas, E, ao contrário, se for encontrada vida sob outras formas noutros planetas próximos, essa vida poderá ser enviada para a Terra a partir de sondas para aqui ser recriada. Isto é pode haver visitas de extraterrestres, sendo os extraterrestres criados cá e lá. Trata-se de ciência embora pareça ficção.

OUVIR

- Cristina Branco, “Idealist”. Universal, 2014, 17,99 euros FNAC

Antologia de 17 anos de canções de uma cantora portuguesa que fez boa parte da sua sua carreira na Holanda e agora regressou a esse país (não foi aliás o único artista conhecida a emigrar, também Fernando Tordo procurou recentemente outras paragens, à semelhança de muitos cientistas). Explicou assim a sua partida: “a cultura no nosso país está a morrer, a educação idem e resolvemos mudar-nos para aqui, porque achei importante os meus filhos terem uma abordagem à vida diferente daquela que temos em Portugal.” A caixa  alberga  três discos, o primeiro de fados, incluindo poemas do holandês J. Slauerhorff e do português Alexandre O’Neill, o segundo celebrando outros grandes poetas como António Gedeão e Eugénio de Andrade e o terceiro denominado Ideal, que engloba canções de Sérgio Godinho e Chico Buarque. Uma das canções que não me farto de ouvir é a inédita Se fores, não chores por mim, de Mário Cláudio e Ricardo J. Dias.

- Richard Strauss, “Also sprach Zaratrustra”, Gustavo Dudamel dirige a Berliner Philarmoniker, 2013, Deutsche Grammophon, 15,99 euros FNAC

Este é o ano de Richard Strauss, pois passam 150 anos do seu nascimento. Neste disco o jovem maestro venezuelano, que só tem 33 anos, dirige, como convidado, a célebre Filarmónica de Berlim, cujo maestro titular é Simon Rattle (sucessor de Herbert von Karajan e do recentemente falecido Claudio Abbado). O poema sinfónico de Strauss foi composto em 1896, inspirado pelo livro de Friedrich Nietzsche com o mesmo título. Encontra-se neste CD, logo na abertura, a música com que abre o filme 2001 Odisseia de Espaço, de Stanley Kubrick, que foi gravada pela sinfónica de Viena dirigida por von Karajan. Lembro-me de, em jovem, a ouvir nos relatos radiofónicas das viagens Apollo à Lua na Emissora Nacional, comentados pelo saudoso Eurico da Fonseca, um autodidacta que foi um dos grandes pioneiros da divulgação científica em Portugal.

1 comentário:

LSR disse...

O nosso grande maître à penser não se cansa de nos ensinar, com um discernimento único, o que é Portugal e os Portugueses. Nesta entrevista em forma de livro chama a Portugal um “milagre quase contínuo” por ter conseguido sobreviver ao longo de oito séculos de independência. E diz sobre a situação actual: “Voltámos à Europa, de onde nunca devíamos ter saído, mas à qual pertencemos mesmo antes de ter nascido. Agora estamos envoltos num destino comum, protegidos e desprotegidos ao mesmo tempo. “

Isso é semelhante ao que ele escreve em O Labirinto da Saudade, que li recentemente, ficando encantado com a visão que ele tem da nossa existência como povo ao longo da história. Tanta sabedoria, e muitas excelentes leituras e interpretações de como vemos o nosso destino através dos nossos escritores. A conclusão, porém, é trágica: somos um povo que ora não sabe existir ora tem devaneios messiânicos de quem vai salvar o mundo com o V Império. Como somos estranhos e fascinantes.

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