sexta-feira, 21 de maio de 2010

A matemática básica não é “superficial”

Liping Ma era professora na China quando começou a interessar-se pelo modo como o ensino se deve organizar para que a aprendizagem seja bem sucedida. Querendo saber mais acerca do assunto, foi para os Estados Unidos da América, tendo ali percebido uma coisa extraordinária: o desempenho dos alunos chineses era superior ao dos americanos, apesar de a sua formação ser mais reduzida.

O que estudou permitiu-lhe conjecturar que os professores das duas nacionalidades se distinguiriam no conhecimento e na compreensão dos conteúdos matemáticos, na atitude face à Matemática, e no ensino em sala de aula. Para testar esta conjectura, resolveu explorar as suas práticas, recorrendo, para tanto, a entrevistas, nas quais solicitava aos professores que explicasse como ensinavam quatro operações elementares: subtracção, multiplicação, divisão por fracções e relação entre área e perímetro.

Observou Ma que os professores chineses tinham, em geral, um profundo entendimento da Matemática e da sua estrutura conceptual, bem como a preocupação de explorar com os alunos a fundamentação lógica dos algoritmos e de controlar a sua aquisição. Observou, em contrapartida, que muitos professores americanos, além de não assinalarem e corrigirem certos erros dos alunos, facultando a sua persistência e consolidação, cometiam, eles próprios, erros. Estas diferenças revelaram-se mais evidentes em relação às duas últimas operações referidas.

A atitude dos docentes não se afigurou menos interessante: enquanto os chineses tendiam a demonstrar pensamento matemático e linguagem de especialista e a agir como tal, os americanos tendiam a adoptar uma postura leiga, nem sempre conseguindo explicar as regras com que lidavam. Enquanto estes recorriam a uma abordagem predominantemente procedimental, que, em alguns pontos, se mostrou fragmentada; aqueles conciliavam tal abordagem com a conceptual, e faziam-no com sofisticação e coerência.

Estas e outras observações levaram a investigadora a formular algumas sugestões para melhorar a aprendizagem da matemática. Uma delas é o aperfeiçoamento do ensino nos aspectos antes explicados, o que requer programas de formação inicial e contínua, que proporcionem aos professores o domínio seguro dos conteúdos a leccionar e da pedagogia e didáctica requerida para tanto.

Papel complementar, deverão assumir as instâncias superiores de decisão, estabelecendo orientações curriculares inteligíveis e operacionais, e as escolas, proporcionando ambientes onde seja viável um trabalho de exploração pormenorizada dessas orientações e das que constam nos manuais escolares (que terão, naturalmente, de ser de grande qualidade).

A investigação de Ma e as recomendações a que conduziu são tanto mais relevantes caso se reconheça, como ela faz questão de notar, que a Matemática básica não é “superficial” nem “comummente compreendida”.

Assim sendo, a qualificação dos professores, que se traduzirá na sua competência, constitui um factor crucial nas aprendizagens escolares. Não é por acaso que o livro que publicou, onde explica a sua investigação" tem por título Saber e ensinar matemática elementar.

11 comentários:

Ana disse...

Concordo. E sei por experiência própria, que tive um péssimo professor de matemática no 7o ano e isso me baralhou o raciocínio, já de si muito pouco matemático (não sou nada lógica quando se trata de números). A matemática que aprendi nessa e noutras alturas com maus professores, foi-me ensinada em casa pela minha mãe... que lia o manual e tentava traduzir-mo o melhor que sabia. Não fosse ela, e estaria irremediavelmente perdida para a matemática.
É verdade que o sentimento geral é que, pelo menos da forma como é ensinada, "não serve para nada". Mas a verdade é que, no mundo de hoje, é imprescindivel e utilizamo-la até nas tarefas mais simples.
Não se pode, contudo, "culpar" apenas os professores...que afinal aprenderam com os seus semelhantes...com curriculos elaborados por burocratas...e tentam ensinar quem não quer ser ensinado. E só de si, isto já é uma visão simplista do que é um problema bem complexo.
Penso eu.

Fartinho da Silva disse...

Liping Ma, esqueceu-se de quatro detalhes que fazem toda a diferença:
1º na China, a profissão docente é vista como interessante, nos EUA é vista como um refúgio para quem não consegue encontrar um emprego melhor remunerado;
2º na China, os alunos querem aprender, nos EUA não é bem assim;
3º na China, ainda há disciplina, nos EUA é aquilo que sabemos;
4º na China, o "eduquês" e demais derivados ainda não fez nada de relevante, nos EUA destruiu o sistema de ensino de forma absoluta; sendo certo que actualmente se está a fazer um enorme esforço para reparar os danos.

Portanto, é óbvio que os EUA não terão professores tão competentes e dedicados como a China, pela simples razão que nos EUA existem muito mais profissões muito mais interessantes e que concorrem directamente com a docência. Este ponto é transversal a quase todos os países desenvolvidos, sendo, aliás, assunto de grande debate nos países com uma cultura mais pragmática. Há depois o problema relacionado com o interesse dos alunos, nos países desenvolvidos existem imensas actividades muito mais interessantes para consumo imediato que em países como a China e estas actividades concorrem directamente com a escola, porque a ideologia dominante da motivação e coisa e tal assim o permitiu.

Portanto, estas comparações tornam-se muito difíceis.

Temos, aliás, um caso muito semelhante entre nós, os "cientistas" e "especialistas" da educação, oriundos na sua esmagadora maioria da área das humanidades, debitam ideologia atrás de ideologia, positivismo, atrás de positivismo, esquecendo que para que tal sistema pudesse funcionar teríamos que ter em cada sala de aula deste país professores com o perfil dos CEOs, marketeers ou gestores operacionais a receber uma fracção do seu salário. Eu tenho-lhes perdoado um pouco, porque nunca trabalharam numa empresa privada e como tal não percebem que o perfil que defendem para professor dos ensino básico e secundário é o perfil que todas as grandes empresas perseguem para CEO, para directores operacionais e para marketeers e não percebem as enormes diferenças salariais e outras destes cargos para o de professor deste grau de ensino.

Temos que ser pragmáticos e perceber de uma vez por todas que NUNCA teremos professores com este perfil nas nossas salas de aula, porque não podemos pagar 10 mil ou 20 mil euros por mês a cada professor! Assumamos isto e criemos um sistema de ensino organizado com os recursos que podemos ter e nunca nos recursos que gostaríamos de obter, pela simples razão que tal não é possível. Como dizia um amigo meu, eu gostava muito de ter uma casa com 10000 metros quadrados e vinte e dois carros, mas não tenho dinheiro para isso.

Paulo Soares disse...

Uma pequena contribuição: o livro referido já foi traduzido para português e encontra-se disponível no mercado. Os interessados podem encontrá-lo na loja online da Sociedade Portuguesa de Matemática, por exemplo.

Paula Lago disse...

Helena, o mesmo pode dizer-se - de um a outro dos parâmetros - do ensino da Língua. Gostaria que começasse a surgir a mesma perspectiva - a deste post como a do anterior - relativamente ao ensino do Português...

Ana disse...

Fartinho da Silva, não concordo qd diz que nunca teremos professores com esse perfil :) ainda há excelentes profissionais na área, a maior parte idealista, e que ensina por gosto de fazer a diferença na vida e nos conhecimentos de alguém. E que fazem o que podem com os recursos que têm, inclusive pagar eles mesmos alguns desses recursos...

platero disse...

sempre péssimo aluno a Matemática. Mas resolvi divertir-me algumas horas criando um método, que julgo no, de fazer contas de somar e de multiplicar.
Uma vantagem - que me parece de considerar: não há mais o " e vão 7, ou vão 9... causadores de embaraços"

9 8 6 + 5 0 4

=

9 8 6
5 0 4
-------------
14 08 10

-primeiro algarismo da direita (0) faz sempre parte do resultado
- daí para a esquerda soma os algarismos dois a dois
:
(1+8); (0+4); sobra sempre o último da esquerda
(1)
ou seja
=
1 9 4 0

aparece a única situação que me deu algum trabalho:
quando a soma é inferior a 10, no caso 8, é apresentado como 0 8 e não só 8

outro exemplo:

7 3 9 + 5 8 9 + 7 0 9
=

7 3 9
5 8 9
7 0 9
------------

é indiferente começar a somar da direita para a esquerda ou ao contrário-
comecemos da esquerda para a direita
:
19 11 27
agora já sabemos: ùltimo algarismo da direita (7) faz parte do resultado; o resto somamos dois a dois, da direita para a esquerda
:
(2+1); (1+9); (1+9= 0, e vai 1, que soma ao 1 final)

portanto = 2 0 3 7

NUNCA "vai" mais do que 1, porque a soma de dois algarismos é sempre inferior a 20

é tremendamente simples, Se houver alguma dúvida, terei prazer em explicar de imediato.

ou, se houver alguém interessado, explicarei "algoritmo" de contas de Multiplicar.

Não é nenhuma revolução. Mas julgo curioso e original- Não será?

:

Fartinho da Silva disse...

Cara Vani,

Não me interessam as excepções e interessa-me ainda menos quem vê uma profissão como uma missão! Esse tempo já lá vai. Quando um profissional afirma que vê a sua profissão como uma missão, não percebe que está afirmar que é um amador. Hoje, não há espaço para amadorismo.

maria disse...

pois , por isso é que era importantíssimo ter logo no básico profs a ensinar matemática que gostem e saibam mesmo de matemática. sem saber o alfabeto da mat de trás para a frente , essas tais de operações básicas , tirar parênteses , sinais , fracções e tal , será impossível conseguir escrever bem...

Anónimo disse...

Caro Fartinho da Silva,

Concordo, em absoluto, com o que deixou escrito nos posts. Como "inovadores" do sistema de ensino, os EUA estão na origem de sucessivas metodologias que se estão a comprovar ineficazes e ineficientes.

João Moreira

Anónimo disse...

Óh Sr. Fartinho da Silva mas que grande comentário que o sr. aí tem.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

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