No início deste mês, Philip Zimbardo esteve em Coimbra para participar na 1st International Conference on Time
Perspective, organizada pelo Instituto de Psicologia Cognitiva da Universidade de Coimbra.
O famosíssimo psicólogo deu uma entrevista que foi publicada na Revista de domingo do Público, no passado dia 23, com texto de Ana Gerschenfeld. É muito interessante porque veio trazer dados oportunos para esclarecer e alargar a questão da maldade, que temos tratado neste blog.
Zimbardo, recorda um episódio ocorrido em 1971, aquando de uma experiência no Departamento de Psicologia da Universidade de Stanford (a fotografia acima é dessa altura). Ficou conhecida como a Experiência da Prisão de Stanford e o objetivo era saber como «24 estudantes perfeitamente normais do ponto de vista psicológico, a quem tinha sido atribuído, ao acaso, o papel de “guarda” ou de “preso”, passavam 15 dias mergulhados num universo prisional. Se os 12 guardas tivessem um poder absoluto sobre os 12 presos tornar-se-iam sádicos? E os presos, rebelar-se-iam ou obedeceriam cegamente às ordens mais cruéis, desumanas e avassaladoras?»
A experiência, que hoje seria impossível de replicar por causa das questões éticas que levante, foi para a frente na altura e tornou-se reveladora do tipo de comportamento dominante nestas situações. Como diz Zimbardo: «De facto tudo correu muito mal – ou seja, a experiência resultou tão bem que excedeu todas as expectativas e foi preciso interrompê-la prematuramente. Ao fim de cindo dias os guardas maltratavam os presos e os presos não faziam nada. Eram como zombies ».
A situação ficou descontrolada. (…) Correu tão mal – ou tão bem – que Zimbardo admite que ele próprio, mergulhado nesse universo concentracionário se tornou cego ao sofrimento e aos maus tratos reais a que os seus “presos” estavam a ser submetidos.
Do ponto de vista psicológico, diz, «o mal consiste em fazer mal aos outros intencionalmente – à força de preconceitos, de discriminação, de boatos, de bulling», ou de tortura e maus tratos, que na sua forma extrema leva à morte de pessoas. Os crimes contra a Humanidade são a forma mais extrema do mal.
O mais interessante e perturbador é que na experiência de Stanford os participantes eram pessoas normais, «mas em dias tornaram-se sádicos e começaram a gostar do que faziam. Era mais do que simplesmente fazer o seu trabalho. Era crueldade.»
Conclui, portanto, que o mal não tem origem individual, mas sistémica. «Em todos os estudos que temos feito sobre a psicologia do mal, pegámos em pessoas comuns, colocámo-las em situações invulgares – e o facto de conhecer os seus traços de personalidade não permitia prever como é que se iriam comportar. O que nos empurra para o mal ou para o bem são as situações em que nos encontramos».
Há, é certo, cerca de 1%, de psicopatas que não sente nenhum remorso pelas crueldades praticadas, e que sente prazer nisso, mas não é de modo nenhum a origem predominante do mal.
O caso da prisão de Abu Ghaib, no Iraque, em 2004, já aqui referido, onde soldados americanos, gente normal, se dedicou a crueldades revoltantes, deu a Zimbardo, que teve acesso a todo o processo, oportunidade de comparar com os registos que tinha feito quarenta nos anos, em Stanford, e verificar a similitude das situações e dos comportamentos. «A maior parte do mal não é perpetrado por indivíduos, mas pelos sistemas, pelos Governos. Quando as pessoas estão organizadas num sistema, é aí que o mal é pior».
Podemos acrescentar – di-lo a experiência de todos nós – o ambiente social, o meio e as suas condições muitas vezes degradantes e degradadas, o mau exemplo da brutalidade tornada banal e praticada por todos, eis o caldo cultural e social onde a maldade floresce. A banalização do mal é o maior agente da maldade tornada vulgaridade e, depois, naturalidade. Mergulhados em ambientes onde a crueldade ou a brutalidade é o vulgar como não adotar esses comportamentos como normais?
João Boavida
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2 comentários:
Abu Ghaib, no Irão ou no Iraque?
Tem razão, é no Iraque, foi lapso. As minhas desculpas.
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