Os
 governos salazaristas que se seguiram a 1936 adotaram, até 1974, o 
título Ministério da Educação Nacional. Não é para admirar: um regime 
corporativo com inspiração fascista tem como missão «educar». É mais 
nítido que «instruir»: é mais intrusivo.
A
 seguir, tivemos o Ministério da Educação e Cultura (o MEC), o 
Ministério da Educação e Investigação Científica (o MEIC), e novamente o
 MEC, e novamente o MEIC, e depois o Ministério da Educação (o ME), e o 
Ministério da Educação e Ciência (o MECcia?), o Ministério da Educação e
 Universidades (o magnífico MEU), e de novo o ME, até ao novo Ministério
 da Educação e Ciência de Nuno Crato.
Qual é o ADN da respeitável instituição?
À
 vista (método científico que envolve o intrincado mecanismo da visão), 
um: a instrução dos portugueses ficou em cacos, o que indicia uma carga 
genética de rinoceronte. Por outro lado, a educação foi persistente, 
estratégica, sustentada, sugerindo um ADN aracnídeo.
O
 Ministério da Educação Reticências—chamemos-lhe assim para 
facilitar—tem, por conseguinte, a carga genética de um rinoceronte que 
se dedica ao croché, remoendo, inabalável, estratégias saloias. Mas 
também a de uma aranha musculada, praticante de boxe, que aplica 
violentos crochets com ambos os punhos dos 4 pares de patas, abatendo, violenta, quem quer que sonhe numa mudança de modelo de instrução.
Quando
 o novo ministro Nuno Crato chegou tinha pela frente um organismo 
gigantesco com já longa tradição de educar para uma mediocridade 
satisfeita: o eduquês, contente e boçal, salafrário, instalara-se.
Não
 admira, assim sendo, que uma lenta e constante atividade de 
condicionamento para a mediocridade (da educação, palavra que o fascismo
 não enjeita) tenha arrumado na prateleira a excelência (da instrução, 
palavra que o salazarismo descartou).
Então, tenha o ministro as ideias que tiver, a instituição produz lá a sua coisinha.
O
 que significa que—ou o ministro (qualquer ministro!) está em todas, ou 
estará sempre a ser ludibriado. A menos que seja uma mulher ou um homem 
do sistema, como tal encarado pela arraia graúda do ministério.
Isto
 não é uma teoria da conspiração; isto é uma das possíveis formas 
racionais de olhar para resultados e tirar conclusões: se passaram 38 
anos (fora uns quantos dos tempos finais da ditadura) e o resultado é o 
caos, que é que vamos pensar de toda a doutrinação que foi impingida aos
 professores, às comunidades educativas, ao país? Que é que vamos pensar
 da teia urdida por sucessivos ministros servidos, basicamente, por 
sucessivas vagas da mesma equipa? Que é que vamos pensar da adequação 
das medidas tomadas por essa equipa?
O
 que vamos pensar—vamos lá, estamos no século 21—dos argumentos exangues
 das várias teorias românticas, e construtivistas, e mirabolantes que 
por aí andam?
E
 se lemos (e lemos) Nuno Crato em vários episódios da sua atividade de 
divulgador de ideias, o que vamos pensar das várias dissonâncias que 
começam a acumular-se, e a sugerir que, como afirmámos antes, há mais 
ministério além de Nuno Crato?
Também
 não estou em todas: limito-me às minhas áreas de especialidade e umas 
quantas generalidades gritantes. No entanto, já posso enumerar—são 4 a 
0:
·    A
 revisão da estrutura curricular mantêm assimetrias incompreensíveis: 
porquê as 30 horas do 2.º ciclo do básico, que passam a 34, 33, ou 32 no
 3.º ciclo, a 34 dos primeiros anos do secundário e, depois, a 23 no 
12.º ano (justamente quando os alunos só têm de preparar para exame um 
ano das disciplinas trianuais)?
As
 30 horas, porque o 1.º ciclo é mau, e os alunos precisam de reforços em
 Português e Matemática no 2.º? As 30 e tal do 3.º ciclo para encaixar 
mais reforços, e uns tics e uns tacs? (O reforço, para todos? Mesmo os 
bons? Que seca!) As 30 e tal do secundário atafulhando as bienais só no 
10.º e o 11.º, para depois, no 12.º ano, os bons alunos andarem 
pacificamente a apascentar a própria existência, numa modorra de quem 
não tem grande coisa para fazer? Note bem o Leitor: tudo isto se fazia, 
antes de 1974, com 28 horas semanais… todos os anos, do 1.º ao 7.º do 
liceu.
·    A
 estrutura curricular mantém, entretanto, as designações de Educação 
Visual, Educação Musical, Educação Tecnológica e Educação Física (tout un poème!),
 onde deveriam figurar Desenho, Música, Delírio e Desporto. Os miúdos, 
com a sua pouco exigente capacidade de síntese, chamam Física à Educação
 Física. Talvez seja por isso…
·   Nem de propósito, as Metas Curriculares de Educação Visual e Educação Tecnológica são dois monumentos à vida e saúde do eduquês—contente
 e boçal, salafrário, como adjetivei mais acima. São o 2 em 1: matam o 
Desenho e ferem a Inteligência. Dão cabo, em definitivo, de um ensino 
com tradições, e recriam uma disciplina que não existe, a Tecnologia… o 
Delírio pedagógico. Metas Curriculares? Só mesmo para complicar. 
Bastam-nos Programas decentes para definir o Currículo Nacional: as 
respetivas introduções serão bastantes no que diz respeito a metas. É 
claro que não é inocente mandar vir uma Educação Visual em vez do 
Desenho. Disso sabe Nuno Crato tão bem como eu, mas a equipa do MEC 
sentiu-se à vontade, pelos vistos, para levar avante a ideologia de que 
Crato já afirmou não gostar (falando de Português, Matemática, 
Ciências).
·    A
 monocultura de idiomas, tendencial, está virada para o Inglês. Sabendo 
que quem precisa de dominar bem a Língua de Shakespeare e Huckleberry 
Finn (e Blair, e Bush) não é, normalmente, produto do ensino 
oficial—andou, evidentemente, num qualquer instituto de 
Línguas—pergunto-me porque se faz esta opção? A escola pública não tem 
de ir atrás de índices de audiência, exatamente como a televisão 
pública: estão cá para assegurar suficiente informação de base. 
Entretanto, o Grego Clássico e o Latim morreram, e o cangalheiro também 
já tirou as medidas ao Francês.
4 a 0! Vamos, então, ver o que pesa do lado do ministro:
·    A extinção daquele texto cacete que era o «Currículo Nacional do Ensino Básico—Competências Essenciais» é Nuno Crato vintage. 4 a 1.
·    As
 normas de avaliação para o módulo final (tarefa 5) da formação para 
professores classificadores de exames nacionais foram oportunamente 
alteradas. A ação, organizada em torno de uma mesa de pé de galo por um 
conjunto de sobreviventes do movimento hippie, foi atalhada após um coro de protestos, e reapresentada à sociedade depois de tomar banho. 4 a 2.
·    A
 tendência para ensinar bem o essencial e colocar avaliações no fim de 
cada ciclo avança. B-a-Ba e 7x9=63 andam aí, passíveis de exame. 4 a 3.
·    O Ensino Técnico cresce. Ainda não é um homenzinho, mas cresce a partir do Ensino Vocacional.
Só
 uma pequena história, antes da contagem final: tenho uma sobrinha 
inteligente, trabalhadora, criativa e cheia de recursos (também é bonita
 e tem um sorriso glorioso) que estava farta—farta!—do 3.º ciclo do 
Ensino Básico, já perto do fim da coisa. Os pais—uma professora e um 
médico—também têm qualidades, não é só a filha. Juntámos conversas, e a 
pequena achou boa ideia experimentar um curso de cozinha do nosso Ensino
 Profissional. Continua, atualmente, a vida profissional em Londres, num
 dos restaurantes do Jamie Oliver: um Jamie's Italian (cá,
 as coisas estão pretas…). Dirão: ah, pois, os pais com massa põem os 
filhos em Londres. Não: ninguém é rico, a rapariga aventurou-se com umas
 poucas economias, tinha uma profissão a nascer e arranjou trabalho e 
alojamento com a ajuda dos contactos que, entretanto, criou. Num par de 
semanas. Se tivesse ido para o Ensino Secundário, para um curso 
científico-humanístico, quem sabe quão chata poderia ser a sua vida?
Tudo gente esperta: 4 a 4.
Temos empate? Bom… parece que sim.
Repito o que já disse: há mais Ministério além de Nuno Crato.
(Vi no Sol: o ministro Nuno Crato não tem tempo para ler blogues. Entendo. E lamento.)
António Mouzinho

 
 
 
2 comentários:
Bom, as normas de avaliação do módulo final da ação para professores classificadores, após ser atalhada ficou... praticamente como estava.
Eu, pelo menos, não lhe achei diferença significativa. E, se tomou banho, não me apercebi do ganho em higiene ou perfume.
O "eduquês" cumpre eficazmente o preceito bíblico: crescer, multiplicar-se e encher a Terra.
Cilindrando tudo. Até ministros "anti-eduquês".
Engraçado modo de avaliar o ministro...
Segundo o autor deste texto, se o ministério faz algo que ele considera correto, é graças ao ministro. Se, pelo contrário, o ministério faz algo que ele considera errado, então o ministro é uma vítima de uma força obscura que ninguém sabe muito bem quem é.
Deve ser isto aquilo a que chamam uma avaliação facilitista...
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