sábado, 16 de maio de 2009

A LUA ENTRE A CIÊNCIA E A LITERATURA


Minha crónica na última "Gazeta de Física" (na imagem a primeira subida tripulada a bordo de um balão, protagonizada em 1783 por Pilâtre de Rozier e pelo Marquês de Deslambres):

O que têm em comum Johannes Kepler e Edgar Allan Poe? Pois ambos são motivos de centenários neste ano de 2009: passam 400 anos da publicação da Astronomia Nova, o livro que contém as duas primeiras leis do astrónomo alemão, e passam 200 anos do nascimento do poeta e contista norte-americano. Mas os paralelos não se esgotam aí: Kepler foi o autor da primeira obra de ficção científica, Somnium (Sonho), publicado postumamente em 1634, na qual descreve uma viagem da Terra à Lua, ao passo que Poe retomou o mesmo tema no conto A aventura sem paralelo de um tal Hans Pfaall, saído em 1835, que narra uma subida à Lua a bordo de um balão.

Entre as duas efemérides, há precisamente 300 anos, situa-se uma outra: a da primeira ascensão em balão de ar quente, ainda que num protótipo não tripulado. A demonstração feita pelo padre luso-brasileiro Bartolomeu de Gusmão no paço de el-rei D. João V a 8 de Agosto de 1709 é um dos muito raros eventos em que o engenho luso aparece na história da tecnologia. Se Poe relata no século XIX uma arrojada subida em balão foi porque muitos aventureiros tinham antes efectuado demonstrações tripuladas. A primeira ascensão humana em balão, que se deve aos irmãos franceses Montgolfier, só foi efectuada 74 anos após o ensaio de Gusmão e há até quem especule sobre a possibilidade de ter havido transferência tecnológica através de Alexandre de Gusmão, irmão do inventor da Passarola, que andou por Paris. A bordo iam Pilâtre de Rosier, o professor de Física e Química que se haveria de tornar a primeira vítima mortal de um desastre aéreo quando anos depois tentava atravessar o canal da Mancha, e o Marquês de Deslambre.

Também em Portugal se realizaram em finais do século XVIII e inícios do século XIX algumas admiráveis proezas de balonismo. O destemido balonista italiano Vincenzo Lunardi, que tinha sido o primeiro a subir aos céus na Inglaterra (levando a bordo um gato, um cão, uma pomba e uma garrafa de vinho!) fez uma exibição no Terreiro do Paço, em Lisboa, que levou o poeta Manuel Maria Bocage a escrever o Elogio poético à admirável intrepidez, com que em domingo 24 de Agosto de 1794 subiu o capitão Lunardi no balão aerostático. Bastam dois versos para se ver o estilo gradiloquente: Guardai da glória no imortal tesouro / O nome de Lunardi em letras de ouro. Lunardi, agradado pela cidade, acabou por se fixar em Lisboa e falecer aí.

Em 1819 era a vez do professor de física belga (e lanternista mágico) Étienne-Gaspard Robertson e do seu filho Eugène efectuarem novos espectáculos de subida em balão em Lisboa, que incluiu o primeiro salto de pára-quedas feito em solo português. O pai já tinha realizado vários voos, um dos quais em Copenhaga que muito impressionou o então jovem físico Hans Christian Oersted a ponto de o levar a escrever poemas sobre o voo. Mas, desta vez, o poeta de serviço era um rival de Bocage, José Daniel Rodrigues da Costa, o Josino Leiriense da Arcádia Lusitana, que escreveu no mesmo ano do espectáculo O balão aos habitantes da Lua: uma epopeia portuguesa. Tenho em mãos uma reedição ilustrada, de apenas cem exemplares, datada de 2006 (do prelo da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com introdução de Maria Luísa Malato Borralho; em 1978, já tinha saído nas Edições 70 uma edição com prefácio do poeta Alberto Pimenta). E leio uma engraçada sátira social, com a forma roubada a Os Lusíadas. O argumento é científico: Matemáticos pontos combinando,/ Tendo por base a grande Astronomia,/ Um Génio, que não tem nada de brando, / Projecta ir ver o Sol, fonte do dia: / Em pejado Balão vai farejando,/ Subindo mais e mais como devia;/ Divisa a Lua, mete-se por ela, / Pasma de imensas cousas que viu nela. Mas, partindo da ciência, a literatura voa livre. A Lua, nesta utopia portuguesa, está povoada pelos Lulanos, nome parecido com Lusitanos. Mas, como numa utopia à la More tudo deve ir ao contrário, eis que nessa Lua habitada, ao contrário de Portugal, a justiça funciona: Aqui não há ladrões! Se um aparece. / É logo e sem demora castigado; /Tenha empenhos ou não, ele padece,/ Sofrendo o que na Lei lhe é destinado.

Há que fazer justiça a Bocage e a Rodrigues da Costa, por cruzarem a ciência, ou melhor, a tecnologia, com a arte. Se eles não têm a notoriedade de Kepler e de Poe deviam ter, pelo menos, uma maior notoriedade no vasto espaço de língua portuguesa.

5 comentários:

Anónimo disse...

Tito Lucrécio Caro nunca reclamou qualquer inspiração divina, era um louco e suicidou-se.

Jesus Cristo afirmou ser Filho de Deus, era um sábio, morreu e ressuscitou dos mortos.

Anónimo disse...

SEM QUERER E SEM CRER DAWKINS CORROBORA O DEUS DA BÍBLIA!


O argumento de Richard Dawkins acerca da "complexidade" de Deus (e consequente improbabilidade), desenvolvido no seu livro The God Delusion, é absurdo.

No entanto, ele tem o mérito de reconhecer a sintonia do Universo para a vida, bem como esta se basear em quantidades inabarcáveis de informação, ambas as coisas de probabilidade ínfima.

De acordo com o argumento de Richard Dawkins, se o Universo e a vida são altamente improváveis, por serem complexos, Deus só pode ser ainda mais improvável, por ser ainda mais complexo.

Daí que a existência de Deus seja muito improvável.

Qual é o ponto fraco deste argumento?

É muito simples.

Ele supõe que Deus, à semelhança do que sucede com o Universo e a vida, é o resultado de combinações improváveis de matéria e energia pré-existente.

Mas o Deus da Bíblia revela-se como o Criador da matéria e da energia!

Ele não é o resultado de uma combinação improvável de uma e outra!

A energia e a matéria (que é energia) é que devem a sua existência a Deus, já que a energia não se pode criar nem destruir a ela própria.

Assim, diferentemente do que se passa com o Universo e a Vida, Deus não é constituído por um conjunto de "peças" externas e independentes, de combinação altamente improvável.

Ele não é composto por matéria e energia pré-existentes, como sucede com a vida.

De resto, a própria vida não é só matéria e energia, mas também informação codificada, uma grandeza imaterial que não tem uma origem material, mas sim imaterial, mental.

A matéria e a energia não criam informação.

Só uma inteligência cria informação.

O DNA tem uma componente imaterial (informação codificada, código ou cifra) e material (compostos químicos).

Ele é inteiramente consistente com a ideia de que um Deus sobrenatural criou a vida num mundo material.

Mas a vida não é só matéria e energia.

Ela também é informação.

E a informação não surge por processos naturalísticos.

Pelo menos, tal nunca foi observado.

Deus não tem as propriedades da natureza. Deus é sobrenatural.

Ele é Espírito. A Bíblia afirma-o expressamente.

Pelo que não faz qualquer sentido tentar averiguar estatisticamente a complexidade de Deus, como se ele fosse o resultado de uma combinação acidental de peças componentes (hipótese sobre a qual Dawkins chega mesmo a fantasiar).

Tentar comparar a probabilidade da existência de Deus com a probabilidade do Universo e da Vida é comparar grandezas qualitativamente incomensuráveis entre si, sendo que Deus é espiritual, eterno, infinito, omnipotente e omnisciente.

Em toda a sua aparente racionalidade, o argumento de Richard Dawkins manifesta toda a sua estultícia.

Considerando que este pretendia ser o argumento irrespondível e decisivo do livro The God Delusion, imediatamente vemos que se trata de um exercício de profunda ingenuidade intelectual, destituído de qualquer plausibilidade.

Na verdade, o argumento de Richard Dawkins apenas refuta a existência de um “deus” composto de matéria e energia pré-existentes, combinados numa entidade divina constituída por múltiplas peças.

Mas a Bíblia nunca diz que Deus tem essas características.

Ela nega um Deus com essas características!!

Nesse ponto, os criacionistas concordam inteiramente com Richard Dawkins.

Só que o argumento de Dawkins está longe de refutar a existência de um Deus vivo, espiritual, infinito, eterno, omnisciente e omnipotente, pessoal, moral, criador de toda a matéria e energia, como o que se revela na Bíblia.

Pelo contrário.

Todo o livro de Richard Dawkins, na medida em que reconhece a sintonia do Universo para a vida, e a sua radical improbabilidade, acaba, inadvertidamente, por tornar ainda mais claro que só a existência de um Deus com essas características é que é racionalmente plausível.

Dawkins imagina uma ideia de Deus e refuta a sua própria ideia.

Dawkins vence apenas uma entidade imaginária.

Tanto trabalho para nada!

A "desilusão de Deus" baseia-se na "ilusão de Dawkins".


Sem querer e sem crêr, Richard Dawkins acaba por sugerir que só o Deus espiritual e eterno que se revela na Bíblia é plausível.

Tania Alegria disse...

Um excelente blog, para revisitar. Congratulações à equipe.

Desde Lisboa, uma saudação cordial e um abraço amigo.

Tania Alegria

Anónimo disse...

Contornando a "questão divina" gostaria de dizer acerca dos poetas, Bocage e a Rodrigues da Costa, assim querendo armar ao psicólogo e sem os desmerecer, que eles no seu prosar irónico, revelam ou projetam a nossa cultura tipicamente "cozinhada" pela tambem muito nossa religião católica. Isto é, a sua reação não é a curiosidade científica mas o desdém pela ciência e isso, como toda a gente sabe, é tambem típico do nosso atraso em todas as áreas da cultura e do saber como seja a herança genética da nossa pátria. Obrigado

Anónimo disse...

Excelente exposição. Não sei se terei elevação intelectual bastante para sequer poder comentar e mesmo compreender esta verdadeira lição de Teologia e de certo modo de anti-teologia. Concordo que Deus é incompreensível mas pelo contrário acho a Bíblia e os ditos milagres da mesma, incluíndo os de Jesus, como uma coisa muito humana e compreensível. Quanto à vida e a tudo o que tem existência, incluíndo a matéria, a energia, o espaço-tempo e a informação, pois, a sua grandeza é tal que por certo não serão obra humana. Obrigado.

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