quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Células estaminais há muitas, ó palerma!

Por entre alguma falta de consenso entre médicos e investigadores, o governo anunciou na anterior legislatura que iria avançar ainda este ano com um banco público para preservar as células do sangue do cordão umbilical. Ao que sei ainda não o fez, mas a assumir-se como verdadeiramente útil a preservação das células do sangue do cordão umbilical, sou totalmente favorável a que seja um banco público a fazê-lo, numa lógica de acesso a cuidados de saúde gratuitos e universais. E, por um banco público, estou também a entender acesso público.

A questão das células estaminais do sangue do cordão umbilical está associada a uma percepção social equívoca, havendo uma confusão acerca do seu potencial de diferenciação e usos em medicina regenerativa.

A única célula totipotente, ou seja que se pode diferenciar em todas as células do corpo, é o embrião unicelular. O óvulo fecundado. Depois, há as células pluripotentes, que se podem diferenciar em várias linhas celulares. Na senda de potencial decrescente seguem-se as células multipotentes, que apenas se podem diferenciar em todas as células de uma determinada família. É o caso das células hematopoéticas, que se obtêm a partir do sangue do cordão umbilical e que se podem diferenciar em todas as células do sangue (já não é mau!)

Para que não restem dúvidas, o potencial de diferenciação decrescente é o seguinte:

Totipotentes --> Pluripotentes --> Multipotentes* --> Unipotentes.

O asterisco assinala onde se encaixam as do sangue do cordão umbilical, que podem originar todos os tipos de células sanguíneas. São células estaminais adultas, produzidas pela medula e podem também ser colhidas ao longo da vida.

As células estaminais de que na maioria das vezes se fala quando falamos em medicina regenerativa são células estaminais embrionárias. Que se podem colher até cerca de quatro ou cinco dias após a fecundação. Pense quantos dias passaram desde a fecundação até ao corte do cordão umbilical. Existe no entanto uma confusão na percepção do que é uma coisa (células estaminais embrionárias) e outra (células estaminais do sangue do cordão umbilical).

Pode haver sentido em preservar as do cordão umbilical, mas não é uma questão evidente. A demonstração da potencial utilidade entra por detalhes estatísticos e exercícios de futurismo médico. Muito poucas pessoas terão condições para tomar uma decisão relativamente informada, face à complexidade do assunto, e na prática tomam-na pesando a culpa contra a carteira de um modo mais emocional que racional.

Creio que a questão sobre o sentido de congelar ou não as células do sangue do cordão umbilical deve ser posta do seguinte modo: "é este o melhor emprego dos recursos necessários para o fazer?" É evidente que poderá ter alguma utilidade. Mas o dinheiro e recursos envolvidos seriam melhor empregues noutras despesas de saúde? Também é evidente que uma minoria privilegiada terá sempre acesso a uma medicina preventiva extravagante. Poderá por exemplo mandar sequenciar o seu ADN por 300.000 dólares. Ninguém duvida que sequenciar o próprio ADN por 300.000 dólares é um uso irracional de recursos. E se fosse por 1000 dólares? Numa perspectiva de sociedade, esse dinheiro e recursos não seriam também melhor usados de outro modo?

4 comentários:

Manel disse...

Excelente artigo. Obrigado por o ter escito.

Anónimo disse...

Eu diria que o banco público já existe: é o LUSOCORD. Pelo menos no que diz respeito à criopreservação. Fui pai recentemente e as células do sangue do cordão umbilical foram preservadas através desse banco, com sede no Centro de Histocompatibilidade do Norte (Porto).

Tiago H. Silva

Anónimo disse...

Muito obrigada por escrito este artigo de forma tão clara e esclarecedora.

Anónimo disse...

Muito obrigada pelo esclarecimento. Realmente não é bem isto que as empresas de criopreservação apregoam!

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