O aspecto mais misterioso do Acordo Ortográfico revela-se nesta pergunta simples que nunca é respondida cabalmente: para que serve o acordo ortográfico? A resposta a que se alude é que serve para unificar as variantes da língua portuguesa. Mas isto é falso por três razões.
Em primeiro lugar, porque não há qualquer necessidade de unificação. Os britânicos escrevem “analyse”, os norte-americanos “analyze” (ver aqui algumas das diferenças ortográficas entre o inglês norte-americano e o britânico). A nenhum americano, inglês ou australiano ocorre unificar ortograficamente a língua inglesa, e ainda menos fazê-lo por via legislativa à Salazar, precisamente porque são gentes que prezam a liberdade e odeiam a interferência arbitrária da legislação na vida das pessoas.
Em segundo lugar, uma língua é muito mais do que a ortografia. É o léxico, a gramática, a fonética, entre outras coisas. Ora, este acordo evidentemente não unifica tal coisa. No Brasil, um fato é o que para nós é um facto, e um fato é no Brasil um terno, que para nós é uma pessoa ternurenta. No Brasil o pequeno-almoço chama-se “café da manhã” e os comboios chamam-se "trens". As diferenças são mais que muitas, e muitas mais haverá em Angola, Moçambique, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, etc. O acordo ortográfico não unifica a língua.
Em terceiro lugar, o acordo ortográfico não unifica sequer a ortografia. Continuar-se-á a escrever “fato” no Brasil e “facto” em Portugal; “género”, “António” e “génio” em Portugal e “gênero”, “Antônio” e “gênio” no Brasil.
Poderá acontecer que um alemão ao aprender português pela variante portuguesa tenha dificuldade em compreender um texto brasileiro? Ou vice-versa? Claro que não. Poderá uma besta qualquer das Nações Unidas ficar confundida porque tanto se pode escrever em português “facto” como “fato”? Talvez, dado o tipo de gente que anda nesse tipo de instituições. Só que, coitados, continuarão muito confundidos porque continuará a haver muitas palavras com dupla ortografia.
Então para que serve realmente tal coisa? Queremos aproximar os povos e as nossas variantes da língua comum? Publique-se livros no Brasil com a ortografia portuguesa, e vice-versa. Façam-se dicionários comuns, como o excelente Aurélio, que tem todas as variantes da língua (ou que pelo menos se esforça para as ter). Publiquem-se gramáticas que contenham todas as variações da língua. O mais absurdo da posição dos defensores da legislação ortográfica é que se em vez de andarem a tentar obrigar os outros as escrever como eles querem tivessem escrito dicionários, gramáticas, livros, propondo alterações ortográficas, estas poderiam ser naturalmente adoptadas sem necessidade alguma de legislação. Então para quê a legislação?
Além da idiotice de se pensar salazaristicamente que sem legislação sobre a ortografia cada qual escreve como lhe dá na gana, não vejo qualquer boa razão para esta insistência na legislação ortográfica. E vejo muitas desvantagens.
Além de tornar as pessoas bovinas — agora de repente temos de reaprender a escrever palavras porque uns iluminados que nada têm publicado que seja influente usam o poder político para ter a influência que naturalmente não têm a capacidade intelectual para ter — este acordo tem muitas desvantagens para quem conhece as realidades africanas e brasileiras. Nestes países, uma parte importante das bibliotecas e do ensino baseia-se em livros portugueses com 30 anos ou mais. Quanto mais se muda a ortografia, mais difícil será para essas crianças dominar a ortografia precisamente porque aprendem quase exclusivamente por livros que passam a estar errados -- crianças que não têm dinheiro para ir a correr comprar as últimas novidades com a nova ortografia, não lêem jornais e mal dominam a língua portuguesa.
Quanto mais se mexe artificialmente na ortografia da língua, mais difícil é o domínio da ortografia para as pessoas mais carenciadas. Basta ler os comentários de publicações inglesas ou americanas online para ver que quase não há erros ortográficos, ao passo que nos jornais portugueses de referência, como o Expresso ou o Público, as caixas de comentários estão pejadas de erros ortográficos. Sem dúvida que não são apenas as constantes mudanças legislativas de ortografia que provocam tal atraso, mas sem dúvida também que tais mudanças têm um papel importante a desempenhar aqui. As pessoas aprendem ortografia em grande parte pelo que lêem; se o que lêem for uma selva ortográfica que resulta de inúmeras legislações sucessivas, é natural que tenham mais dificuldades com a ortografia.
O acordo ortográfico não tem qualquer vantagem para os brasileiros, os angolanos, os moçambicanos, os cabo-verdianos, os guineenses ou os portugueses. E tem desvantagens óbvias. Quem ganha com o acordo e o que se ganha com ele? Esta é a questão importante. E só vejo duas respostas.
Primeiro, ganham os intelectuais que fizeram o acordo, que ficam assim na história. Triste maneira de ficar na história, diga-se de passagem: como autores de listas de palavras. Enfim.
Segundo, ganha talvez o Brasil, porque usa o acordo como uma maneira de tentar cativar os mercados africanos, para se abrirem mais às exportações do Brasil e menos às da China. Contudo, não é o acordo em si que facilita tais exportações: é apenas um sinal de aproximação do governo brasileiro que poderá fazer os governos africanos abrir-lhes mais as fronteiras. Não haverá uma maneira mais simples de conseguir esse objectivo? Penso que sim. Acordos comerciais bem pensados e economicamente vantajosos para todos os países que falam português não serão difíceis de conceber e efectivar. Bom, excepto para quem pensa que mudar a ortografia de dois por cento do léxico é um passe de mágica para a afirmação do português no mundo.
quinta-feira, 10 de abril de 2008
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34 comentários:
Aqui, estou 100% de acordo com Desidério.
"Bom, excepto para quem pensa que mudar a ortografia de dois por cento do léxico é um passe de mágica para a afirmação do português no mundo".
É um passe de magia e não de mágica.
Começo por fazer uma declaração de interesse: sou professor de Filosofia (licenciatura e mestrado na UL de Lx) do ensino secundário, funcionário público, portanto; por quem nutre um especial desprezo, pelo que tenho lido de si. Não é mútuo, mas considero que o seu estilo e profundidade intelectual estão longe de me convencer a aderir acriticamente à sua visão do mundo (muitas vezes mais egomaníaca do que a dos funcionários públicos - a quem agora pretende vender o seu manual, com um título estranho para um "analítico", não?.)
Eis, então, as objecções que faço ao seu texto:
1- "Em primeiro lugar, porque não há qualquer necessidade de unificação. Os britânicos escrevem “analyse”, os norte-americanos “analyze” (ver aqui algumas das diferenças ortográficas entre o inglês norte-americano e o britânico). A nenhum americano, inglês ou australiano ocorre unificar ortograficamente a língua inglesa, e ainda menos fazê-lo por via legislativa à Salazar, precisamente porque são gentes que prezam a liberdade e odeiam a interferência arbitrária da legislação na vida das pessoas."
Nem todos os acordos são salazarentos! As democracias liberais avançadas estruturam-se a partir de acordos, tácitos ou explícitos, entre governantes e governados. As Constituições, os Códigos Jurídicos, são disso exemplo.
2- "Em segundo lugar, uma língua é muito mais do que a ortografia. É o léxico, a gramática, a fonética, entre outras coisas."
Que outras coisas é uma língua? É muito importante referi-lo quando nos designamos "filósofo", porque é aqui que a Literatura dá lugar à Filosofia!
3- "Em terceiro lugar, o acordo ortográfico não unifica sequer a ortografia. Continuar-se-á a escrever “fato” no Brasil e “facto” em Portugal; “género”, “António” e “génio” em Portugal e “gênero”, “Antônio” e “gênio” no Brasil."
Há alguma incoerência entre o que diz aqui e o que escreveu no segundo parágrafo. Primeiro refere que os acordos são salazanrentos, mas agora que este admite muitas excepções, não sem portanto determinista, decide criticar os acordos que acordam pouco.
Bem sei que me expus a uma contra-objecção: "para quê então o acordo, se não acorda?" Respondo: para uniformizar o que é, sem violentar um certo nível de liberdade linguística, o que é universalizável.
4- "Poderá uma besta qualquer das Nações Unidas ficar confundida porque tanto se pode escrever em português “facto” como “fato”? Talvez, dado o tipo de gente que anda nesse tipo de instituições. Só que, coitados, continuarão muito confundidos porque continuará a haver muitas palavras com dupla ortografia."
Inqualificável juízo de valor, quando se diz emérito representante da Filosofia Analítica, aos representantes dessa instituição reconhecida como muito importante pelos países mais "civilizados". É um frete que faz ao Zimbabué?
5- "Quanto mais se mexe artificialmente na ortografia da língua".
Não é uma mexida (brasileirismo?) artificial, segue a lei das línguas vivas: a oralidade condiciona a escrita (na Alemanha a ortografia é revista todos os cinco anos para se fazerem essas adaptações).
P.S. Não sou um defensor do acordo, estou-me um pouco nas tintas, embora ama perdidamente os conceitos, a clareza, a coerência, a imaginação linguística, a certeza de poder ver o mundo a partir de uma semântica estruturada numa sintaxe.
Aqui está uma afirmação nada científica, muito fraquinha, típica de filósofo?:
"Basta ler os comentários de publicações inglesas ou americanas online para ver que quase não há erros ortográficos, ao passo que nos jornais portugueses de referência, como o Expresso ou o Público, as caixas de comentários estão pejadas de erros ortográficos."
Onde é que estão as estatísticas a provar isso? Ou é só ler uma meia dúzia de comentários e tirar uma conclusão? Números, números, onde estão?
E mesmo que isso fosse verdade, como é que se pode concluir que a culpa é dos acordos ortográficos?! Não há outros factores que possam influenciar isso?!
Onde é que anda o rigor no De Rerum?!
Ia:
Os seus últimos comentários estão ao nível dos de Valdemar Carneiro no Voz de Chaves.
Pense um pouco antes de comentar.
Nota: peço desculpa a quem nao conhecer VC.
anónimo, tens que me explicar o que eu disse de errado, não percebi! Se alguém quer apresentar argumentos sérios tem que os basear em factos e não apenas dizer que basta ler os comentários e dizer que os portugueses têm mais erros. Eu farto-me de ver erros em publicações inglesas... nos próprios artigos, e não apenas nos comentários!
Tu fazes exactamente o mesmo que o desidério, dizes que eu disse algo errado e não justificas!
Nem sei porque perco meu tempo convosco, o que eu disse é muito evidente, é claro como a água.
Também já uma vez disse aqui ao Desidério que os miudos italianos têm muito menos dificuldades em aprender a escrever do que os ingleses. Os italianos são os tais que escrevem física com F, em vez de PH, como nós, ao contrário dos desejos do Desidério que gosta mais do PH.
É evidente que há outros factores que podem afectar a quantidade de erros cometidos pelos comentaristas portugueses como a percentagem de pessoas que fez a escolaridade obrigatória, por exemplo, e além disso nós ainda temos cerca de 12% de analfabetos, e não só, muita gente tem apenas com a quarta classe, enquanto que em Inglaterra... Qual acordo, qual quê?!
Para quem acha que os ingleses são muito bons na literacia, mostrem os estudos, porque eu não vejo nada disso na web, aquilo que se encontra diz que o inglês é uma lingua difícil e que provoca mais dificuldades a pessoas disléxicas do que outras línguas. Segundo os estudos, os ingleses não são muito bons na literacia, e eles nem têm acordos ortográficos!
Eu não digo que eles sejam melhor do que nós, só não tenho a certeza que se forem, que seja por termos acordos.
http://www.spellingsociety.org/aboutsss/leaflets/whyeng.php
Tenho que passar a ler a Voz de Chaves, o Valdemar deve ser muito bom!
Não posso estar mais de acordo com a opinião do Desidério.
Acho ainda que, o nivelar a língua portuguesa, devia ser feito a partir do português de Portugal embora assimilando termos de outros países lusófonos, mas sem desvirtuar as nossas bases.
Um abraço
Lili
Concordo com o que foi dito nesta entrada. Também estou contra este acordo ortográfico e o exemplo da Língua Inglesa é exemplo que não são os acordos ortográficos que fortalecem a Língua.
ERRATA:
* (...) e o exemplo da Língua Inglesa demonstra que (...)
Dioniso,
Já há algum tempo que não deixo aqui nenhum comentário no Rerum , apesar de todos os dias ler os posts dos autores do blog. O seu comentário é interssante por uma razão muito comum nos comentários que acho bestial: então escreve um comentário para um texto sobre o acordo ortográfico, a seguir começa, após ter exposto o seu intimidatório currículo, a atacar o autor do post, o Desidério Murcho e acaba, de forma brilhante a afirmar que se está nas tintas para o acordo. Ou seja: escreveu um comentário para desancar no Murcho, mas sob a capa de que está a tecer altos comentários críticos. Mas isso tem um nome: é hipócrisia pura e escrevo-lhe porque acho bem que se desmascare hipócrisias como a que comete. Sabe o que não seria hipócrita: O Dioniso escrevia um comentário em que assumisse:
1º odeio filosofia analítica (faz-me pensar e eu só gosto de imaginação linguística)
2º odeio gajos que divulgam filosofia analítica
3º odeio filosofia analítica mesmo sem a conhecer
4º logo, digo mal do Murcho
Caramba, isto é infantil e não dignifica nada aquele que partilha uma profissão comigo no mesmo grupo disciplinar.
Escreva lá agora uma resposta a dizer que também me odeia, uma vez que sou analítico do futebol Clube do Porto e nunca simpatizei mesmo nada com o Benfica.
Invistam mais em dicionários e gramáticas, e não em acordos patetas.
Este é já o terceiro acordo ortográfico ente Portugal e o Brasil, apesar de o segundo, o
nosso querido pais irmão nunca o ter rectificado.
Claro é preciso trabalhar e no duro. Mas tenho que reconhecer que com este tipo de acordos é mais fácil “brilhar”.
A.M.
Concordo pelenamente com o que diz.
Este acordo não serve para nada e não facilita o encontro de linguas.
Veja-se o exemplo de Espanha - meu Deus - quantos acordos deveriam fazer!...
TeresaFM
Concordo 100000% com o texto. basicamente o que estamos a fazer é a gastar dinheiro , tempo para perder a identidade. A mim não me perguntaram se queriam mudar lingua portuguesa, nem ao resto dos portugueses. Eu vou escrever como aprendi, para sempre. Divirtam-se a dar nomes novos as coisas.
Está visível, no n.º 60 da Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, a interessante exposição «Leonardo da Vinci - o Génio».
Apenas a lamentar o chorrilho de gralhas com que foi brindado o folheto promocional, onde até a palavra "odómetro" foi promovida (decerto a bem do novo acordo Ortográfico - assunto deste 'post') a "Hodômetro", e ficamos a saber que podemos assistir a um interessante "decomentário"...
A ver [aqui].
Só mesmo um cretino como o Carlos Medina Ribeiro poderia irromper numa conversa sobre o acordo ortográfico simplemente para afirmar que um folheto de uma dada exposição está pejada de erros ortográficos.
Os comentário dos CMR são como peidos numa biblioteca: são sempre desgradáveis à leitura e inoportunos ao pensamento.
Ó anónimo (M/F) das 19h35m,
Já viu a triste figura que faz, debitando inanidades a coberto de um anonimato que é mais infantil do que rasca?
Mas, vendo bem, pessoas como você conhecem-se ao longe - algumas delas... pelo bafo.
http://entredoismundos.wordpress.com/2008/04/05/acordo-ortografico-ou-tristes-verdades-mentirosas/
Desculpem a repetição.
Queria indicar este link e nem me identifiquei.
http://entredoismundos.wordpress.com/2008/04/05/
acordo-ortografico-ou-tristes-verdades-mentirosas/
Luís Ferreira
777ALFAÓMEGA88
Que Grande País!!!
Que Políticos Maravilhosos!!!
Eis uma boa lição política esta do acordo.
Para que serve ?
Para os políticos ocupar o seu tempo com algo que não importa em vez de tentar os problemas do País que realmente importam.
Parece que era para isso que lá deviam estar!
Para os outros do acordo, pertencerem a "comichões" a papar do bolo e terem direito a algum tempo de antena onde podem pavonear-se à vontade.
Nota Final: Escrito com a língua portuguesa de ... antes do Acordo Hortogrphyco.
Totalmente de acordo.
Só uma chaamda de atenção: a mania legislativa vem de muito antes de Salazar e a reforma ortográfica de 1911 (onde começa toda esta história) foi inspirada pelo cientitismo positivista, muito longe, por isso, de ser salazarista: era 1ª república.
No seguimento das boçalidades escritas pelo anónimo das 19h25m (a propósito do folheto da exposição de Leonardo da Vinci, na Politécnica), dei-me ao trabalho de ir ver aquilo que motivou a sua ira.
Constatei que, na realidade, o problema essencial levantado por CMR não são as gralhas, mas sim o facto de o documento (feito com o alto patrocínio da Gulbenkian, do Museu da Ciência da FCL e da C.M.Lisboa) estar escrito, meio-por-meio, em Português do Brasil e Português de Portugal, incluindo termos como «Hodômetro» (com ^ e com h!).
Assim sendo, e salvo melhor opinião, acho que o assunto tem todo o cabimento num post em que o tema é o Acordo Ortográfico.
E mesmo que tal não fosse, um mínimo de civilidade não ficaria mal de todo. Mas isso já sou eu a pensar alto... Queiram desculpar se estou enganado.
Quem visitar o que o CMR escreveu no "seu" blog, poderá constatar que a ira do pretenso senhor prende-se, principalmente, com os erros ortográficos e não com uma qualquer redacção "meio-por-meio" português do Brasil e português de Portugal. Aliás, o "meio-por-meio" parece - a crer no próprio CMR - que se cinge a três palavras.
Como qualquer pessoa que dá um traque numa biblioteca, os CMR vêm logo dizer que o traque não é deles. Chamam-lhe civismo.
Excelente post! Parabéns. Para que fosse perfeito, faltaria acrescentar, quando diz, e bem, que o acordo não unifica a ortografia, que o acordo introduz divergências onde elas não existem actualmente. Só para dar alguns exemplos: As palavras "aspecto", "infecção", "respectivo", "recepção", "concepção", "asséptico", e muitas outras, vão perder os cês e os pês mudos passando a escrever-se de modo diferente do usado no Brasil, ao passo que até agora escreviam-se de igual modo. Não sei como fizeram os famosos cálculos quanto ao que vai mudar, mas os critérios deviam ser conhecidos. Quanto a mim, devia conhecer-se a diferença das taxas de divergência, v.g. antes a divergência era de x por cento e com o acordo passaria a ser de y.
Ora, estas novas divergências vão causar um problema cuja resolução já antevejo: Nos tais textos oficiais conjuntos que o Rui Tavares usava no Público como justificação da necessidade do acordo, vai surgir a dúvida sobre que grafia usar nestes novos casos de divergência: a grafia brasileira, que é igual à antiga portuguesa, ou a nova portuguesa? Ora, não é difícil de adivinhar a resposta. Que português no seu perfeito juízo vai teimar em escrever "receção" em vez de "recepção" contra a vontade do brasileiro, para quem escrever "recepção" sem "p" será bizarro, uma vez que pronuncia o "p"? Nenhum, claro. Este acordo vai lançar a confusão, não só por causa destas novas divergências, mas também por causa das chamadas grafias opcionais. O acordo prevê a possibilidade de optar por "contacto" ou por "contato", só para dar um exemplo. Eu digo "contacto", mas há muita gente cá em Portugal que diz "contato". Como no novo acordo se escreve como se fala, estas pessoas vão escrever, e com razão, "contato", e eu, também com razão, "contacto". Por aqui se vê que este acordo é que promove essa coisa de cada um escrever como lhe der na gana, para usar a expressão do Desidério Murcho. Ironias do acordo... :)
Se não houvesse esta mania de tudo regular por lei, o padrão ortográfico evoluiria naturalmente segundo a vontade do povo, que devia ser soberano na matéria mas que não foi tido nem achado quando decidiram por ele. Há muitas alterações no acordo que muita gente acolheria de boa-vontade e que poderiam ocorrer espontaneamente. Por exemplo, acabar com os acentos em lêem, vêem, herói, idéia (Brasil), assembléia (id.), etc. Poderia mesmo, em Portugal, chegar o dia em que naturalmente as pessoas deixariam de escrever os cês de eléctrico, didáctico, etc., mas mantendo-os em afecto, etc. Também me parece que a maioria do povo português prefere continuar a escrever óptimo, recepção, adoptar, etc. com p; e a esmagadora maioria dos portugueses provavalmente deve opor-se a escrever "húmido" e "humidade" sem os hh ou "pára" sem acento. Quanto aos hífenes, deixar ou utilizadores da língua e os gramáticos decidirem seria muito melhor que deixar essa tarefa à meia dúzia que decidiu por nós sem nos consultar.
As pessoas tem uma ligação afectiva às palavras que usam quotidianamente, e quanto mais as usam, mais forte é a ligação. Não é por acaso que a maior reforma ortográfica em Portugal se deu sob o poder dum regime de partido único e em que a maioria da população era analfabeta. É que para quem não sabe escrever tanto faz que se escreva assim ou assado. É pelo facto de a sociedade portuguesa ser muito mais letrada agora que no passado que resiste às ingerências políticas na ortografia muito mais agora do que no passado. É também por isso que prevejo que possa ocorrer uma espécie de desobediência civil ao acordo. Muita gente não aceitará facilmente esta ingerência ilegítima na nossa "liberdade gráfica". O poder de decidir como se escreve deve estar nas mãos de quem escreve. Apelo por isso a todos que me estão a ler que não cumpram as novas regras. Escrevamos como sempre escrevemos e lemos. A língua é nossa, caramba!
Excelente comentário, sr. Pedro Machado. Deu-me mais uma razão para pensar na pertinencia do acordo.Obrigado e parabéns.
Pessoalmente, sem preciso chamar aqui o facto deste acordo sê-lo entre os vários países que têm o português como língua oficial, acho que a língua escrita deve ser de tempos a tempos aproximada à língua falada. Deixar cair letras que não são faladas em nenhuma pronunciação seja no Minho ou nos Açores, como seja o "c" em actor, só traz facilidades de aprendizagem e menos erros ortográficos.
Presumo que o autor deste poste tenha idade suficiente para estar a par do acordo ortográfico de 1986, em que palavras como António e génio passavam a ser escritas como Antonio e genio. Mas na altura foi grande a indignação e, portanto, em 1990 mantiveram-se as duas formas de escrita. O que demonstra que quando as críticas são porque sim, sem qualquer outro fundamento que não seja conservadorismo de velho senil, não vale a pena entrar em compromissos.
Finalmente, como o último ajustamento prático da ortografia em Portugal foi em 1945, não entendo como as pessoas hoje ainda fazem erros ortográficos por se sentirem confusas com isso. Quem é que ainda lê livros e consulta dicionários pré-1945? Da minha experiência, as pessoas cometem erros ortográficos porque têm hábitos de leitura mínimos.
A língua é muita mais que a ortografia e é esse um dos factos que me deixa perplexa com este amor acérrimo, que faz uma pessoa ficar tão irritada que escreve um texto em que até manda bocas dirigidas a funcionários da UN, como alguém que salpica tudo de cuspe quando fala.
Li que as editoras portuguesas estão muito preocupadas que com o acordo ortográfico as editoras brasileiras entrem no mercado dos países africanos. Há portanto barreiras a essa entrada. Pergunto-me se a entrada dessas editoras não significará mais livros, livros mais baratos e apoio brasileiro à aprendizagem da língua nos países africanos. Só por isto já valia a pena este acordo finalmente ser posto em prática.
Descobri este texto no quarto local que resolveu citá-lo, aí na lista abaixo e, há alguns aspectos que concordo e outros que não consigo concordar no texto que tão adequadamente pretende analisar o acordo ortográfico.
Comecemos do início.
A questão do idioma inglês é tão irrisório para mim, como a questão do idioma espanhol. Nos meios internacionais notamos que existem três perspectivas de intervenção. A estratégia do idioma inglês que pouco parece se importar com quem fala como; uma estratégia que é típica dos que defendem uma certa forma de liberdade (como o texto tão adequadamente menciona), pois até a simples existência de um documento de identificação faz-se algo assustador para muitos cidadãos das culturas ditas anglo-saxónicas; uma estratégia também típica do isolamento e do desinteresse com o que se passa no resto do mundo, de quem nem sequer se consegue unir ao espaço de circulação comum europeu, ou ao espaço de moeda única europeia -- porque então preocupar-se com um espaço idiomático único? Já a estratégia da língua espanhola é brilhante, mas morosa: a cada grande obra que é novamente publicada (o exemplo da edição especial do Quijote foi a mais marcante) todas as Academias de Letras dos países de fala hispana (inclusive das Filipinas!) se unem e deliberam uma nova versão conjunta da obra, unívoca para todos os países que adoptam este idioma que já se assume como universal. A forma estratégica com o idioma português é o de criar um léxico (até certo ponto) unificado, no qual todos, pelo menos, escrevem da mesma forma.
Não há dúvidas que um fato continuará a ser um terno no Brasil; mas também só um falso douto deve acreditar que o terno é o detentor de ternura somente em Portugal! Também no Brasil existem pessoas ternas que vestem um terno. E aqui em Portugal temos factos consumados sobre a qualidade dos fatos. O palavreado não me impede de ter uma forma comum de escrita. Aliás, há expressões que variam de lugar para lugar e de aldeia para aldeia, seja em Portugal ou no Brasil. Não é por isso que no Brasil se falam milhares de idiomas ou em Portugal centenas. As palavras e a sua utilização tem a ver meramente com os aspectos culturais e não com questões idiomáticas.
Concordo com a ideia de que a semântica seja importante. E, mais ainda, a gramática no seu modo geral! Os pronomes como ficarão? Hormônio ou hormona? Câncer ou cancro? Caminhão ou Camião? Quais serão os termos de eleição? Segundo o acordo, da mesma forma que já se pode dizer planejar e planear em Portugal, as duas possibilidades manter-se-ão. A diferença? A diferença é que a nenhuma criança de 12 anos que venha fazer o 6º ano aqui em Portugal, saindo do Brasil, será descontada nota quando escrever "câncer" ou "caminhão".
No que concerne à acentuação, bem, temos que verificar as coisas. Os acentos circunflexos desaparecem com o acordo. A riqueza se perde. Mas, afinal de contas, o Brasil é que sai a perder, pois as letras duplicadas deixam de ter acentuação, Assembleia perde o acento e ainda perdem o trema. Nós, o que perdemos? Um "c" e um "p" que ninguém sequer pronuncia?
Perdemos o "h" mudo, mas eles também. Dói-me só pensar em escrever "omem e mulher" "aver e ter" "Era, esposa de Zeus", mas consigo entender a coerência da decisão: letras mudas desaparecem, fim de papo! (ou será que papo é um termo errado, porque em Portugal temos outra expressão...?).
Quanto "às bestas" que aprendem um idioma, digo que sim: poderão se confundir! O alemão, o português e o árabe são das línguas mais complexas de aprendizagem (repare-se que aprendizado também existe em ambos os países, mas uns optam por utilizar mais um que o outro). Só quem não passou pelo que um imigrante passa é que acha que tudo é fácil. Argumentos bacocos de que eles podem não se confundir são melhores guardados para si mesmos. E só os imigrantes que contactam com uma das variantes é que devem achar que as duas são iguais. O que não me falta são imigrantes à minha volta e quantas vezes ouço-os dizerem que não entendem um texto deste ou daquele lado do Atlântico. Será que todos os estrangeiros nascidos fora das fronteiras da língua portuguesa serão torpes?
O argumento económico também é-me surreal, pois tenho lido incontáveis declarações africanas dando a sua opinião de que se o acordo não entrar em vigor, utilizarão a versão brasileira do idioma. Há quem diga que não. Se se tratasse de uma questão deveras séria, já teríamos instaurado o início de uma guerra civil, aonde o idioma seria a escusa para a contenda. Não deveríamos estar mais preocupados com a unicidade do que com o conflito?
Devo, contudo, dizer que concordo, sem sombra a dúvidas, com os esforços dos nobres pensadores que pretendem fazer gramáticas e dicionários todo-abrangentes, mas, será que terei que concordar em escrever côr ou flôr, como se escrevia há cinquenta anos atrás no Brasil? Será que terei que escrever como Eça de Queiróz (ou Queirós? nem nisso conseguimos ser consensuais!), como Camões ou como os galaico-portugueses que instauravam a independência? A evolução ocorre, quer eu queira quer não, quer nós desejemo-la ou não, ela está aí à porta! Resta saber o que iremos fazer quando ela nos chegar...
Se há problemas com o acordo, deveríamos ter-nos manifestado quando ele era debatido e antes de ser firmado, não agora que ele está para entrar em vigor. Nunca entendi as causas que nos levam, em Portugal, de reclamar sobre o leite derramado (tenho consciência da alteração que fiz ao ditado).
E aqueles que defenderem o processo natural de modificação idiomática, lembrem-se que não há nada de natural quando uma academia de letras e os seus doutos inserem novas palavras no nosso vocabulário. É o mesmíssimo processo, apenas, desta vez, incluiu os políticos e os seus interesses -- sejam estes os mais nobres ou os mais repugnantes (isso em nada muda).
Aliás, ainda digo mais. Se estamos irritados, descontentes, desagradados, que lutemos contra palavras absurdas, obtusas e ridículas inseridas no dicionário de língua portuguesa de Portugal. Alguém me pode explicar como é que "Presidenta" foi lá parar? Daqui a nada eu vou ao "dentisto" e acho que aquela pessoa que passou por mim na rua é uma "indecenta"...
Desculpem-me os leitores por ter feito tão moroso e, porventura, desagradável comentário; mas quando se passa por dificuldades e se sente na pela a inexistência de tal acordo, a defesa a ele se torna algo muito pessoal e premente!
" (...) este acordo tem muitas desvantagens para quem conhece as realidades africanas e brasileiras. NESTES PAÍSES, UMA PARTE IMPORTANTE DAS BIBLIOTECAS E DO ENSINO BASEIA-SE EM LIVROS PORTUGUESES COM 30 ANOS OU MAIS."
Certamente você não estava se referindo ao Brasil quando escreveu isso --deveria ter sido mais cuidadoso a fim de evitar ambigüidades. No mais, não acredito que você tenha consultado estatísticas confiáveis antes de escrever isso. Poderia citar suas fontes?
isso e xato!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
ponbas que coisa +injuada
podia ser melhor
Muito boa noite é o seguinte. Falando sobre acordo ortografico eu sou totalmente contra termos que OPTAR por a forma INCORRECTA DE ESCREVER O NOSSO PORTUGUES. Se o nosso pais nao aceita nomes estrangeiros ve eu em uma resportagem da televisao brasileira do canal record como e possivel ainda termos de mudar a nossa lingua... afinal somos abrigados a agradar alguem ²BRASILEIROS². SOU TOTALMENTE CONTRA APESAR DE NAO TER NADA CONTRA NINGUEM, PORQUE NAO SAO ELES OS RESTANTES PAISES A OPTAR POR A LINGUA CORRECTA????? E MUITO CONSTRAGEDOR VER O NOSSO PAIS ASSIM SO POR INTERESSES ECONOMICOS. NOS QUE SOMOS PORTUGUESES VAMOS FAZER COM QUE ISSO NAO ACONTECE. POR AGORA NAO TENHO MAIS NADA A COMENTAR..ATE BREVE
Breve poema em desacordo com o acordo
No passado minhas ideias eram mais acentuadas
Já não são agudas minhas heroicas empreitadas
As pessoas não mais leem de chapéu
Mas ainda se veem os sinais no céu
As arguições de outrora eram mais tônicas
Agora as plateias emudecem, ficam afônicas
A ausência de circunflexo me causa enjoo
A asa foi arrancada e cortada em pleno voo
Eu perdi o traçado da autoestrada
Mas ainda há risco no peixe-espada
Não há quem não trema em consequência
A língua camoniana nunca foi exata ciência
A paranoia me penetra pelos pelos
A escrita carece de frequentes zelos
A escola para para que se averigue e se ajuste
A regra é clara, e que a patuleia não se assuste
Tantas letras para nada dizer. Enfim!
Após várias tentativas de se unificar a ortografia da língua portuguesa, a partir de 1º de janeiro de 2009 passou a vigorar no Brasil e em todos os países da CLP (Comunidade de países de Língua Portuguesa) o período de transição para as novas regras ortográficas que se finaliza em 31 de dezembro de 2015.
Algumas modificações foram feitas no sentido de promover a união e proximidade dos países que têm o português como língua oficial: Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Brasil e Portugal.
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