terça-feira, 24 de novembro de 2009
Estudar as datas na escola ajuda a compreender a identidade do país
O sociólogo, escritor e jornalista Francesco Alberoni (na foto) publicou a 2 de Novembro no Corriere della Sera uma crítica ao ensino italiano, cuja versão portuguesa saiu no dia 10 de Novembro no jornal "I". Vale a pena republicá-lo aqui:
"Nos últimos 40 anos, os pedagogos quase destruíram as bases do pensamento racional e os fundamentos da nossa civilização. E fizeram-no com a ajuda de uma única decisão: eliminando as datas, acabando com a obrigatoriedade de apresentar os factos por ordem cronológica. Agora é normal ouvir dizer que Manzoni viveu no século XVI. Não há razões para espanto porque na escola já não se ensinam os acontecimentos pela respectiva ordem temporal, dizendo, por exemplo, que Alexandre Magno viveu antes de César, que, por sua vez, viveu antes de Carlos Magno, e só depois vem Dante e, em seguida, Cristóvão Colombo.
Esta pedagogia foi importada dos Estados Unidos, um país sem história que tenta anular as raízes históricas dos seus habitantes para que se tornem cidadãos norte-americanos. Aplicá-la a Itália, produto de uma estratificação histórica com três mil anos, e ao resto da Europa, que tem raízes culturais gregas, romano e judaico-cristãs, é equivalente a destruir-lhes a identidade. Ao contrário de nós, as civilizações islâmica e chinesa estudam obstinadamente a sua história, para se conhecerem melhor e se reforçarem.
Perder a capacidade de ordenar cronologicamente os acontecimentos significa igualmente perder a identidade pessoal. Quando perguntamos a alguém "Quem és?", essa pessoa conta-nos o que fez e o que faz nesse momento. Quando procuramos trabalho, apresentamos o nosso currículo. Quando nos apaixonamos, contamos a nossa vida à pessoa que amamos. Hoje vemos muita gente que já não sabe ordenar aquilo que viveu e vê o passado apenas como uma sucessão caótica de acontecimentos.
A desordem no pensamento reflecte-se na língua. A escola já não ensina gramática, análise cronológica ou consecutio temporum. Há quem não distinga o passado próximo do passado remoto, quem não perceba a lógica do conjuntivo e do condicional e alguns confundem até o presente com o futuro. É a desagregação mental, a demência.
Cara ministra Gelmini, peço-lhe que me dê ouvidos e afaste todos os pedagogos desta corrente nefasta. E depois, por favor, obrigue todos os professores a fazerem um curso de História com datas e um curso de Gramática. Finalmente, mande instalar em todas as salas de aula um grande cartaz horizontal onde estão assinalados, por ordem cronológica, todos os episódios significativos da história, para que os nossos jovens possam habituar-se à sucessão temporal. Uma muleta para o cérebro."
Francesco Alberoni
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8 comentários:
Todas as datas de antigamente talvez não (nem as linhas de caminho de ferro!), mas mais datas e nomes que actualmente. Não ensinar aos meninos o nome dos reis todos é obviamente errado.
E talvez mais importante: a tabuada! Como é possível que o Alberoni não tenha mencionado também a tabuada?
Tudo o que seja exercitar a memória é proibido para a grande maioria dos "cientistas" e "especialistas" da educação porque... promove o autoritarismo (da classe opressora - professores, sobre a classe oprimida - alunos) e a exclusão social (dos alunos oriundos das classes sociais menos favorecidas)!!
O problema é que são estes "pedagogos" que efectivamente dirigem os destinos dos desgraçados dos alunos que querem aprender e cujos pais não podem escolher uma verdadeira escola para os seus filhos, onde os professores possam ensinar, os alunos estudar e os pais educar!
E assim vamos andando até... um dia!
Este tema est+a sempre actual porque, como diz Foucault, "a história não segue uma linha uniforme de sequências, é toda feita aos saltos."
Para Marx o raciocínio era outro, haveria alguma sequência perseguindo a causa e o efeito, mas, em vez do estudo cronológico ascendente a validade maior incideria no cronológico descendente porque, na sua lógica seria mais visível o progresso não nos acrescentos de novos inventos e novas ideias, mas na sua eliminação, se começarmos, por exemplo, pelo ano 2000 e acabarmos no ano 1000.
Outro aspecto curioso sobre as datações, Alberoni tem razão, e recordo, a propósito, o que li numa revista francesa de educação, já há alguns anos.
Numa cidade, também não fixei, com castelo, os alunos duma escola primária, para a concretização da história, fizeram uma visita de estudo tendo a professora explicado o que tinha ocorrido naquele castelo durante um assalto de país inimigo, de como foi possível escorraçar as tropas adversas, donde a explicação da necessidade da construção do castelo, como elemento de defesa e dissuasivo.
No final foi perguntado aos alunos quais as impressões sobre a visita de estudo. A resposta mais impressiva e geral era a de que qualquer dia essas tropas inimigas voltariam e o castelo com as suas muralhas continuava a ser útil.
Para quem não estudou gramática ou pelo menos não cultiva o rigor e a beleza da escrita: não é impressiva. Em inglês é impressive (não termina em a) e em português é preferível a forma impressionante.
Um tema muito bem introduzido neste blog. Tanto há e haverá a comunicar para se aprender a apreciar a Vida e a História.
Desde a precisão das datas exactas ao entendimento do significado histórico do 'tempo longo', desde o rigor de cada palavra ao primor da construção e da emoção do 'livro', quanta e inesgotável matéria para 'ensinar'.
MJE
Ao anónimo das 22:16
Impressivo - 1. que (se) imprime, grava, fixa; 2. que causa impressão (nos sentidos, no espírito)
In Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, ed, Círculo de Leitores, Lisboa, 2003
Impressivo - (do latim impressum, supino de imprimere, imprimir + suf. ivo)- 1. Que deixa gravado, fixado; que imprime. 2. Que influencia, que marca, moralmente.
In Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, ed. Verbo, Lisboa, 2001.
Impressivo - Que impressiona; que imprime.
In Dicionário Complementar da Língua Portuguesa, der Augusto Moreno, ed. Educação Nacional, Porto,1948
Bem, não me parece que o sociólogo Alberoni tenha uma exacta noção da sucessão dos momentos cruciais do pensamento pedagógico e da epistemologia da História nas últimas décadas, talvez por andar ainda a meio do Império Romano na sua saga de fixar datas. Quer-me parecer que, quando concluir essa tarefa, passará a decorar enciclopédias.
Este é o tipo de intervenção que se começa a encravar como uma cunha no espaço exíguo que resta entre o jornalismo trivial e a divulgação social da cultura e da ciência.
Com ou sem datas, a História é uma narrativa que tenta ordenar uma sucessão, ou sobreposição caótica de «acontecimentos».
É óbvio também que não foram os pedagogos quem erradicou a predominante relevância das datas da História. Foi o pensamento epistemológico e a «praxis» da disciplina, histórica, que formularam a ideia de que havia mais para lá dos acontecimentos e da sua sucessão. A Sociologia, bem como a Antropologia Cultural dariam a estas transformações um sólido contributo doutrinal.
Porque escolas terá andado Alberoni? Será que adormeceu há sessenta anos e acordou agora?
E, porventura acordou em Roma com toda a gente à volta a falar inglês. Então pensou: aí vêm os americanos tomar conta da nossa escola.
Por amor de Deus! O estruturalismo é bem europeu... As mais profundas correntes pedagógicas da segunda metade do Século XX também, algumas americanas, mas mais do Sul.
Pelos jornais vai-se dizendo cada uma... O que vale é que já poucos os lêem. Agora vê-se mais televisão.
Gostaria de perguntar ao Sr João Boaventura se me pode dizer em que obra/artigo do Foucault se encontra a citação que refere, já que gostava de ler mais. Obrigado, Hugo
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