quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A praxe académica como negação da aprendizagem de cidadania

Imagem retirada daqui
Quando chegam ao ensino superior, os nossos estudantes contam com um longo historial de educação para a cidadania. Se deixarmos de fora a pré-escolaridade, são doze anos. Doze anos em que (supostamente) "trabalharam", em todas as áreas disciplinares e disciplinas, e a propósito de todos os conteúdos curriculares, questões de... cidadania. Além disso, frequentaram Formação Cívica e terão sido envolvidos em projectos de escola, de turma, etc.

Com uma preparação tão extensa e abrangente deveriam perceber que a praxe académica, tal como é praticada, nega a democracia, a liberdade, a integridade individual. É a aceitação do autoritarismo e a rendição incondicional. É a submissão a vontades boçais, ignóbeis, ordinárias. É um atavismo.

Muitíssimos não perceberão isto, nunca serão capazes de perceber, porque lhes falta estrutura para tanto, alguns percebem mas temem represálias, rejeições, hostilidades e arranjam estratégias de escape, escondem-se. São poucos, muito poucos, os que fazem frente ao arrastão.

Este cenário revela bem o nosso ensino, não só no superior, mas também no secundário e no básico. Devemos reconhecer que esta educação para a cidadania, eleita como coluna vertebral do currículo, falhou.

Sim, claro, as famílias e a sociedade têm a sua quota de responsabilidade, que talvez seja igual à da escola... mas a escola não pode desarmar nesta matéria de cidadania. É preciso, é urgente que invente uma nova forma de a ensinar.

10 comentários:

Anónimo disse...

É tão simplesmente a aplicação da lei do mais forte tão veículada pelos neoliberais!

Não é este comportamento que se espera em empresas e repartições? Não é isto que se pretende com objectivos e avaliações em que, no fundo, todos sabem que quem manda decide?

As praxes são uma espécie de propedêutico do rebaixamento laboral.

Bem vinda ao admirável mundo novo!

Ivone Melo

Helena Damião disse...

Prezada Ivone Melo
Tem razão, se, no presente, o referido comportamento dos estudantes, já adultos, denota o que no passado lhe deu forma e o alicerçou, também indicia o que pode ser a sua configuração no futuro.
Tanto se reclamou que a escola acompanhasse a sociedade, que replicasse os seus modos de pensar e de agir no sentido de preparar os sujeitos... para a sociedade, que não nos parece haver pontos de fuga para uma educação capaz de conduzir a um outro caminho que não o da produção.
Cordialmente,
MHD

Anónimo disse...

"Bem vinda ao admirável mundo novo!"

Que palhaçada. Dizer isto de práticas que têm centenas de anos. como se fosse um produto da sociedade actual.

Isto está ao nível do fanatismo religioso.

augusto kuettner de magalhaes disse...

VAMOS CONTINUAR A TER ESTA PALLHAÇADA EM VEZ DO QUE DEVIA SER FEITO.Isto é bestialidade, nunca praxe!

QUEM ISTO FAZ DEVERIA DURANTE UM MÊS ANDAR A LAVAR SANITAS, SÃO NOJENTOS.....E GOSTAM DE SE ETERNIZAR SENDO-O!

joão viegas disse...

Cara Helena Damião,

Verdade. Como é obvio, não me passa pela cabeça defender as praxes. No entanto, gostava que a reflexão fosse mais longe. A vitalidade desse rito imbecil não tem unicamente a ver com um falhanço no curriculo anterior (durante o secundario), tem também a ver com a imagem que os alunos têm da universidade, imagem que se enraiza na função social que lhe atribuimos (mais ou menos conscientemente) e que vai muito além da sua função original e (supostamente) principal de transmitir saber e cultura. Ou seja, assenta numa contradição entre os objectivos afixados da instituição e a função que, na pratica, exigimos dela.

Lembro-me perfeitamente da minha primeira aula de introdução ao estudo do direito. O assistente perguntou-nos porque tinhamos escolhido o curso de direito. Um colega, por acaso um pouco mais velho do que a média, disse "por amor à justiça !", provocando uma gargalhada generalizada na assistência. Ainda hoje quando me lembro do episodio, não consigo reprimir um sorriso, e penso que sera o caso de muitos leitores. No entanto...

As praxes são também o resultado disso !

Boas

Rita Tormenta disse...

Sim falhou, mas falhar um método não equivale a ser possível arrancar uma componente da educação, implica, isso sim, a urgência da formulação de métodos alternativos, e perante o actual contexto no ensino, que se está a afastar do conceito de cidadão pleno e a reduzir a escola aos eixos programáticos chamados nucleares/estruturantes, e perante um mundo em crise, sem norte, a cidadania é um entrave, um entrave para os que tutelam, pois espicaça a consciência crítica, para os que a praticam pois serão sempre ultrapassados pelos que a ignoram, e para os que já não a reconhecem mas que se v~em ocasionalmente confrontados com noções castradoras, coisas como a ética, a justiça, a equidade, inutilidades em tempos de guerra.
As praxes são o rosto da confusão entre progressão social e exercício não regulado do poder, um dos maiores problemas da nossa sociedade, e não é moderno.

Anónimo disse...

Cara Helena Damião:

Não peça à Escola o que a sociedade não faz!

Por exemplo, os alunos são educados a colocar o lixo nos recipientes próprios e os professores dão o exemplo. Mas o certo é eu passo boa parte do tempo , quando vejo, a pedir para apanharem o lixo e eu , para dar o exemplo, apanho o lixo que "não é de ninguém". No entanto, chegam fora da Escola e lá vai lixo para a sarjeta. O melhor seria que a tarefa de limpar lhes fosse imposta, mas isso seria um trauma!

No que concerne à praxe, vejo fenómeno num contexto alargado de retorno a uma Idade Média da humanidade. Por todo lado observo esse fenómeno, inclusivamente em estratos onde nunca me pareceria sensato sequer imaginar, como por exemplo, o aceitar de fenómenos como o " mau olhado", a astrologia e até a bruxaria, pasme-se!

No que concerne às praxes, muitos destes jovens são de famílias em que nunca um elemento vestiu aquele anacrónico fatinho preto e , depois , há os outros, de estrato mais elevado e fraca educação, que querem gozar os "pacóvios".

Há ainda a assinalar outros fenómenos de popularidade actual como os colégios de elite e pensamento arrebanhado e os escuteiros. Destes últimos provêm muitos alunos universitários que convivem demasiado bem com palavras de ordem de índole fascista, o arrancar venizes à dentada entre outras continuadas atitudes praxistas e o estar como o do rebanho.

Não espere que os caloiros se subtraiam às praxes, os que o fazem ficam , como leprosos, à margem e nunca mais farão parte da academia.

Sou de uma família anti-praxe e tenho dois filhos. Ao mais velho, porque frequentou uma instituição de Artes, o assunto nunca se colocou, já o mais novo , juntamente com duas colegas, teve de manifestar não querer ser praxado. A consequência foi ficar totalmente marginalizado até ao fim do curso. As duas raparigas acabaram por sair e uma delas ,na nova escola , acabou por aceitar a praxe.

A Universidade tem de tomar uma atitude, no que vai já demasiado tarde, de proteger os mais fracos, neste caso os caloiros. Talvez não fosse má ideia generalizar a todas as Academias uma disciplina, obrigatória, de Direitos da Personalidade que fizesse aquelas cabecinhas, emperradas por demasiados exercícios de memorização de matéria para chegarem à excelência, pensar.

Cordiais cumprimentos,

Ivone Melo

P.S. Já agora gostaria de referir aqui um outro tópico. Se somos um estado laico por que motivo se está a generalizar às escolas do 1º ciclo a disciplina de ERMC ?

Anónimo disse...

Anónimo da 1:19

Não entendeu o uso que fiz da expressão e não , as praxes antigas , as do tempo dos meus pais, não tinham o carácter das de hoje que são pura e simplesmente o rebaixamento a quem é atribuído menos poder.

Ivone Melo

perhaps disse...

Nunca sofri praxes. Escrevo sofri porque, mesmo que não fossem o atrofio que são hoje, duvido que gostasse.
No entanto, conheço jovens que desejam o tempo das praxes como se lhes fosse família, de umas vezes para serem praxados, de outras, para praxarem. E penso que se tornou um ritual. Por vezes, um ritual deplorante. Esta semana assisti a uma data de jovens caloiros a correr dentro do metro, decerto para fazerem alguma coisa que não entrevi. Não me pareceram felizes, apenas um tanto aloucados e em manada. Também soube que na praxe se exige aos caloiros que repitam asneiras, que as cantem em coro, e outras alarvidades que os ditos até consideram males menores e talvez sejam, dado o resto. A força do grupo no indivíduo é considerável e há um lado de sadismo perigoso.

Mas não é forçoso que as praxes constituam um atentado à dignidade de cada um. Contudo, seja qual for a forma que assumam, não serão o melhor indicador para medir a cidadania. Porque abrem aos estudantes um tempo diferente e enfermam um pouco do fenómeno da multidão: geram crenças que unem os dois grupos - caloiros e o resto dos estudantes - e só vigoram ali. Ora, tal como a violência gera violência, o palavrão igual, e as ideias obtusas idem.
O termo recepção aparece-nos – a mim pelo menos - ligado a companhia, ajuda, integração e assim. Estarei um tanto desfasada, mas também sei que, durante a semana das praxes, e para além das ditas, há quem indique, se aproxime, ofereça experiência, livros…enfim, ajuda.
Para terminar com o estado de praxes deslavadas e descabidas, as universidades terão que se impor. Cabe-lhes. São adultos? E depois? Os nossos filhos também podem sê-lo, mas se agem mal o nosso dever é chamar a atenção, corrigir. Educar não tem prazo. E nem eles estão fora da escola.

Céu Gonçalves disse...

Concordo plenamente com o texto.

Sou Anti- praxes. Na minha altura apenas assumi a posição de anti-praxes. Não sofri qualquer represália.

Quem defende as praxes não tem a noção elementar do que é "o respeito pelos outros".


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