quarta-feira, 12 de setembro de 2012

La mor diú Francé



Falei, há pouco tempo, da morte do Desenho às mãos das Metas Curriculares de Educação Visual para o 2.º e 3.º ciclo do ensino básico, primeiro, além; depois, aqui.
O De Rerum Natura também é, na minha opinião, um blogue preocupado com a Língua. O mesmo é dizer: preocupado com as Línguas.
Recentemente, no início do Verão, isso manifestou-se com alguns artigos sobre a erosão das Línguas Clássicas na escola portuguesa. O Latim, em particular. É a Língua que falamos, o Latim; misturado; adulterado; popularizado; enriquecido; transformado; evoluído—mas Latim: basicamente, Latim.
Os espanhóis falam Latim, também. Têm um sotaque diferente do nosso, e algumas palavras diferentes: é uma espécie de Português estragado. Nós—falamos Castelhano estragado. Os espanhóis e os portugueses falam Francês estragado. O Francês também é Latim. Tal como o Português e o Castelhano: misturado, adulterado, popularizado, enriquecido, transformado. E o Romeno. O Romeno é um Latim mais exótico: fica bem para lá da Itália, onde falam latins diferentes em cada esquina. Os italianos são levados da breca: um país que inventou o Latim, mas onde cada soldado de regresso a casa, nas férias, se arranja para falá-lo de maneira diferente. Basta entrar num comboio para os ouvir.
Parte do Inglês é, igualmente, Latim. Eles sabem, de forma que até estudam Latim.
Nós, deixámos de saber. Estamos desinteressados.
Estamos desinteressados, e muito práticos: qual é a Língua de fazer dinheiro? É o Inglês? Então, vamos todos estudar isso, e que se dane tudo o resto.
O Inglês, interessantíssima Língua, foi espalhado universalmente: pelo império britânico, primeiro; pelo império norte-americano, a seguir. É uma língua muito complexa, mas com uma entrada muito acessível. Quem faz negócios, gosta desta ideia das bases acessíveis. Os negócios e a técnica, juntos, tornaram o Inglês a Língua da moda: os termos de que a técnica se vale para designar coisas são criados para a língua que lhes dá preço. É perfeito.
Quem fala outras Línguas aprende Inglês, por razões óbvias.
Mas há muitos mundos para além dos negócios e da técnica. O Latim que os franceses falam, por exemplo, foi muito tecido por um senhor um pouco mais velho que Camões—que não se percebe se é mais ou menos importante do que Camões, mas que é muito, mas muito, importante. É François Rabelais, que só pode ser bem lido—como todos os autores muito importantes—na própria Língua.
Como Camões, em Português. E Cervantes, em Castelhano.
Como Shakespeare em Inglês.
Há traduções—e traições—mas bom, mesmo bom, é o original.
E depois, há Línguas que se dizem de Civilização. O Francês é uma delas, e a civilização francesa é mais importante (para nós, europeus) do que algumas outras.
Acresce que os portugueses têm um aparelho vocálico atlético, o que lhes facilita o acesso às Línguas, e aos outros Latins, evidentemente: juntam o potencial oral a uma estrutura e a uma escrita que lhes são familiares.
Os portugueses aprendem Francês a uma velocidade estonteante, e isso dá-lhes acesso a um mundo cultural extraordinariamente rico—ao alcance da mão. As nossas bibliotecas estão cheias de bons livros em Francês, as papelarias de boas revistas em Francês. E há a música francesa, e o cinema francês. Há poucas décadas isso era-nos acessível e, chegar lá, fácil.
O aluno médio do secundário conseguia ir mais longe em Francês do que hoje vai em Inglês.
Será que pretendo que se deixe o Inglês em paz, porque tenho uma embirração? Não: apenas gostaria que as estantes de literatura em Francês que há por todo o lado não fossem cemitérios duma parte de leão da nossa cultura. Gostaria de poder garantir—a essa coisa extraordinariamente plástica que são as cabecinhas dos nossos estudantes—acesso oficial, regulado, programado, incluído nos curricula, a duas ou três línguas além do Português. Não mantendo nenhuma posição de privilégio. Permitindo a leitura de Molière na Língua do dramaturgo e não, necessariamente, em tradução portuguesa—ou até: inglesa…
O que é que o presente esquema curricular do ensino português se prepara para fazer com isso?
Boa pergunta…
Se a língua de negócios passa a ser o Mandarim, estamos feitos!
António Mouzinho
P.S.: Estou fora da minha área, bem sei. Isso fragiliza-me, também sei. Então, fora da área por fora da área, à laia de rodapé: se o currículo nacional passa a estar dependente de índices de popularidade, para que não aconteça o que o senhor Dr. António Borges diz do Segundo Canal da RTP (que pouco importa, já que não tem audiências…), bem: não estamos feitos; estamos—mesmo—tramados!

2 comentários:

João Alves disse...

O que não se compreende, é que tendo uma fronteira unicamente com línguas espanholas, sendo o castelhano a 3ª mais falada, depois do chinês e inglês, ninguém se decida a ensiná-lo como deve ser nas nossas escolas.

José Batista disse...

Caro João Alves

A opção pelo "espanhol" já existe a partir do 7º ano, optando os alunos por aquela língua ou pelo "francês", para lá do "inglês", que é obrigatório.
Estou a pensar numa escola que conheço em que, no atual 9º ano, em 9 turmas, 3 têm "espanhol" e 6 têm "francês".

Mas não faço ideia de como estão as coisas a nível nacional.

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