Já havia o "Economista Disfarçado". Agora saiu o livro "O Matemático Disfarçado", de Edward B. Burger e Michael Starbir (Academia do Livro), sem ligação com o primeiro a não ser na semelhança do título. Publicamos o prefácio de Nuno Crato a esse livro:
"O livro que o leitor tem entre mãos vai conduzi-lo através de uma aventura maravilhosa. Vai levá-lo a vários tópicos matemáticos — alguns modernos, outros antigos, mas todos eles profundos. E vai seduzi-lo página a página com a simplicidade de exposição, com o humor e com o inesperado de muitas conclusões. Esta aparente contradição — matérias profundas, exposição simples — é resolvida pelos autores com grande mestria, a mestria que é apanágio dos bons divulgadores. O conhecimento profundo da matéria transforma-se num texto simples, de narrativa inspirada.
Ao leitor cabe fazer o caminho inverso se a isso estiver motivado: transformar estes aperitivos da cultura matemática num conhecimento mais sólido. As pistas estão aí, o caminho está entreaberto. Muitos estudantes assim farão. Os meios modernos de procura na Internet, as bibliotecas e, sobretudo, os professores, estão prontos para os ajudar. Mas a outros leitores pode bastar o que vão ler. Ficam enriquecido culturalmente, ficam a perceber um pouco melhor a importância da matemática no mundo moderno — que mais se pode querer de um livro?
Outros leitores ainda, os que ensinam matemática aos jovens do Ensino Básico ou Secundário, retirarão deste livro muitos exemplos e ideias para inspirar os seus estudantes. Quanto mais vivo for o ensino mais fácil será proceder à transmissão de conhecimentos, desde que o essencial não seja esquecido e desde que não se reduza a aprendizagem a uma colecção de exemplos desconexos. O ensino, sobretudo o da matemática, não é divulgação. Esta é episódica e aquele sistemático. Cabe ao professor integrar os exemplos e os desvios de rota na progressão coerente das matérias. O que se espera dos divulgadores é que forneçam bons exemplos. Para isso, pode-se confiar nos autores deste livro. São matemáticos profissionais, que conhecem profundamente a matéria de que falam, que medem cada palavra da sua exposição para não induzir o leitor em erro e que são capazes de conceber os melhores exemplos para explicar os conceitos aparentemente mais arcanos.
O livro começa da melhor maneira: com as coincidências. Explica que é muito provável encontrar, num grupo de algumas dezenas de pessoas, duas que façam anos no mesmo dia — é o célebre problema do aniversário — e dá vários exemplos matemáticos relacionados. Mas faz mais do que isso: através do cálculo das probabilidades mostra como coincidências enigmáticas e cuidadosamente recolhidas podem induzir mentes menos críticas a acreditar em milagres, na capacidade de prever o futuro ou em conspirações. Toda a primeira parte do livro é dedicada a problemas do acaso e da incerteza, problemas que muitas vezes são esquecidos nas obras de divulgação da matemática. Fala-se do caos e mostra-se como este conceito matemático pode ser enganador se indevidamente apropriado — e tem sido indevidamente apropriado — por muita especulação de inspiração filosófica pós-moderna. É bom saber-se do que se fala quando se usam metáforas provenientes da ciência.
Na segunda parte do livro, os autores discutem alguns problemas de números. Falam da criptografia moderna, explicando como as transacções monetárias e a transmissão de mensagens podem ser absolutamente seguras — a protecção dos números de cartões de crédito e de outra informação pessoal sensível não pode ser feita com base em receios ignorantes, convém ao cidadão informado perceber as bases da criptografia à sua disposição. Os autores dão depois exemplos de somas infinitas e constroem um dos melhores casos do livro: o de um baralho de cartas que se prolonga indefinidamente, para fora de uma mesa, sem cair.
Na terceira parte, os autores falam do número de ouro, de fractais, de nós e de anéis. Oferecem-nos de novo alguns exemplos magníficos — desta vez com papel dobrado e origamis. Revisitam exemplos clássicos da topologia, mas com figuras diferentes. de tal forma que mesmo matemáticos profissionais podem divertir-se a seguir a narrativa. Mas onde todos nos divertimos é a seguir exemplos contra-intuitivos. Uma das maravilhas da matemática é a capacidade de nos surpreender e de mostrar como a intuição nos engana. Em todas as áreas isso acontece, mas em probabilidades e topologia talvez as surpresas sejam mais susceptíveis de serem explicadas com um mínimo de recursos. Os autores usam sabiamente essa possibilidade. Depois das coincidências aparentemente inexplicáveis, é saboroso ver um anel a mudar de buraco ou alguém com os pés atados a virar as calças ao contrário.
Mostrar como as aparências nos enganam é uma das grandes virtudes educativas da matemática. O nosso conhecimento começa, muitas vezes, com a intuição. O grande matemático George Pólya insistiu sabiamente no uso de conjecturas no ensino. O que por vezes se esquece é que a intuição e as conjecturas dela resultantes tanto podem ter sucesso como ser enganadoras. Os jovens devem-se defrontar tanto com uns casos como com outros, e perceber que a intuição deve passar pelo crivo do raciocínio rigoroso. Nada mais instrutivo do que a surpresa do erro.
Finalmente, os autores abordam a quarta dimensão e o infinito — tópicos maravilhosos e muitas vezes descuidados dada a sua dificuldade técnica. Explicam como Dali pintou Cristo crucificado num hiper-cubo e como os perigos de ser picado por um mosquito crescem à medida que o universo tem mais dimensões. Mostram como é possível quantificar o infinito e como, sendo todos infinitos, há infinitos mais infinitos que outros. Ao chegar ao fim do livro o leitor não se sentirá defraudado. Ter-se-á divertido. Terá ganho umas boas horas da sua vida a lê-lo."
Nuno Crato
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
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4 comentários:
Parece ser excelente. Em Portugal estão actualmente publicados muitos bons livros de divulgação científica. Mas será que os professores de ciências os lêem? Será que os estudantes os lêem? Seria interessante saber quem são os leitores desses livros.
Por exemplo: seria interessante comparar o número de exemplares vendidos do "Matemático disfarçado" com o número de professores de matemática que existem em Portugal.
Se os professores de Matemática lerem estes livros estarão a perder tempo e verão os que não lêem serem promovidos. É que os critérios para promoção necessitam de outro género de actividades que não ler livros científicos.
Os livros de divulgação científica, dado o seu objectivo, carecem do rigor que a ciência exige. Por exemplo, em divulgação de física é frequente escrever-se sobre o princípio da correspondência e o princípio da incerteza quando são duas ideias deveras abstractas e complexas dum ponto de vista de rigor.
Contudo, como explanado no texto, trazem óptimos pontos de partida para quem desejar aprofundar tais conhecimentos - usufruindo das mais-valias advenientes das novas tecnologias.
São ideais para o ensino secundário. Aí não existe rigor absolutamente nenhum.
Se for como descrito no texto, penso que deve valer a pena lê-lo.
Lamentavelmente encontro vários erros que possivelmente são resultado de uma tradução literal (não técnica) a que faltou a devida revisão. Simples confusões entre biliões e milhares de milhões e exemplos confusamente apresentados. O capítulo 4 parece-me desastroso mas não acredito que o original seja assim. Tentei enviae e-mail para a editora mas foi resusado
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