Texto publicado na Newsletter da Universidade de Coimbra, saída hoje e na sequência de outro sobre a mesma temática.
Em carta enviada a 17 de abril passado, o conselho consultivo da Universidade de Harvard sugeria aos investigadores desta prestigiada instituição que passassem a publicar preferencialmente os resultados da sua pesquisa em revistas disponibilizadas em acesso livre. O comunicado, que entretanto foi divulgado pela comunicação social de todo o mundo, ia mais longe e aconselhava mesmo os académicos desta universidade de topo a abandonarem os conselhos editoriais de periódicos que tivessem regras de acesso muito restritivas.
Esta decisão decorre dos preços exorbitantes que as bibliotecas são forçadas a pagar a editoras comerciais para terem acesso a periódicos altamente reputados e, portanto, essenciais para a produção de ciência. Sendo Harvard uma das instituições universitárias mais ricas do mundo, a deliberação tomada é bem ilustrativa da enorme pressão financeira que está a ser colocada sobre as formas de aceder ao conhecimento científico.
Um outro sintoma do mesmo fenómeno pode encontrar-se no manifesto que se encontra a circular há algumas semanas na internet: “The Cost of Knowledge”. A petição conta já, no momento em que se tecem estas considerações, com quase 11.000 assinaturas de investigadores de todo o mundo e visa expor as condições abusivas que uma das maiores editoras de revistas científicas da atualidade — a holandesa Elsevier — aplica às instituições que pretendem ter acesso a esse acervo, obtendo assim lucros anuais de centenas de milhões de euros.
Embora os proponentes da petição reconheçam o trabalho de divulgação feito por editoras comerciais como a Elsevier e a Springer (para referir apenas dois dos nomes mais sonantes), reagem ainda assim contra os preços excessivamente elevados que elas praticam junto das instituições académicas que pagam para produzir este saber e que têm, depois, de pagar de novo para a ele terem acesso. É por isso significativo que a maior parte dos signatários afirme a sua indignação através de três declarações negativas: “won't publish”, “won't referee”, “won't do editorial work”.
Na verdade, sem o trabalho e a avaliação científica feitos (por norma gratuitamente) por milhares de investigadores de todo o mundo, estas editoras não terão, na verdade, produto para comercializar.
Este movimento tem vindo a ganhar terreno com o forte crescimento dos periódicos disponibilizados em acesso livre, que continuam de resto em franca expansão, sendo mesmo previsível que, dentro de poucos anos, venham a dominar o processo de divulgação da produção científica. Sendo em si mesma uma tendência muito positiva, não se deve, no entanto, incorrer na falácia de pensar que os conteúdos disponíveis em acesso livre têm todos o mesmo peso científico ou que estão isentos de custos.
Com efeito, o que dá valor a um trabalho é o reconhecimento pelos pares, sendo também essa condição básica que confere tanta força à tripla negativa dos signatários do manifesto, antes evocada. Para ser válida, a produção científica precisa de ser validada e, para isso, necessita em absoluto da triagem feita pela comunidade científica que cria, analisa e consome essa mesma produção científica. E mesmo que os investigadores não cobrem dinheiro por esse trabalho, há sempre custos de manutenção e atualização de estruturas técnicas e de recursos humanos que têm de ser sustentados, sob pena de o sistema deixar de ser eficaz e resvalar para a irrelevância científica.
Ainda assim, o que estes movimentos dizem é que, para obter o mesmo efeito, não é preciso investir fundos tão elevados. Para isso, é fundamental que as próprias instituições que produzem o saber não alienem o direito de o divulgar, criando também condições que garantam a sustentabilidade do sistema, através de uma partilha de recursos financeiros e científicos.
Trata-se de um grande desafio e a Universidade de Coimbra não está alheia a este processo, bem pelo contrário. Com efeito, encontra-se em fase de conclusão o lançamento de duas plataformas que visam responder a esta nova exigência do mundo académico: a POMBALINA (para a divulgação de livros) e a IMPACTVM (para a divulgação de revistas). A elas se voltará num futuro bastante próximo.
Delfim Leão
(Diretor da Imprensa da Universidade de Coimbra)
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1 comentário:
É um tomar de posição que vejo com muito bons olhos, pois a ciência para o ser, tem de libertar as mentes da sociedade, não de algumas sociedades. O valor do conhecimento tem de ser superior aos valores monetários, porque se não, estaremos a formar uma geração com uma maior discrepância educacional e cientifica.
A responsabilidade do cientista é ensinar.
Os homens da ciência devem servir de exemplo para a sociedade, que se deve pautar pelos valores do que é decente e digno. A ciência exige a verdade, e é uma assunção que devemos todos partilhar.
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