terça-feira, 8 de outubro de 2013

NOBEL PARA O HIGGS!


É merecedíssimo, aliás era a aposta maior para o Nobel da Física.  Ganharam Englert e Higgs, dois físicos teóricos que previram o Higgs em 1964.  Pode ser e será muito discutido se outros físicos  teóricos mereciam ganhar. Talvez, mas as regras da Academia são claras: só três pessoas, no máximo, podem ter o Nobel. Quanto aos físicos experimentais, eles foram vários milhares, pelo que teria sido muito difícil distinguir um, talvez o engenheiro-chefe do acelerador do CERN o pudesse ter sido, mas a injustiça seria neste caso ainda maior do que no caso teórico. De qualquer modo foi um triunfo para a física europeia.

O Nobel da Física deste ano recompensa, como já aconteceu noutras vezes, um grande triunfo da física teórica: a nossa capacidade humana de prever o mundo com base na matemática. Por detrás do Higgs, impropriamente chamada partícula de Deus, está uma bela ideia: a simetria e a quebra de simetria. Demorou quase 50 anos, desde 1964 até 2012, mas a previsão do Higgs feita por Englert e Higgs (brout já faleceu) foi certeira e merece decerto ser recompensada com o maior prémio científico do mundo. O Prémio Príncipe de Astúrias de Ciências já tinha antecipado o Nobel. Não seria prudente adiar mais. Além do mais, os autores estavam em idade avançada e podiam vir a não receber o prémio.
 
Para compreender a descoberta, transcrevo um trecho do livro de Sean Carroll "A partícula no Fim do Universo: como a caça ao Higgs nos levou à beira de um mundo novo" de Sean Carroll, a sair em breve na Gradiva, com tradução de Miguel Fiolhais, físico que tem trabalhado no acelerador do CERN na detecção do Higgs tal como muitos outros físicos portugueses. Conta a história da descoberta teórica do Higgs:

"Não há dúvida de que descobrir o bosão de Higgs é o tipo de conquista que é certamente merecedora de um Prémio Nobel. Aliás, inventar uma teoria que, antes do mais, previu o Higgs em primeiro lugar é, sem dúvida alguma, merecedora do prémio."(...)

1964: Englert e Brout

 Qualquer físico, na posse de um bem precisoso chamado “uma boa ideia”, vive no medo de ser ultrapassado – que a sua ideia ocorra a alguém que a publique antes dele. Dado o número de ideias que é possível ter, pode esperar que isto seja um evento raro. Mas as ideias não aparecem aleatoriamente; todos os cientistas estão embebidos num mosaico comunicativo de palestras e artigos e conversas informais, e é muito comum que duas ou mais pessoas que nunca se tenham visto acabem ainda assim por pensarem sobre os mesmos problemas. (No século. XVII, Isaac Newton e Gottfried Leibniz inventaram o cálculo sem estaremse coordenadosrem.) Em 1964, o ano em que os Beatles abalaram a América, três grupos independentes de físicos surgiram com propostas muito semelhantes que mostravam como a quebra espontânea de simetria de uma simetria local não produz qualquer bosão sem massa, apenas bosões com massa que originam forças de curto alcance. O primeiro a aparecer foi um artigo de François Englert e Robert Brout, da Universade Livre de Bruxelas, na Bélgica. O seguinte foi de Peter Higgs, de Edimburgo, na Escócia, com dois artigos em sucessão. E, depois, os americanos Carl Richard Hagen e Gerald Guralnik (que foi estudante de doutoramento de Walter Gilbert) colaboraram com o inglês Tom Kibble para escreverem um artigo. Os três grupos trabalharam de forma independente, e os três merecem algum crédito por inventarem o que hoje agora conhecemos por como o “mecanismo de Higgs” – mas a distribuição dos créditos continua a ser debatida. O artigo de Englert e Brout era curto e direccionado ao ponto. Os dois físicos conheceram-se em 1959, quando Englert veio para a Cornell como postdoc para trabalhar com Brout. No primeiro dia em que se conheceram, foram beber um copo, que rapidamente se tornou em vários copos, enquanto os dois bebiam sem parardemora. Quando Englert voltou para a Bélgica em 1961 para ocupar uma posição na Faculdade, Brout e a sua mulher planearam uma visita temporária a para visitarem Bruxelas, mas e rapidamente decidiram ficar lá para sempre. Continuaram bons amigos e colaboradores até Brout falecer em 2011. Há dois tipos de campos na discussão deles: o campo bosónico de gauge mediador de força e um conjunto de dois campos escalares que quebram a simetria e tomam um valor diferente de zero no espaço vazio. É uma configuração semelhante à do trabalho de Goldstone na quebra de simetrias globais, com a adição de campo de gauge necessário pela simetria local. Mas não deram muita atenção às propriedades dos campos escalares, concentrando-se antes em vez disso no que asucede contece ao campo de gauge. Eles mostraram, usando diagramas de Feynman, que se obtém massa sem violar a simetria subjacente – perfeitamente de acordo com os requisitos da relatividade, e em contradição com a preocupação de Gilbert. Tudo isto foi feito aparentemente sem conhecimento do artigo de Anderson do ano anterior.

1964: Higgs

Peter Higgs, após se doutorar pela University College of London, regressou à sua Escócia nativa para leccionar na Universidade de Edimburgo em 1960. Ele conhecia o trabalho de Anderson e estava interessado em mostrar explicitamente como o teorema de Goldstone podia ser evitado numa teoria relativista. Em Junho de 1964, Higgs abriu a mais recente edição da Physical Review Letters (PRL), a principal revista de física nos Estados Unidos, e encontrou o artigo de Gilbert. Ele lembrou mais tarde: “acho que a minha reacção foi dizer ‘merda’ porque parecia que ele tinha fechado a porta no programa de Nambu.” Mas Higgs não desistiu. Ele lembrou-se que Schwinger tinha encontrado uma falha no argumento habitual de que os bosões de gauge têm de ter massa zero em virtude por causa de considerações de simetria, e pensou que seria possível alargar a falhar ao caso de simetrias quebradas espontaneamente. Ao perceber que estas questões eram importantes, Higgs escreveu rapidamente um artigo curto, que foi publicado na Physics Letters, a versão europeia da Physical Review Letters. Aqui, pela primeira vez, foi demonstrado explicitamente como os pressupostos por trás do teorema de Goldstone podem ser contornados no caso da simetria de gauge, mesmo quando a relatividade é completamente respeitada.

O que Higgs não tinha nesse primeiro artigo era um modelo específico em que os bosões sem massa fossem erradicados. No segundo artigo ele proporcionou exactamente isso, examinando o comportamento de um par de campos escalares a quebrar simetrias, ao estilo de Goldstone, acoplados a um campo de gauge mediador de força, mostrando que o campo de gauge engolia o bosão de Nambu-Goldstone para criar um único bosão de gauge com massa. Ele enviou este segundo artigo para a Physics Letters.

Olhando em frente por um bocado, na concretiza implementação do mecanismo de Higgs no mundo real, no Modelo Padrão, antes da quebra de simetria começamos com quatro bosões escalares e três bosões de gauge sem massa. Quando a simetria é quebrada pelos bosões escalares tomando um valor diferente de zero no espaço vazio, três dos bosões escalares são comidos pelos bosões de gauge. Ficamos com três bosões de gauge com massa: os W e o Z, e um escalar com massa – o Higgs. Outro bosões de gauge começa sem massa e assim permanece – é o fotão. (O fotão é, na realidade, uma mistura de alguns bosões de gauge originais, mas isto está a tornar-se suficientemente complicado que chegue.) De certo modo, descobrimos três quartos do bosão de Higgs nos anos 80, quando descobrimos os W e o Z com massa.

 Enquanto se pode argumentar se foi Anderson,  Englert e  Brout, ou Higgs quem primeiro propôs o mecanismo de Higgs pelos quais os bosões de gauge adquirem massa, o próprio Higgs tem uma boa reivindicação da primeira aparição do bosão de Higgs, a partícula que hoje agora usamos como evidência de que é assim que a Natureza funciona. (Outros podem apontar – e fizeram-no – que os primeiros artigos podiam ter mencionado o Higgs e não o fizeram, porque a sua existência devia ser óbvia logo assim que o resto do trabalho estivesse feito.) Num artigo seguinte em 1966, Higgs examinou as propriedades deste bosão com maior pormenor. Mas, se a sua submissão original do artigo não tivesse sido rejeitada na Physics Letters, ele poderia nunca ter dado qualquer atenção ao bosão.

Higgs estava bem consciente do artigo de Anderson de 1963. Ele tende a dar crédito substancial a Anderson, mas argumenta que Anderson não foi suficientemente longe: “Anderson devia ter feito basicamente as duas coisas que eu fiz. Ele devia ter demonstrado a falha no teorema de Goldstone, e devia ter produzido um simples modelo relativista para mostrar que isso acontecia. Contudo, sempre que dou uma palestra sobre no chamado mecanismo de Higgs começo com o Anderson, que realmente acertou, mas sem que ninguém o compreendesse.” "

Sean Carrol

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