Do recente livro de Medina Carreira e Eduardo Dâmaso, "Portugal, que futuro?" (Objectiva) escolhemos esta passagem sobre educação, onde o primeiro, advogado e ex-ministro das Finanças, expõe as suas ideias (pp. 156-158):
"Neste âmbito [o das novas tecnologias], é claro que falamos de um instrumento fundamental para a inovação.
Mas isto não significa, só por si, que a utilização do "Magalhães", nas circunstâncias em que tem sido divulgada, sirva quaisquer objectivos sérios de valorização dessas crianças que ainda não sabem ler, escrever e contar, com um mínimo de segurança e de entendimento.
O uso de computadores, para ser útil, pressupõe uma razoável capacidade de percepção que assente no domínio dos instrumentos fundamentais e prévios que estruturam o pensamento: a língua e os raciocínios quantitativos.
Isto não se passa com a esmagadora maioria das crianças envolvidas no "Magalhães".
Sou da opinião de que precisamos, antes de generalizar uma aprendizagem sólida, de dez anos, por exemplo, em que todos os que o queiram possam adquirir conhecimentos básicos para a formação de uma boa capacidade para pensar e para expor, com clareza e com rigor, tais como o conhecimento de língua (português e inglês, no mínimo), de matemática, de história, de geografia, de ciências e de outras matérias similares.
Esta parece-me que seria, pela idade mais avançada e pela posse de bases para a reflexão, a fase de introdução de computadores nas escolas.
Depois disso, deveria haver uma possibilidade de opção: ou pelo ensino técnico, com mais três ou quatro anos de aprendizagens dirigidas para o exercício qualificado de uma profissão; ou pela conclusão de estudos secundários necessários para o acesso ao ensino superior.
Se se pensar que, sem bases mínimas, o simples navegar na "net", ou processar texto, ou usar folha de cálculo, ou utilizar o "power point" são suficientes para o "salto" de que precisamos, estaremos muito equivocados e a perder muitos anos, que seriam essenciais à recuperação do nosso atraso.
Aquelas são importantes ferramentas, mas apenas isso.
Se der uma chave inglesa a alguém que não sabe mecânica, poderá apertar e desapertar porcas. Não irá mais longe do que isso.
Os portugueses estão a ser enganados com a "venda" a pataco das novas ferramentas tecnológicas: enquanto pensarem que é dispensável um conhecimento prévio de matérias que fundamentam e estruturam o pensamento, serão apenas vítimas de uma "burla" política.
Daqui a uns anos, quando perguntarem pelos responsáveis deste desatinado ensino, talvez os encontrem a gerir (?) monopólios ou oligopólios, ou em Bruxelas, empregados na "máquina" europeia.
Aqui terá ficado o rasto da sua incompetência.
Têm sido lamentáveis as acções de sucessivos governos, no domínio do ensino, porque estão a produzir gerações de jovens que, em muitos casos, serão uns frustados e uns revoltados: na hora da chegada à vida real, tomarão consciência da fraude sem remédio de que agora estão a ser vítimas".
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7 comentários:
Não conhecia o livro. Vou comprar, ambos são pessoas credíveis e Medina Carreira "põe o dedo na ferida" como ninguém!
Estou totalmente de acordo.
Que interesse tem, por exemplo, a Folha de Cálculo, se desconhecem a grande maioria das funções e possibilidades da mesma?
Outro ponto do texto: mais duas opiniões que se manifestam contra a unificação do sistema de ensino, que extinguiu as escolas industriais e comerciais/liceus.
joão moreira
Julgo que será exagerado dizer que os alunos do 1º ciclo vão utilizar folhas de cálculo e que é para isso que lhes foi dada a oportunidade de terem o tão falado Magalhães ...
Quanto à existência de cursos semelhantes aos das antigas escolas industriais/comerciais/liceus e defender que sejam criados há algo mais a dizer. Actualmente, existem já, em muitas escolas, os Cursos de Educação e Formação e os Cursos Profissionais, que mais não são que esses antigos cursos. O que é preciso é atribuir-lhes a qualidade que lhes falta e torná-los mais práticos. De facto, os Profissionais são ainda demasiado exigentes no que se refere aos Programas de disciplinas como Português, Matemática ou Ciências Físico-Químicas.
Comentadora Teresa,
Agradeço ter respondido ao comentário que coloquei. No entanto, discordo, em absoluto, da sua opinião (excepto, parcialmente, da última linha). como não possuo agora disponibilidade, responder-lhe-ei noutra altura.
João Moreira
O que é incrível é que o autor tenha a leviandade de dizer "sou da opinião" como se o uso de computadores nas escolas - MUITO ANTES DOS 10 ANOS - DESDE OS 3, mesmo - não viesse a ser estudado e muito estudado nos últimos 40 anos.
Por ex. como resumo ligeiro:
http://www.nwrel.org/request/june01/child.html
Como já foi muito bem dito por outros:
“research on young children and technology indicates that we no longer need to
ask whether the use of technology is ‘developmentally appropriate’ (…). Unfortunately, not
everyone reads the research!” (Clements & Sarama, 2002).
Clements, Douglas, H. & Sarama, Julie (2002). The Role of Technology in Early Childhood Learning.
Teaching Children Mathematics, 8, 340-343.
Teresa,
Os Cursos EFA e Profissionais são diferentes.
Estes são financiados e os outros não o eram. Além disso, hoje existem Escolas Profissionais concorrenciais com as Escolas Públicas, com outros apoios e outros meios, o que leva à agonia a Escola Pública. Para além disso, os apoios (alimentares, financeiros, etc.) são outros. Este processo teve a ver com a uniformização do Ensino, que conduziu aoum nivelamento por baixo e a uma diminuição da exigência do mesmo. Estes Cursos terão de ter duas vertentes: uma de condução para o prosseguimento de estudos e outra, para a vida activa. Esta, com uma forte componente prática, contacto empresarial, formação cultural e com programas adequados e aligeirados de disciplinas. É tempo de distinguir e valorizar quem tem mais vocação para trabalho intelectual e que a tem para trabalho manual. Ambos, são trabalhadores qualificados (com o mesmo grau concluído).
João Moreira
O último parágrafo resume de forma clara e sucinta todo o impacto que estes moldes da educação têm na sociedade.
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