quarta-feira, 9 de abril de 2008
TUDO O QUE NÃO SABIA QUE QUERIA SABER
Aqui há alguns anos comecei a ver nos balcões de livrarias estrangeiras livros dos chamados “conhecimentos inúteis”, isto é, colecções de curiosidades avulsas, muito variadas, dispostos mais ou menos ao acaso, como num almanaque. Os livros estavam perto da caixa e compravam-se por impulso, porque um neurónio nos dizia “olha, que livrinho tão engraçado”. Depois, em casa, folheávamos esses despretenciosos livros da frente para trás ou de trás para a frente, uma vez que a ordem das curiosiodades era arbitrária. Abria-se uma página qualquer e ficávamos logo a saber qualquer coisa que não sabíamos. E que, afinal, queríamos saber, embora não soubéssemos que queríamos saber.
O dístico “Tudo o que não sabia que queria saber” está na capa de um dos primeiros livros desse tipo que apareceu entre nós: “Inciclopédia”, sendo o seu autor (ou melhor, compilador) o jornalista e escritor inglês radicado na Austrália Gideon Haigh. O título remete para a negação de uma enciclopédia e, de facto, não se trata de uma enciclopédia, embora contenha tal como esta saberes sortidos (na Internet encontra-se uma outra "Inciclopedia", que macaqueia a Wikipedia). O livro já saiu entre nós m 2006, mas só agora, quando já há outros do mesmo tipo, tive o impulso de o comprar, uma vez que reparei que vinha não apenas traduzido para português mas adaptado para a realidade portuguesa. E está bem traduzido e adaptado: o mérito é do jornalista do “Sol” Vladimiro Nunes (autor de notáveis entrevistas feitas pelo “Sol” a escritores como Mário Cesariny e Luís Pacheco, pouco antes dos dois falecerem), que consultou várias e credíveis fontes nacionais.
Fiquei a saber, folheando esse livro, coisas muito interessantes. Por exemplo, a história dos rebuçados do Dr. Bayard, que hoje são comuns em Portugal, mas que resultaram de uma prenda de uma farmacêutico francês refugiado em Lisboa no tempo da Segunda Guerra a um merceeiro português (ver "post" seguinte). Fiquei também a saber a diferença entre um idiota, um débil mental, um imbecil e um cretino, que tem a ver com o QI e que se relaciona com uma interessante etimologia (a propósito: uma palavra de muito apreço para a bela capa do livro, com uma imagem antiga de frenologia, que se deve à artista plástica e autora de banda desenhada Vera Tavares e à composição cuidada, que se deve ao artista gráfico Olímpio Ferreira, um fazedor de livros recentemente falecido). E fiquei ainda a saber que M. Ghandi propôs sete pecados mortais, que me parecem muito mais mortais do que os sete outros da nossa tradição.
Mas o livro tem muito mais: listas curiosas como a lista dos doze homens que andaram na Lua (se o primeiro foi Neil Armstrong em 20 de Julho de 1969 – atenção, a data indicada no livro está errada, o que nos deixa uma pedra no sapato quanto a gralhas - o último foi Eugene Cernan, em, Dezembro de 1972), a lista dos países que fazem fronteira com mais países (a China e a Federação Russa, ambas com 14, ao passo que Portugal está no fundo dessa escala...), a lista dos “Cinco” dos famosos livros juvenis (que só são cinco porque se inclui Tim, o cão), o destino de criminosos famosos (Al Capone foi condenado e preso por evasão fiscal), a lista dos itens do presente do Rei de Inglaterra à coroa portuguesa após o terramoto de 1755 (inclui, além de 300 mil cruzados, 1000 sacas de biscoito), e um etc. longo que não pode aqui ser enumerado. O leitor faça o favor de folhear o livro porque vai encontrar de certeza algo que não sabe. E que talvez queira saber.
Há itens que, parecendo inúteis, podem afinal ser úteis. Nunca se sabe. Como, por exemplo, frases de engate em turco (Posso oferecer-lhe uma bebida?, Size bir iaecek alabirir miyim?) e tampas em japonês (Já não te amo e por isso vou mudar de número de telefone, Mo aishitenai-kara, denwa bango kaeru )...
- Gideon Haigh, “Inciclopedia”, Tinta da China, 2006.
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2 comentários:
"autor de notáveis entrevistas feitas pelo “Sol” a escritores como Mário Cesariny e Luís Pacheco, antes dos dois falecerem"
Bom, notável, notável seria se tivesse sido depois de falecerem. ;)
Foi um lapso de escrita... Já emendei para "pouco antes dos dois falecerem".
Carlos Fiolhais
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