domingo, 23 de janeiro de 2011

Ainda há escolas e professores

Seguindo a sugestão de um leitor, aqui reproduzimos, com a devida vénia, o texto da professora do ensino secundário Maria Nazaré Oliveira, divulgado no jornal Público de hoje e encontrado aqui. A pertinência dos problemas que levanta justificam uma ponderação muito atenta por parte da sociedade, em geral.

"Este ME está completamente perdido no meio dos atropelos que causou. Demonstra falta de conhecimento da realidade. Ainda há escolas e professores que se preocupam em dignificar a palavra democracia e que fazem a diferença pela sua postura cívica interventiva.

Escolas que, com toda a legitimidade, numa desejável colaboração institucional, não só criticam directrizes do Ministério da Educação (ME) como apontam caminhos que tragam urgentemente a harmonia e a motivação a uma classe docente cada vez mais violentada na essência do seu trabalho, com decretos, despachos e orientações absurdas sobre a avaliação do seu desempenho e a pretensa procura do mérito e competência. Mas o ME não as leva a sério e as respostas são sempre desfavoráveis, claramente evidenciadoras de um diálogo que nunca se pretendeu verdadeiramente e redundou em unilateralidade e imposições.

Num torpor e estranho aceitacionismo, há escolas e direcções que executam apressadamente tudo o que lhes chega, como é o caso das últimas regulamentações sobre a avaliação dos professores, multiplicando-se em dezenas e dezenas de reuniões infindáveis nas quais pouco tem importado o que os professores pensam e dizem. Assustadoramente, invadem-nos com centenas de e-mails e páginas escritas para reflexão orientada superiormente; no entanto, quanto divisionismo e discussões estéreis provocam, quanto desânimo e frustração.

Apesar de legitimadas pelo voto dos seus pares e conhecedoras deste ambiente que tem vindo a degradar-se nas escolas, as direcções quase nunca ou nunca convocam os professores para, legitimamente, em sede de reunião geral ou conselho pedagógico, tomarem uma posição de escola. Deveriam denunciar publicamente que o ME continua a não dar resposta aos pedidos das escolas sobre a dificuldade de operacionalização da avaliação docente e dos prejuízos que isso está já a provocar, inevitavelmente, no trabalho com os alunos. Tal como a atitude da maioria dos deputados, cujo servilismo partidário e ascensão social se sobrepõe aos interesses do país real, e até do Presidente da República. Aliás, dois dos candidatos às próximas eleições, que acabaram por pactuar com o Governo, cada um à sua maneira, aquando da votação do Estatuto da Carreira Docente, aparecem-nos agora como arautos do Estado Social e Justiça Social! E quantos deputados visitam as escolas do seu círculo eleitoral para verificarem seriamente como é hoje o trabalho dos professores e as condições em que o fazem?

Aprendamos com a experiência de 2008/2009 – avaliação de pares por pares –, que não resultou nem resultará se pretendemos qualidade e isenção, excepto para os “habilidosos”, cuja capacidade de encenação lhes permitiu, como sempre, aproveitarem-se do sistema.

Ainda agora, o ME só privilegia a “formação com créditos”, mesmo que essa formação, pedagógica e cientificamente administrada, seja comprovadamente de pouco nível. No entanto, rejeita completamente formação acrescida, universitária, que o professor escolheu, pagou e consta do seu curriculum, mas da qual não tem “créditos”.

Este ME está completamente perdido no meio dos atropelos que causou. Demonstra falta de conhecimento da realidade, falta de liderança e honestidade.

É cada vez mais exigente e desgastante uma carreira no ensino que não se compadece da falta de rigor e da complexidade perversa de experiências legislativas. Nem pode continuar a ser um tubo de ensaio onde se doseia e mistura mérito com competência… a qualquer preço. Estão a destruir a paz nas escolas. Instalou-se o medo, a chantagem e a ameaça da estagnação na carreira, sobretudo para os contratados, caso não se cumpra o que sempre pretenderam e que sub-repticiamente acabaram por impor. Instalou-se o conflito de interesses interpares, gerador de confusão, parcialidade, grande desgaste psicológico e até físico, com avaliados e avaliadores a concorrerem às mesmas quotas (percentagem de “Muito Bons” e “Excelentes”) por escola, e até elementos da comissão de avaliação e relatores a concorrem para o mesmo objectivo! Que nome dar a isto? Que legitimidade existe quando coordenadores são obrigados a assistir a aulas de relatores e o director às dos coordenadores, não avaliando, obviamente, a qualidade científica do trabalho? Quando assistimos a uma aula, não podemos nem devemos separar a dimensão pedagógica da científica, logo, fica desde logo viciada a linha de partida e desacreditado um processo que deveria ser sério e transparente para ser correctamente aplicado. Um processo que tornasse a progressão na carreira justa e motivadora, da qual os alunos, a escola e o país, naturalmente, sairiam a ganhar.

Não pode haver, outra vez, “acordos de princípios” que vão contra as legítimas aspirações dos milhares de professores que se manifestaram publicamente. “Quando não se aceita a prova da realidade, entra-se no reino da irracionalidade”. Foi e é o que continua a acontecer e os resultados estão à vista de todos.

Já não se aguenta tanta arrogância e pretensiosismo de um Governo que se arvora em defensor do mérito e da competência, mas cuja acção continua a envergonhar a democracia e o ideário da Primeira República que diz ter comemorado."

1 comentário:

Anónimo disse...

Um texto simplesmente notável. Esta é a realidade das escolas portuguesas. Discordo apenas do facto de se apontarem os directores como aqueles que poderiam fazer frente a tanta irracionalidade, nomeadamente quanto à avaliação de desempenho. Alguns de facto são zelotas, tanto mais que é a sua própria avaliação de desempenho está em causa. Mas outros contestam o sistema por outras vias, as possíveis num quadro de uma hierarquia que estrutura a Administração Pública.
Concordaria com uma recusa por parte dos directores e dos professores em realizar esta avaliação de desempenho que nem esse nome merece. Isso tem um nome: chama-se desobediência civil. No actual contexto não consigo vislumbrar de que forma um tal acção poderia ser implementada. Não existem líderes nem força anímica para esse objectivo tão ambicioso.

PJ

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