sábado, 22 de janeiro de 2011

“As (boas) armadilhas pedagógicas”

Nesta época do ano lectivo os professores do ensino superior fazem e corrigem exames e trabalhos académicos, deparando-se muitos deles com resultados mais desanimadores do que animadores, o que se reflecte em (difíceis) decisões de classificação. Em virtude disso, não podem deixar de se interrogar sobre a sua acção pedagógico-didáctica e de como a podem optimizar de maneira que esses mesmos resultados melhorem.

Se esta reflexão terá acontecido desde sempre, ainda que de modo implícito, com a reorganização de Bolonha, torna-se um imperativo que deve ser inequivocamente explícitado. Assim, delineiam-se novas estratégias de ensino e de aprendizagem, levam-se à prática, tentam monitorizar-se os resultados, fazem-se balanços... Um exemplo é-nos dado pelo professor Steiger Garção, da Universidade Nova de Lisboa:
S.G.: Para nós, os alunos não são maus nem pouco espertos, mas possuem maus hábitos de trabalho provenientes do secundário. Por isso estamos a ensaiar métodos de acompanhamento contínuo e a «armadilhar» os alunos de forma não só a obrigá-los a trabalhar mais, como também os professores (…) Para o próximo ano lectivo, vamos colocar os alunos em turmas que façam avaliação contínua e introduzir aulas teórico-práticas nalgumas turmas (…). Os alunos são «armadilhados» nas aulas práticas com qualquer coisa parecida às antigas chamadas do secundário, isto é, com trabalho de um nível de complexidade extremamente elevado e que são realizados sem contemplações: ou o aluno faz ou chumba. Estou completamente convencido de que é assim que os professores «ganham» pedagogicamente os alunos, ao conseguir convencê-los de que a universidade não é um sítio para facilidades e que têm de admitir um ritmo de trabalho elevado e complexo. Isto é muito exigente não só para os alunos mas também para os docentes.
EXP.: E como é que os alunos têm reagido a este método de ensino?
S.G.: Surpreendentemente, a adesão é total. Os alunos sabem que vêm sem ritmo e que uma universidade com um espírito de facilitismo faz com que eles falhem. Tem que se exigir resultados. Quando o aluno se dispõe a trabalhar recupera: Quando os alunos vêm para a universidade são tratados como números. Nós alterámos isso, porque os tratamos como pessoas inteligentes.
EXP.: Qual o balanço que faz da experiência que levou a cabo?
S.G.: Muito positivo. Os alunos que eram fracos de repente revelaram-se, porque conseguimos introduzir um pouco de disciplina e ritmo de trabalho. Mas não há saída sem total empenho do corpo docente. No nosso departamento muitos professores trabalham com os alunos até às oito da noite. Os alunos respeitam-nos porque os põem a trabalhar a sério. Em suma, temos que criar um método que os faça trabalhar de maneira contínua. E quando fazem isso, triunfam. Acredito piamente que quando os alunos estão bem enquadrados, motivados e decididos, se revelam de uma forma que os pais ficariam orgulhosos se pudessem ter a noção até que pontos os seus filhos podem ir.”
Referência completa:
- Garção, S. (2000). Alunos trabalham pouco. Expresso. Emprego, 26 de Agosto, página 10.

9 comentários:

António Daniel disse...

Será que os professores do Ensino Superior, nomeadamente ligados às ciências da Educação, «deixavam» os professores do Secundário (porquê o secundário?)desenvolver os mesmos mecanismos? Quando um professor do Secundário se depara com números de sucesso e insucesso e com a necessidade de estabelecer metas, cada vez mais próximas do sucesso absoluto, possui instrumentos adequados para imprimir métodos de trabalho condizentes com a necessidade de uma melhoria cognitiva do aluno? Tudo não passa de uma questão de poder. Uns podem outros não. Apesar da responsabilidade ser sempre individual, existem entidades supra-individuais que definem a liberdade de cada um. Não sei se me fiz entender.

António Daniel disse...

Além disso, se um professor do ensino secundário utilizasse a palavra «armadilhado» seria, pelo menos, imolado no fogo do politicamente correcto.

Anónimo disse...

A sociedade está esgotada.

José Batista da Ascenção disse...

..."os alunos não são maus nem pouco espertos, mas possuem maus hábitos de trabalho provenientes do secundário"...

Poder-se-ia acrescentar: "no ensino secundário os alunos não são todos maus nem pouco espertos, mas possuem maus hábitos de trabalho provenientes dos níveis de escolaridade anteriores; e também trazem maus hábitos de disciplina provavelmente originados no ambiente familiar e social, quiçá desde o berço..."

Agora, se os professores do ensino secundário pudessem acompanhar mais tempo os alunos, em vez de serem obrigados a desempenhar tarefas absurdas e inúteis, provavelmente muitos faziam muito melhor.
Há muitos professores que estão, como sempre estiveram, disponíveis para uma acção desse tipo.
Mas quem dá importância a isso?
Eu, por exemplo, trocaria de bom grado, todas as horas de ocupação extra-aulas na escola, por ajuda directa a alunos. Repare-se nisto: se os alunos pagam explicações particularmente, normalmente "dadas" por professores, porque razão não pode isso ser feito nas horas de trabalho dos professores, chamando-lhes o que são - explicações - e evitando nomes ridículos como: apoio pedagógico acrescido, estudo acompanhado, tutorias, etc. Tudo acompanhado de planos patéticos, traduzidos em siglas diversas, a que ninguém dentro das escolas dá crédito.
Não é triste?

José Batista da Ascenção disse...

Ó pobre de mim. Já nem as vírgulas me respeitam a vontade... E, como se não chegasse, lá está um "porque" em vez de um "por que"...
Vale a pena pedir desculpas?

Anónimo disse...

Tal como refere António Daniel, os professores do ensino secundário que têm um grau de exigência e desenvolvem métodos de trabalho similares aos descritos, têm o ganho dos alunos (sobretudo os mais inteligentes, mais motivados...)e têm a oposição dos pais e dos seus pares, em especial se os professores não forem das disciplinas ditas nobres, a saber as que são submetidas a exame nacional e as que permitem o acesso aos cursos com maior estatuto social.
Quanto ao nome dos apoios que se dão aos alunos, isso não interessa, desde que se dê apoio e desde que se consiga estimular os alunos.

Anónimo disse...

A referência é de 2010? A ser verdade parece que pouco progredimos. Muito pelo contrário. Estamos pior e em todos os níveis de ensino. Vivvó socialismo!!

Helena Damião disse...

Caro Anónimo das 19h19
A referência é de 2000. Uma década passou e foi nela que a reorganização curricular de Bolonha se afirmou. As intenções de ensino patentes no texto continuam a fazer sentido, a sua concretização e os resultados que dela decorrem é que poderão estar desactualizados

José Batista da Ascenção disse...

Volto a esta caixa de comentários para referir um artigo saído hoje no jornal "Público" (pág. 33), da autoria de uma professora do ensino secundário, de nome Maria Nazaré Oliveira, ante-titulado "Este ME está completamente perdido no meio dos atropelos que causou. Demonstra falta de conhecimento da realidade", a que se segue o título: "Ainda há escolas e professores".
Este texto é o melhor que li desde há muitos meses no que respeita à realidade que se vive hoje nas escolas.

Todos os que se interessam de um modo ou de outro pelos assuntos da educação deviam lê-lo. Começando por ministros e ex-ministros, secretários de estado e ex-secretários de estado...

Espero não ter colidido com quaisquer cânones da participação no "De Rerum", ao fazer um comentário assim. De resto, não conheço a (minha) Colega Maria Nazaré Oliveira, não sei em que escola trabalha nem de que disciplina é. Tendo embora a certeza (absoluta) de que trabalha (efectivamente) em alguma escola. Espero igualmente que ninguém chame "achismo" ao que Maria Nazaré Oliveira escreveu.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...