Aqui, no De Rerum Natura, sem obedecermos a um critério cronológico ou outro que não seja a oportunidade, lembaremos, até ao final do mês, algumas das suas obras e alguns aspectos da sua vida.
E começamos pelo livro O servo de Deus e a casa roubada, duas novelas publicadas em 1940. No preâmbulo escreveu Aquilino.
(...) A hora corre nada propícia para a arte que não se subordina. Os interesses materiais sobrepõem-se aos interesses do espírito com uma tirania nunca vista. Esperemos que o género humano se salve ainda desta feita do cataclismo por mastodontização. Esperemos, por outra, que o logos, que é a racionalidade, volte a pairar sobre o caos.
Eis as linhas iniciais da primeira novela - O servo de Deus:
Na noite em que cheio de confusão e pranto perfez a idade de Cristo, o servo de Deus teve um sonho. Uma voz branca e alada, de todo celeste, chamava-o ao juízo. Já que se tratava de prestar contas da sua alma, com ditosa agilidade, o estouvamento febril de quem não teme porque não deve - não lhe permitia Deus fazer milagres por um peneira velha, semear às rebatinhas nas dez léguas ao redor dos dons da graça, ser em vida adorado como santo? - desatou a pleitar inocência plenária, para se lhe abrirem de par em par as portas do Céu e adiantarem-se anjos, bem aventurados, ordens a recebê-lo solenemente debaixo do pátio. (...)
5 comentários:
Deu palavra à alma do povo usando as palavras do povo. Aquelas palavras que traduzem muito e bem, mas não encontramos nos dicionários.
Quando reli o "D. Quixote" em tradução dele achei significativa diferença. Dei-me então ao trabalho de comparar a obra anterior com a que tinha em mãos. Para ter a certeza de que não era eu que estava a ler a mesma obra com outros olhos. Não era. E lá ofereci a primeira, que não era má, para uma feira do livro, em que rendeu qualquer coisa como um euro pelos dois volumes.
Um escritor das "terras do demo". Foi "Mestre" Aquilino.
Letra
Leves são as letras!
Em lavra, letras...
Amável palavra, obra.
Ola,
Excelente iniciativa, esta.
Dois ligeiros reparos (que não são discordâncias, muito longe disso) em relação ao comentario de José Batista : dizer que Aquilino usou "as palavras do povo" parece-me ao mesmo tempo obvio (todas as palavras vêm do povo, por definição) e inexacto (o que Aquilino fez, foi muito mais do que "usar as palavras do povo", foi antes transforma-las, e à fala do povo beirão, em obra literaria, verdadeira obra de arte atravês da qual as palavras nos põem em contacto com uma verdade mais profunda, mais bela, mais justa, do que o que apanharemos se nos limitarmos a ouvir as conversas nos cafés do mercado de Trancoso).
Quanto à tradução do Quixote pelo Aquilino devia ser de leitura obrigatoria para todos os Portugueses. Uma obra prima (como alias as novelas exemplares e os textos do Aquilino sobre Cervantes).
Boas
o meu escritor português favorito. lembra-me o galego a escrita dele. nunca percebi a pouca importância que lhe dão em Portugal.
Caro João Viegas,
Tinha em mente várias palavras do, como direi, "povo profundo do interior beirão", aquele povo desconhecido de tanta gente, no tempo de Aquilino que, entretanto, envelheceu e que (hoje) morre e desaparece. Fica o deserto (de gente) e do conhecimento de parte do nosso património.
E a nostalgia, que creio que V. sente tão intensamente como eu.
Abraço.
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