quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Querem que eu dê aulas!?...

Retrato fiel da tragicomédia do ensino acabado de chegar à minha caixa de correio.

Faço projectos, planos, planificações;
Sou membro de assembleias, conselhos, reuniões;
Escrevo actas, relatórios e relações;
Faço inventários, requerimentos e requisições;
Escrevo actas, faço contactos e comunicações;
Consulto ordens de serviço, circulares, normativos e legislações;
Preencho impressos, grelhas, fichas e observações;
Faço regimentos, regulamentos, projectos, planos, planificações;
Faço cópias de tudo, dossiers, arquivos e encadernações;
Participo em actividades, eventos, festividades e acções;
Faço balanços, balancetes e tiro conclusões;
Apresento, relato, critico e envolvo-me em auto-avaliações;
Defino estratégias, critérios, objectivos e consecuções;
Leio, corrijo, aprovo, releio múltiplas redacções;
Informo-me, investigo, estudo, frequento formações;
Redijo ordens, participações e autorizações;
Lavro actas, escrevo, participo em reuniões;
E mais actas, planos, projectos e avaliações;
E reuniões e reuniões e mais reuniões!...
E depois ouço, alunos, pais, coordenadores, directores, inspectores, observadores, secretários de estado, a ministra e, como se não bastasse, outros professores, e a ministra!...
Elaboro, verifico, analiso, avalio, aprovo;
Assino, rubrico, sumario, sintetizo, informo;
Averiguo, estudo, consulto, concluo,
Coisas curriculares, disciplinares, departamentais,
Educativas, pedagógicas, comportamentais,
De comunidade, de grupo, de turma, individuais,
Particulares, sigilosas, públicas, gerais,
Internas, externas, locais, nacionais,
Anuais, mensais, semanais, diárias e ainda querem mais?
Que eu dê aulas!?...

26 comentários:

Anónimo disse...

Tenho tantas saudades do tempo em que as curiosidades que surgiam nas aulas me levavam a pesquisas que davam origem a aulas interessantes e criativas. Aprender a trabalhar mal foi horrível e ainda custa muito. Os livros que temos são péssimos e a ausência de tempo impede-nos de procurar material fidedigno e a trabalhar a informação a nível pedagógico. É muito esquisito.
HR

José Batista da Ascenção disse...

É, é mais ou menos assim.
E já é assim há muitos anos.
Este mesmo texto já circula há muito tempo (anos?) entre as "caixas de correio" dos professores.
Foi o que os "inovadores" do sistema de ensino produziram.
E continuam. Com o apoio reiterado de presidentes e ex-presidentes da república; primeiros-ministros, ex-primeiros ministros e aspirantes a primeiros-ministros; ministros da educação, ex-ministros da educação e futuros ministros da educação; secretários de estado de um, de outro, ou de outro ainda ministério; psiquiatras (auto)elevados à categoria de patriarcas do sistema de ensino (incluindo a tarefa de escolher o melhor professor do ano...); professores que se sujeitam a que os escolham como melhores professores do ano; "especialistas" da pedagogia; "formadores" de professores; "sociólogos" da educação (ou lá o que seja...); "opinion-makers" (signifique isso o que significar); comentaristas diversos (que acham que eles é que sabem, e que os professores não devem achar nada sobre o que ao ensino diz respeito, pois se eles é que sabem...); pais expeditos (pelo menos a ir à escola dar tareia nos professores).
Ora, eu espero que estas pessoas (muitas das quais podem limpar as mãos à parede) e mais aquelas que por elas são reconhecidas ou avalizadas, acabem a assumir a sua cota de responsabilidade pela monstruosidade que se criou. Ou, no mínimo, que se remetam ao silêncio.
Porque ninguém como os professores conhece os podres do meio em que se movimentam. E ninguém como uma grande parte dos professores queria ver a escola a funcionar decentemente. E se lhes cabem enormes responsabilidades, não é justo que os culpem do pior mal, porque não foram eles que fizeram as leis, nem criaram os "tachos" para os que têm horror a dar aulas e aos alunos.
Tenham lá paciência, que a minha e a de muitos já se esgotou faz tempo...
E olhem, em vez de comendas, bem se podiam arranjar umas estatuetas de sabão, para condecorar os entendidos e intrometidos (porque não abrem eles as suas próprias profissões/ocupações ao escrutínio do vulgo?) nos assuntos da escola.
Como metáfora para enxaguar as nódoas...

Sara Raposo disse...

É um retrato realista, sem dúvida. Costumo dizer que as escolas se tornaram lugares estranhos de onde só apetece fugir. A realização de inúmeras tarefas burocráticas - na maior parte dos casos estéreis e absurdas – é esgotante fisicamente e tira o ânimo, mesmo àqueles que ainda não se renderam ao "reino dos papéis" e ao reinado das "ciências" da educação em vigor nas escolas.

Por estranho que possa parecer, um professor ter tempo para estudar e preparar aulas tornou-se, no ensino secundário onde lecciono, um luxo. Assim o entende o Ministério da "Educação" e muitos dos meus colegas professores que, com entusiasmo, ocupam os seus dias numa série de "tretas" burocráticas e legais e fogem a sete pés do estudo e da actualização científica do conhecimento relativo às disciplinas que leccionam. Pode-se ensinar bem sem ter vontade de aprender mais e melhor?

Não creio.

Pode-se ensinar bem sem que sejam dadas condições, de trabalho e tempo, aos professores para investirem na aprendizagem dos conteúdos científicos das disciplinas que leccionam?

Também não me parece. Por isso, ao fim de mais de vinte anos a ensinar, também eu digo: se pudesse fugia deste lugar estranho em que se transformou a escola, onde ensinar os alunos parece ser o menos importante.

Anónimo disse...

A que estado isto chegou:
ver-me a dar aulas forçado
como professor que sou
devidamente encartado!

JCN

Américo Oliveira disse...

Será verdade que há professores que só dão 8 horas de aulas por semana?! Oito?!

José Batista da Ascenção disse...

Américo:

Há muitos professores que nem sequer dão aulas, por exemplo:
- os directores (porque não hão-de dar aulas a uma turma, como faziam antigamente os reitores? Pelo menos não se esqueciam de como é e do valor que tem ou deve ter a leccionação);
- sub (ou vice?)directores;
- professores completamente ocupados em avaliar outros professores;
- professores que dirigem centros de formação;
- professores a quem distribuiram cargos que, em boa verdade, não se sabe bem para que servem...;
- professores que estão destacados em funções ministeriais diversas, nas escolas, ou em estruturas do ministério da educação;
- professores que são sindicalistas;
Etc..

Já vê que há muitos professores (?) que (há vários anos) não dão aulas.

Grato fiaria eu, a si ou a qualquer pessoa ou entidade que me explicasse:
1º - Qual deveria ser o estatuto (e a entidade remuneradora) dos professores (?) que não dão aulas;
2º - Como é que há tantos professores que nem sequer dão aulas;
3º - Porque é que não deixam dar apenas aulas aos professores que apenas querem dar aulas.

Fernando Martins disse...

Caro anónimo "Américo":

Não, não é verdade. Amargamos 28 horas semanais na Escola, fora as de reuniões, de trabalho e afins. E não conto com a preparação de aulas, de materiais, preparação e realização de visitas de estudo e de babysitting.

E sim, se pudesse, estou como a colega que, como eu tem 20 anos de serviço, nunca tinha vinda para esta gaiola de loucas em que os burocratas do Ministério transformaram as Escolas.

joão boaventura disse...

As fábulas são metáforas da vida real, por isso a elas se recorre como forma de enfatizar os eventos quotidianos que nos atormentam, como a governação musculada permanente e cáustica, como um espartilho ou colete de forças, e propagandeada a tempo inteiro, de forma a adormecer-nos, como uma lavagem ao cérebro.

Atados e vergados ao costumeiro matraquear verbal do Governo, chegámos ao mesmo patamar a que chegou a Rã apática cozida, que constitui a nova fábula dos novos tempos.

Estamos adormecidos e é provável que se associe este adormecimento, em que o Estado meticulosa e calculadamente nos impôs, à nossa tendenciosa perseverança imposta pela alma sebastianista. Ou esperamos por D. Sebastião, ou por Godot.

O nosso destino é a paciência conquistada com a espera, ou do nada ou de qualquer coisa, mesmo que seja pior, que o calejo secular se herdou, se conserva e se cultiva.

Será uma penitência dos periféricos ?

Fartinho da Silva disse...

É mesmo assim! Estive pouco tempo na "escola" pública e aquilo parecia uma repartição pública da União Soviética nos anos 60 ou 70!! Concorri para todos os colégios privados de qualidade, fiz as entrevistas solicitadas e voltei a ser professor!

Eu cheguei a ter vergonha do trabalho profundamente ridículo que me obrigavam a desenvolver na escola e sentia-me profundamente chocado com o facto de me obrigarem a ser improdutivo. Parece mentira, mas quem manda neste quintal (que alguns teimam em chamar país) exige que os professores sejam improdutivos! Esta gente, que em qualquer empresa bem gerida era despedida com justa causa, obriga os professores a produzir papelada inútil e completa e absolutamente absurda, exige aos professores que se entretenham em reuniões para discutir o sexo dos anjos, esquecendo que tempo é dinheiro, esquecendo que enquanto os professores estão entretidos a fazer patetices não estão a fazer aquilo para que os contribuintes lhes pagam: estudar, preparar aulas e leccionar...

Como é que este país não há-deestar muito próximo do default? Se é assim no "ensino" público, também o será, com toda a certeza, em todos os outros sectores de actividade onde os boys e girls mandam...

José Batista da Ascenção disse...

Muito certeiro, como de costume, caro João Boaventura.
Sempre na esperança de a realidade me desmentir, sinto que, além de periféricos, estamos recozidos.
Que se fartem os predadores...

PS: lá atrás ficaram-me frases retorcidas, gralhas e vírgulas "mal comportadas" ou "ausentes". É da vista, do cansaço e da revolta. De que é minha a culpa. Para que conste.

Ana disse...

Ora, nem mais!!!! eu acabei por acolher com agrado o facto de ter sido dispensada durante um mês (não perguntem, por favor... :D): vai ser o mês da burocracia e manuais escolares (ó se é e os manuais faço-os eu...)! Até à próxima vez em que tudo se acumular... "infelizmente" (para a burocracia, e para mim, que só sou paga com a entrega dessa papelada toda) a minha prioridade são as aulas e os alunos, de modo que o trabalho burocrático se vai empilhando na secretária, à espera de tempo livre para o despachar.

Professores? o que é isso? ah! já sei! são aqueles senhores e senhoras que antes tinham tempo para dedicar ao ensino e que agora são obrigados a afogar-se em papéis???

Ana disse...

Adoro ensinar. Adoro comunicar. Adoro estudar e reformular as coisas de forma a transmiti-las a outrém e passar o testemunho. No entanto, acho que se começa a tornar impossível fazer isso e ser-se professor ou formador nos moldes actuais. O formador, esse, coitado, é um joguete de malabarismos em cronogramas mal concebidos, centros atrás de centros, pago a recibos verdes que vão passar a ser obrigatoriamente electronicos e com os quais nenhuma entidade sabe ainda funcionar, não têm direito a subsídio de qq espécie, pagam os deslocamentos para as reuniões obrigatórias não pagas e marcadas para as horas normais de ministração de aulas, passam a vida a correr de centro em centro, percorrendo as auto-estradas (e pagando as portagens) e arriscando a vida nestas constantemente (para prevenir, foram obrigados a fazer um seguro de acidentes de trabalho, no entanto um acidente de carro ocorrido quando corriam esbaforidos para a sessão seguinte, a 40 kms da anterior ou para a reunião a 60 kms da sessão anterior dada, esse acidente, não é considerado acidente de trabalho...), pagam para trabalhar, trabalham de graça, são psicólogos de formandos com problemas comportamentais, de personalidade, pessoais (uma formanda minha suicidou-se aqui há uns meses...), têm de lidar com turmas extremamente heterogéneas, que incluem desde o chico-esperto ignorante de 20 anos até à pessoa educada que quer evoluir e aprender de 60 anos, com incidentes diversos (já tive uma possessão espírita em sala que terminou com uma crise de histerismo e uma quebra de tensão de tal ordem que foi necessário ligar para o 112...~

Enfim, mais a burocracia excessiva. Imagine-se que em alguns locais até um papel a explicar os objectivos e instruções de uso do material bibliográfico (manuais, textos, artigos, fotocópias de slides, etc) que é entregue às turmas, até isso é necessário preencher!...

Manuais? o que é isso? não existem! o formador é obrigado a fazê-los! como se um manual pedagógico de uma disciplina se fizesse numa hora!...

Resultado...aulas? o que é isso??...


Felizmente que a minha insistência em mandar a burocracia às urtigas e investir em verdadeiras sessões tem dado os seus frutos e acaba por me ser pedido que continue nesses moldes e perdoada a falta de entrega da papelada (claro que não me pagam enquanto não a entregar)... vamos ver até quando...

enfim...

:(

Américo Oliveira disse...

Grato pelas informações dadas por todos, mas creio que o essencial ficou por esclarecer. É que até parece que o número de aulas dadas por semana por alguns professores (não são 8? são 15?) seriam aumentadas se as referidas tarefas fossem eliminadas...
Uma nota final: "Amargamos 28 horas semanais na Escola"... Amargamos?! Coisa estranha... Será por achar muito?! Os quadros das empresas privadas trabalham o dobro disso e ganham menos...

Nuno J. Silva (aka NJSG) disse...

O facto de um professor dar 8 horas de aulas por semana não quer dizer que só trabalha 8 horas por semana. Por cada hora dessas, são precisas bem mais horas (por exemplo, umas 4) para preparar a aula.

Contas feitas isso dava umas 8 horas de trabalho diárias.

O problema é que, pelos vistos, quem tem andado a introduzir estas mudanças todas não pensa assim. Se um professor com tanta burocracia conseguir sequer preparar uma aula por semana já está de parabéns.

O triste é que com isto já devem haver professores que se resumem a ler passagens dos manuais escolares ou a fazer ditados, não por não saberem dar aulas, mas por não poderem dar aulas.

José Batista da Ascenção disse...

Américo:

A mim não precisa agradecer. Sabe, nada se pode explicar a quem o não queira entender. Já tentou perguntar a algum desses quadros de empresa que refere se preferia ir trabalhar para uma escola, para dar 15 aulas por semana (professores que tenham só 8 horas de trabalho com alunos, julgo que só se for por motivos especiais, como não haver horas suficientes...), em vez de fazer o que faz? Subjacente ao que afirma parece-me haver outro aspecto curioso: será que por haver quem pense que os professores trabalham pouco, folgam muito e ganham exageradamente, tem que se lhes atribuir uma série de tarefas absurdas, num calvário que surja aos olhos dos que os odeiam como um "justo" castigo?
E o Américo, já pensou em ir dar umas aulitas? Pois se as coisas são assim tão fáceis e compensadoras?...
Só outra pequena nota: mais que obter boas respostas (ou respostas "convenientes") o que é fundamental é colocar as questões certas.
E se acabássemos com o sistema de ensino (pelo menos o actual...), ganhava-se ou perdia-se?
Desculpe o tempo que lhe tomei.
Não lhe sou mais maçador.
Cordialmente.

Ana disse...

Caro Américo, ser professor não é só chegar à sala e despejar o saco. Esse saco precisa de se encher primeiro, sabe? Com estudo, pesquisa, actualização, elaboração de temáticas, estudo da melhor forma de transmitir essas temáticas, desenho de estratégias para transmitir as temáticas, preparação para lidar com mais de vinte pessoas ao mesmo tempo (conhecendo cada uma delas o mais pessoalmente que a impessoalidade permite para melhor lidar com cada um), delinear os materiais e ferramentas didácticos, em alguns casos elaborar os manuais das disciplinas, os dispositivos, os filmes, etc, etc. Resultado: por cada hora de aula dada um professor dispende umas boas 4 horas de preparação. Agora façam-se as contas: 28 horas de aulas semanais x 4 = ?? (e estou a ser optimista). Ah, e não esqueçamos as reuniões, as sessões de formação, a burocracia sem fim. Ups... o dia só tem 24 h, e agora?...

ah poisé...

é muito comum achar-se que "dar aulas é fácil". No meio da formação, então, é a boca que mais se ouve. Tb é a que melhor se resolve: se acha assim tão facil, amanhã terá de dar uma aula sobre o tema xpto, deverá estar actualizado, cientificamente correcto, transmitir convenientemente a mensagem, utilizar materiais didacticos, preencher planos de sessão e afins, entregar um resumo da matéria, elaborar uma ficha de teste de conhecimentos ou de aplicação dos mesmos. Tudo isto numa hora. Garanto-lhe que é remédio santo.

Gostava imenso de trocar com esses quadros que alegadamente trabalham o dobro e ganham menos. Sabe, é que eu nem o salário minimo ganho sequer, e como estou a recibos verdes, pode imaginar o que me sobra no final do mes... quer trocar?... eu gostava.

Anónimo disse...

You are feeding the troll!

Ana disse...

Anónimo, deixa lá, pelo caminho desabafa-se um pouco entre pares :) :D

Fernando Martins disse...

Caro "Américo":

Alguns professores, com idades próximas dos 60 anos, têm 14 horas lectivas semanais. As restantes até às 28 horas passam-nas em apoios, aulas de substituição, clubes, biblioteca, apoio à Direcção, etc., etc., etc.

E sim, o termo é mesmo amargamos - antigamente ia para Escola, onde tenho 22 horas lectivas e seis de outras porcarias, com gosto. Hoje vou porque assim tem de ser.

PS - sou geólogo - se soubesse o que sei hoje nunca teria optado pela docência - e ainda ganhava mais financeiramente, como muitos colegas de curso com conhecimentos e classificação de curso inferior à minha...

Américo Oliveira disse...

Caro "Fernando Martins"
Quando apenas se fala entre "pares", dizer o que disse acima parece assim uma coisa de arrancar um aplauso a qualquer plateia.
Mas quando começar a falar para fora vai ver que não. Muitos como eu, próximos dos 60 anos, iniciamos o trabalho às 8:30 e terminamos às 19:30, com uma hora para almoço. Dez horas, portanto. Faça as contas...
E depois faz-me muita impressão ouvir chamar porcarias às outras actividades, como sejam - deduz-se - apoios, aulas de substituição, clubes, biblioteca, apoio à direcção etc, etc, etc... Sabe, Fernando Martins e com todo o respeito, se os professores não querem mais aulas lectivas e recusam outras actividades é fácil de perceber que antes dos 60 anos gostariam de trabalhar menos de três horas por dia. Admira-se agora que as pessoas pensem que os professores não trabalham muito?

Fartinho da Silva disse...

Caro Américo,

"Muitos como eu, próximos dos 60 anos, iniciamos o trabalho às 8:30 e terminamos às 19:30, com uma hora para almoço. Dez horas, portanto. Faça as contas..."

Deduzo daqui que o Américo não trabalha depois das 19:30 horas. Estará correcto?

"se os professores não querem mais aulas lectivas e recusam outras actividades é fácil de perceber que antes dos 60 anos gostariam de trabalhar menos de três horas por dia."

Como sabem que não querem mais aulas lectivas? Já perguntou aos professores?

A sua definição de trabalho é deveras curiosa e ultrapassada no tempo. Para si, trabalhar deve significar passar um certo tempo num certo local. Essa forma de trabalhar deu frutos nos anos 70, o problema é que estamos em 2010! Os professores, tal como muitos engenheiros informáticos, advogados, formadores, etc. trabalham em vários locais ao longo do dia e da semana. Sendo que um dos principais locais é a sua própria casa. Não sei se sabe, mas uma boa parte das grandes empresas, como a PT por exemplo, até oferece recompensas pecuniárias a quem aderir a este forma de trabalhar...

Quando estive na "escola" pública que a sua geração inventou e que continua a defender apesar dos resultados serem os conhecidos, ouvi os professores mais velhos afirmarem com todas as letras que queriam voltar a ser professores. Vi nas manifestações de professores essa expressão em cartazes. Ouvi esses professores afirmar que quando concorreram para a profissão julgaram que iriam estudar, preparar aulas e leccionar. Mas parece que a sua geração resolveu alterar tudo. A grande maioria dos professores que mencionei trocavam de bom grado as horas da patetice por aulas!

Portanto, caro Américo ouça quem está no terreno e não confunda trabalho com o local onde se exerce o trabalho...

Outra coisa, tenha cuidado como trata as gerações mais jovens. São elas que vão pagar a sua pensão e serão elas a definir o valor da mesma.

Américo Oliveira disse...

Caro Fartinho da Silva,
Respondendo às questões que legitimamente coloca:
1 - "Deduzo daqui que o Américo não trabalha depois das 19:30 horas. Estará correcto?" Não está correcto. O horário indicado corresponde a um dia de trabalho sem compromissos adicionais; várias vezes por semana posso sair às 07:00 e regressar depois das 21:00 (sem ajudas de custo ou pagamento de horas extra); mais, é-me exigida a disponibilidade total, o que faço com gosto.
2 - "Como sabem que não querem mais aulas lectivas? Já perguntou aos professores?" De facto não perguntei, mas será preciso? Será que a diminuição da carga horária foi imposta contra a manifesta vontade dos trabalhadores e respectivos delegados sindicais?! Ora pense lá...
3 - "Não sei se sabe, mas uma boa parte das grandes empresas, como a PT por exemplo, até oferece recompensas pecuniárias a quem aderir a este forma de trabalhar..." Caro Fartinho da Silva, esta agora fez-me sorrir. É que eu sou um quadro superior de uma empresa do tipo da PT... Aquilo que não vivencia mas que lhe contaram, conheço eu há décadas...
4 - "Outra coisa, tenha cuidado como trata as gerações mais jovens. São elas que vão pagar a sua pensão e serão elas a definir o valor da mesma." Comentário despropositado e sem fundamento.
Cordialmente.

Fartinho da Silva disse...

Caro Américo,


1."Não está correcto. O horário indicado corresponde a um dia de trabalho sem compromissos adicionais; várias vezes por semana posso sair às 07:00 e regressar depois das 21:00 (sem ajudas de custo ou pagamento de horas extra); mais, é-me exigida a disponibilidade total, o que faço com gosto."

A sua disponibilidade extra é paga e sabe isso muito bem. Na profissão docente não!

2. "De facto não perguntei, mas será preciso? Será que a diminuição da carga horária foi imposta contra a manifesta vontade dos trabalhadores e respectivos delegados sindicais?! Ora pense lá..."

Se eu acabei de lhe explicar...

3. Caro Fartinho da Silva, esta agora fez-me sorrir. É que eu sou um quadro superior de uma empresa do tipo da PT... Aquilo que não vivencia mas que lhe contaram, conheço eu há décadas..."

Como sabe que é algo que me contaram e que não vivi ou que não vivo? Por ser professor não significa que não continue a colaborar com uma empresa! Nunca deixei de trabalhar numa empresa. É por isso que respondo sempre a pessoas como o Caro Américo que tentam comparar profissões completamente distintas. Sabe, a minha geração tem que ter mais de um emprego...

"Comentário despropositado e sem fundamento.
Cordialmente."

Não é despropositado, porque eu faço parte da geração que está a pagar os erros da sua. Se reparar quem construiu a tal "escola" pública de hoje, foi a sua geração e a consequência é que a minha tem que pagar propinas nos poucos colégios de qualidade existentes no país para oferecer um futuro melhor aos seus filhos. A sua geração não necessitou de fazer isto. Pois não? A escola no seu tempo era uma escola a sério e que preparava as crianças os jovens...

Portanto, reafirmo o que disse. Cuidado com a forma como trata a minha geração, porque seremos nós a decidir o valor da sua reforma e talvez perceba isso muito mais depressa do que julga.

lmb disse...

Voltando ao texto inicial, sabem de quem é a culpa?
Dos que se queixam, dos que não gostam mas fazem.
Também há os que gostam.
Parece que passou despercebido o facto de termos chegado ao ridículo de a ministra ter chamado à atenção dos professores para não complicarem! Incrível mas é verdade.
Repare-se, neste momento existem escolas onde o processo de avaliação dos profs. se consubstancia em 2,3 ou quatro folhitas A4, noutras, como é o caso do colégio, digo escola secundária Rainha Dona Amélia, segundo me disseram, não fica por menos de 30, sim TRINTA!!!!!!!. E quem decidiu isso? Não, não foi a ministra, foram os professores!!!!!!!
Caros colegas professores atrofiados, com medo e muito atarefados, CRESÇAM, deixem de agir como crianças amedrontadas com o bicho papão. Sejam capazes de dizer que não estão de acordo e justifiquem! Se legalmente não conseguirem evitar de cumprir os disparates que as vossas chefias vos impõem boicotem de forma legal. Sim caríssimos colegas oprimidos, é possível com um pouquinho de criatividade e conhecimento das leis. Isso é mais que possível mas se, por acaso, não dispuserem dessa quantidade mínima de criatividade e tb de conhecimento das leis, o melhor é mudarem de profissão! Temos pena!

Américo Oliveira disse...

Expresso on-line
Terça feira, 11 de Janeiro de 2011

"Melhor educação só com melhores professores
Três ideias para o debate na Educação.

Um estudo recente concluiu que o desempenho dos alunos depende maioritariamente (70%) do trabalho desenvolvido nas escolas . A confirmarem-se os resultados, o que parece uma evidência é, sobretudo, uma excelente notícia: acabou o mito do fatalismo socioeconómico, no qual o sucesso escolar dos alunos dependia sobretudo da escolaridade dos seus pais e do índice socioeconómico da sua família.

Acontece que esta boa notícia faz aumentar, por seu lado, a responsabilidade das nossas escolas e, por associação, das políticas públicas educativas, tendo três implicações directas.

1. A primeira é que, perante a conclusão de que o trabalho desenvolvido nas escolas é determinante para o desempenho dos alunos, não há como defender que as escolas públicas estatais são todas iguais. Como tal, deixa de ser possível argumentar (racionalmente) contra a liberdade de escolha da escola pelos pais dos alunos. Fará sentido que ainda hoje não seja possível a um pai escolher, entre escolas públicas, aquela que pretende que o seu filho frequente?

2. A segunda, e talvez a mais urgente, é que precisamos de melhores professores. Tal como afirma Hanushek , "a qualidade dos professores é o elemento mais importante nas escolas para a obtenção de bons resultados pelos alunos". Temos, por isso, que pensar como investir mais nos nossos professores, tanto na sua formação como na recompensa do seu mérito profissional. Não por acaso, vários países que lideram os rankings internacionais na área começaram a investir na formação dos professores (ver a Suécia , por exemplo), alguns até estabelecendo regras no acesso à carreira (na Finlândia, só os melhores 10% dos cursos superiores é que podem ser professores, o que tornou o acesso à carreira docente mais difícil do que o acesso à carreira na medicina).

3. A última é que as escolas devem passar a ser responsabilizáveis pelos desempenhos dos seus alunos, pois têm um peso determinante neles. Não faz sentido concluir que 70% do desempenho de um aluno é explicado pelo trabalho desenvolvido numa escola e, por outro lado, não avaliar as escolas em função do trabalho que desenvolvem e do impacto desse no desempenho do aluno. É um processo difícil, que obriga à criação de uma base de dados longitudinais (e com as características socioeconómicas dos alunos), mas também cada vez mais necessário.

Assim, este estudo obriga a que se concentre o debate no que importa, i.e. nas melhorias que se podem trazer para o seio das escolas, desde a sua gestão (maior vs menor autonomia) à avaliação das escolas e dos professores (deve o desempenho dos alunos ser um dos factores da avaliação das escolas e dos professores?), passando pelo curriculum escolar (maior vs menor liberdade para os professores) ou, tão simplesmente, pela liberdade de escolha dos pais (se o peso da escola no desempenho do aluno é tão elevado, não será justo que os pais escolham a escola dos seus filhos?).

Até quando vai o debate na Educação ficar refém de mitos?

Alexandre Homem Cristo"

Anónimo disse...

POR QUE NÃO VÃO AO PSIQUIATRA. É BOM E ESTÁ NA MODA! QUANTO AO RESTO, O TRABALHO É ISSO MESMO - TRABALHO, QUER SEJA COMO PROFESSOR QUER SEJA A DESEMPENHAR OUTRA TAREFA (tarea em espanhol)!

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...