domingo, 27 de abril de 2008

Homeopatetices


Simplesmente não consegui acreditar que alguém fosse capaz de debitar em apenas 8 minutos esta quantidade de dislates! Como refere Ben Goldacre, esta coisa está simplesmente para além da paródia, é demasiado imbecil para ser verdade! No caso de os homeopatetas conseguirem de novo retirar esta pérola do YouTube, que explica de facto o que é a homeopatetice, podem ver aqui a transcrição desta sandice e ignorância total de ..., bem tudo.

Apesar do que descobri na pesquisa para a escrita da série sobre homeopatetices, juro que me mistifica como é que alguém pode dizer com um ar convicto coisas como a que se segue, muito menos consigo entender como alguém engole tanta asneira:

«Vocês pensam que são uma quantidade de massa, certo? Bem, toda a massa universal pode ser consolidada numa coisa do tamanho de uma bola de bowling. Isso é tudo o que há no mundo inteiro e no Universo! Assim, quanta massa são vocês? É verdade -- uma quantidade infinitesimal. Assim, se pegarem naquela fórmula -- E igual a M C ao quadrado -- quase que se pode cortar a massa! A fórmula reduz-se a ser energia igual à velocidade da luz. E por isso é que a visão é tão importante [aponta para os olhos] porque nós temos montes de fotoreceptores que recebem luz».

Não percebi muito bem porque razão, se o objectivo era arranjar uma relação entre energia e luz, a senhora não foi buscar a relação de Planck, embora admita que nem E=hν= h c/λ (que pelo mesmo raciocínio de «cortar» tudo o que é pequeno também se reduziria a E=c) nem Max Planck são tão sexys e famosos quanto Einstein e a sua equação. Suponho por outro lado que ninguém se tenha lembrado de fazer contas, com um átomo de carbono, por exemplo, mas para os homeopatetas, que trabalham a diluições infinitas, os 90 mil biliões (9x1016 J) que resultam de «cortar» a massa devem ser praticamente iguais, mais diluição CH menos diluição CH, aos 0.00000000018 (ou 1.8x10-9) J que resultam na ausência do «corte». Mas pensaria que mesmo o mais iliterato científico perguntasse o que cargas de água tem E=m (cortado ou não)x c2 a ver com visão (passe o trocadilho).

A parte que mais me divertiu é aquela em que a senhora nos explica que a massa de facto não existe e que tudo é na realidade energia e energia é vibração e vibração significa que se os dejectos do cão do meu vizinho me chatearem e eu deitar uma bomba na casa do meu vizinho apenas lhe mudo a sua forma estrutural e isso é a homeopatetice (Ufa).

Acho de facto apropriado usar dejectos de cão para explicar o que é a homeopatetice mas maça-me que os homeopatetas deturpem ciência desta forma simplesmente patética no afã de justificarem «cientificamente» as suas banhas da cobra. Por exemplo, é assombroso descobrir que a teoria de cordas, que nos foi «dada» por Deus por intermédio de Stephen Hawkings (sic), permite um «diagnóstico» instantâneo de tudo e mais umas botas. Parece que os homeopatetas concluem da teoria de cordas que esta descobriu umas «novas» partículas energéticas em forma de «youees» (aceitam-se apostas sobre o que será um youee), facto que os permite afirmar que «cada um de nós vibra com uma certa vibração. Nós ou vibramos com uma planta, um mineral ou um animal».

Ou seja, estas «vibrações» youeeisticas, embora desconhecidas da ciência, somadas à teoria da relatividade (restrita, sem trocadilhos, a E=c2) são a alma matter da homeopatetice já que nos ligam misteriosamente (gluões youeeisticos ?) a vegetais e calhaus - se bem que um calhau seja exactamente o que me faz lembrar quem diz estes disparates.

A mística energia dos youees permite aos seus visionários concluir, só de olhar para um «paciente» com um joelho «squeaky», não só que este era «assim como que resistente à insulina, a modos que a caminho de um estado de diabetes» mas também que vibrava «em ressonância» com bicarbonato de potássio - a Kali carbonica que é de facto eficaz a tratar acidez do estomâgo, tão eficaz quanto uma pastilha Rennie, carbonato de magnésio, ou sais de fruto, bicarbonato de sódio, mas diria que é impotente para tratar os sintomas da oradora, que parece padecer dos efeitos de outro ácido que não clorídrico. Claro que a prescrita solução 30CH, que é só água, apenas alivia a acidez do estomâgo quando preparada em determinadas localidades, conhecidas pela dureza da sua água, ou se o homeopateta que se encarrega das sucussões tiver uma predilecção por água de fontes localizadas num terreno calcário (água de Monchique,por exemplo).

Mas enfim, quando leio que até um professor de medicinas alternativas condena os guias, que louvam inexistentes benefícios de banhas da cobra sortidas, produzidos pelo herdeiro da coroa britânica, isto é, por quase um milhão de libras dos dinheiros públicos, acho que não me devia espantar com nada. Ou antes, devia congratular-me pelo facto de o pensamento crítico do professor Edzard Ernst ter finalmente recuperado da estase em que esteve mergulhado nos últimos anos e no seu último livro concluir o que era óbvio: «A maioria das terapias alternativas são clinicamente ineficientes e muitas são totalmente perigosas».

8 comentários:

Unknown disse...

Como é que alguém pode ser tão burro??? Acho que nunca me ri tanto na vida.

Estive a espreitar os comentários no YouTube a esta pérola da homeopatetice e acho que descobri onde é que esta fraude foi buscar o título de "doutora" ...em m***a de cão.

A uma coisa fantástica que dá licenciaturas e doutoramentos por correspondência e que tem o fantástico e fantasioso nome de, tra,tra:

International Quantum University for Integrative Medicine

e que vende "cursos", construtivistas certamente, esta senhora é um bom exemplo de que não são precisos curriculos nem nada disso, que dão muuuuitas competências aos alunos:

"provide students with competence, credibility, and credentials in the fields of Naturopathy and Integrative Medicine and enable them to achieve the status of Certified Traditional Naturopath (CTN). The courses prepare the students for a proctored exam given by the American Naturopathic Certification Board (ANCB)."

Unknown disse...

E é também por estas que eu sou republicana ferrenha: a estupidez do Carlos de Inglaterra é ainda maior do que eu pensava. Ateus nos livrem de alguma vez o nosso país ter um atrasado mental semelhante com algum poder político e a gastar milhões em atrasadices mentais.

Agora percebo porque as banhas da cobra são cobertas pelo NHS inglês.

Palmira, eternamente agradecida pelo link para o artigo fabuloso no Journal of teh Federation of American Societies for Experimental Biology

"Homeopathy: Holmes, Hogwarts, and the Prince of Wales" já foi adicionado à minha galeria de clássicos :))))))

Unknown disse...

Eu quase que entrei em depressão logo no princípio. Como é que é possível que uma anormal destas se apresente como "doutora"? Como é que tamanha ignorância é possível no século XXI?

Rita; uma prenda para ti, sobre o Prince of Quacks:

"The prince has never met a snake oil vendor he didn't like. A couple of years ago he urged doctors to prescribe coffee enemas to cancer patients, a suggestion which provoked this rebuke from Professor Michael Baum of University College London:

"The power of my authority comes with a knowledge built on 40 years of study and 25 years of active involvement in cancer research. Your power and authority rest on an accident of birth." !

Rui leprechaun disse...

Bem, toda a massa universal pode ser consolidada numa coisa do tamanho de uma bola de bowling. Isso é tudo o que há no mundo inteiro e no Universo!


Humm... de facto é um bocado exagerado... se ela fala mesmo de TODO o universo!!!

Isto é, depende talvez da teoria cosmológica escolhida...

Ora assim, e considerando que o estado da arte actual está na teoria do "instanton da ervilha" de Hawking e Turok, qual é a massa TOTAL do universo, afinal?!

Meaning... massa plus energy tudo bem somadinho equals... how much?! ;)

Pelo que, de facto, uma bola de bowling... puxa, tanto?! :)

Quanto aos enemas de café, pode encontra-se aqui uma explicação sucinta do seu efeito estimulante sobre o fígado e consequente desintoxicação do organismo.

Mas isso não é homeopatia pura, embora os homeopatas também recomendem por vezes tal tipo de tramento, que é de facto uma forma de hidroterapia tradicional, agora caída em desuso mas que ainda era praticada regularmente há poucas dezenas de anos.

Hoje em dia, a limpeza do cólon, por exemplo para a realização de colonoscopias, é mais vulgarmente feita com laxativos ou a administração de solutos isosmóticos (polietilenoglicol).

Mas o tradicional enema ainda serve muito bem e continua a ser mais seguro, caso não haja contraindicações, o que é raro.

Pedro disse...

Mas porque raio estás tu a somar massa com energia?

Rui leprechaun disse...

Ora bem, niguém respondeu à minha pergunta... nem mesmo a douta química... bah! :P

Claro que não foi por ignorância, só mero desinteresse. É que há certas realidades, pouco intuitivas por sinal, que não convém dar muito a conhecer em certos debates. Enfim, digamos que podiam causar alguma confusão em certas mentes mais susceptíveis ou espíritos fracos, quiçá...

Deixemos então o próprio proponente da mais recente teoria sobre o início do universo - a do instanton ou flutuação quântica - responder à minha pergunta prévia sobre a massa total do universo... ou a sua energia, o que é perfeitamente equivalente.


There are something like ten million million million million million million million million million million million million million million (1 with eighty zeroes after it) particles in the region of the universe that we can observe. Where did they all come from? The answer is that, in quantum theory, particles can be created out of energy in the form of particle/antiparticle pairs. But that just raises the question of where the energy came from. The answer is that the total energy of the universe is exactly zero. The matter in the universe is made out of positive energy. However, the matter is all attracting itself by gravity. Two pieces of matter that are close to each other have less energy than the same two pieces a long way apart, because you have to expend energy to separate them against the gravitational force that is pulling them together. Thus, in a sense, the gravitational field has negative energy. In the case of a universe that is approximately uniform in space, one can show that this negative gravitational energy exactly cancels the positive energy represented by the matter. So the total energy of the universe is zero.

Steven Hawking, "A Brief History of Time" (1988)

E ele repete-o 2 vezes, convém destacá-lo bem!

De notar que este livro, um best-seller mesmo em Portugal, foi escrito ainda antes do seu autor e Turok terem proposto a hipótese do instanton, já no final da década de 90.

Logo, a tal bola de bowling ainda é muito... um ZERO redondinho é tudo quanto existe, rigorosamente de acordo com a 1ª lei da termodinâmica sobre a conservação de energia na hipótese da criação ex-nihilo, em que ciência e religião afinal concordam.

Para já, por aqui me fico. Há imensamente mais a dizer sobre isto, claro, explicitando com um pouco mais de rigor aquilo que a conferencista pretende dizer nesse vídeo. Ou seja, matéria-energia já sabemos que NÃO somos... num conceito puramente ontológico, note-se.

So... what is it we really are... what can it be that Reality?! :)

Nando disse...

Leprechaun, a estas horas a minha paciência já está muito fina. Enfim: capaz de um discurso inteligente já sabemos que NÃO és... num conceito puramente ontológico, note-se.

Se realmente quiseres saber do que estás a falar, saberias que o douto cientista fala no caso de um Universo constituido apenas por matéria bariónica (isto é, "normal": átomos, neutrinos, luz, etc.). As observações mostram que o nosso Universo é constituido por aprox. 74% de energia "escura", de origem ainda desconhecida e responsável pela expansão acelerada do Universo: apenas 24% são matéria é normalzeca.

Ademais (e este é o ponto importante), a energia total é irrelevante, podendo ser definida como o valor que quisermos: apenas medimos diferenças de energia entre algum processo local e essa energia média do Universo, nunca o valor absoluto da energia. Matematicamente, podemos seguir a via clássica e dizer que tal resulta da definição de energia (potencial) através do integral da força, o que como tal deixa uma constante indeterminada (a tal energia do Universo, se quiseres). Quanticamente a questão é semelhante, embora bastante mais complexa (vide teorema de Ehrenfest).

Mas um exemplo é sempre o melhor, não é? Então vejamos: pego em duas massas, M e m. Coloco-as a uma distância R entre si. Assim, a sua energia gravitacional é dada por

Eg = -2 GMm/R

(o factor de 2 resulta de considerarmos duas particulas, cada uma com a mesma energia gravitacional devido à outra).

Como massa é energia (e tremoço é marisco — outro facto da vida que muitos invocam mas poucos compreendem), temos também que (assumindo velocidades baixas entre partículas, no referencial considerado) a energia própria das massas é

Ep = (M+m) c^2

Assim, a energia total é dada por

E = -2GMm / R + (M+m)c^2

E agora? Se me apetecer que as massas M e m se relacionem através da expressão

(M+m)/(Mm) = 2G/Rc^2

concluo que E = 0, não é? Vais então dizer que afinal não havia partículas desde o início? Ou admitir que as coisas não são tão simples que uma peixeirosa possa mandar as postas de pescada que quer sobre a relatividade e a homeopatia, contigo a fechar a acta depois?

Mais pedagogicamente: não faz sentido falar de um volume ocupado pelo Universo todinho concentrado: é verdade que a maioria do espaço é vazio. O problema é que (até agora) não faz sentido falar num volume ocupado por um electrão, porque esta partícula não se divide.

Por outras palavras, dizemos que a minha casa tem 10 metros de largura porque, se a observarmos a distâncias superiores a est, vemos apenas uma casa; no entanto, se olharmos a distâncias inferiores a 10 metros, já estamos a perscrutar o interior da dita, e aí vemos sala de jantar, casa de banho, quarto, etc.

Assim, poder-se-ia dizer que o electrão tinha determinado diâmetro se, abaixo dessa escala, conseguíssemos ver de que é feito o simpático fermião. Mas, tanto quanto sabemos (o que é apenas honesto admitir), o electrão não possui estrutura interna (isto é, já "escavámos" muito fundo na escala de comprimento e ainda não encontrámos evidência de tal). Assim, apenas podemos considerar um electrão como pontual.

Segundo esta definição usual, um núcleo ocupa espaço porque, abaixo de determinado diâmetro, começamos a "ver" que este é constituido por protões e neutrões. Idem para estes, que são constituidos por quarks. Mas os quarks são tidos como indissociáveis e, como tal, pontuais.

Podemos, obviamente, perguntar o que especifica qual o diâmetro de um átomo, então: se três quarks são pontuais, também devia ser um protão ou neutrão, e depois o núcleo, etc. Ou não? A resposta é semelhante à quotidiana: o espaço ocupado por um objecto é aquela além do qual não podemos ir. No caso de um núcleo, o seu volume é especificado pela distância imposta pelo efeito da chamada força forte, que mantém o dito coeso (balanceando a repulsão entre protões, que contém cargas positivas iguais). É, numa analogia fatela, o equivalente a dizer que a largura de um par de namorados não é a soma das suas cinturas, mas sim a distância que abarcam quando andam de mãos dadas na rua.

Moral da história: além da minha ténue tentativa de esclarecimento, e menos ténue ataque de caspa, acho que é claro que se pode falar de física utilizando exemplos corriqueiros e compreensíveis — é isso que define um bom divulgador, como abundam nos autores do blogue. Mas, fundamentalmente, é preciso não esquecer que se tratam apenas de alegorias para processos complicados e matematicamente coisos — e que é apenas com o conhecimento mais profundo que se consegue ilustrar do modo mais simples.

Do mesmo modo, é sensato não partir para grandes elucubrações baseadas em explicações simples e sintetizadas de divulgação, que tomam um caso muito simples e específico (muitas vezes sem esclarecer esta intenção, precisamente porque não se consegue explicar simplesmente porque é que o caso é simples...). Muito menos para defender a homeopatia.

Chama-me o que quiseres, Leprechaun, conforta-te com os teus amigos new age, escreve em trinta blogues sobre os patinhos feios e as bruxas más, tanto me faz. Estou cada vez mais farto de gente burra — deve ser a crise dos 30 a aproximar-se. Aos restantes, o meu pedido de desculpas pela verborreia vomitada a tiro de canhão, e o desejo de que algo se tenha aproveitado para quem queria apenas perceber do que raio se falava, afinal.

carolus augustus lusitanus disse...

Não vi o vídeo e passei a voo de pássaro o texto, e portanto, não vou entrar por aí...

Agora, achava de bom tom que se esclarecesse (mediante o desconhecimento das «outras» terapias) que se estava a referir a um caso particular e que não deve (não pode) ser generalizado... Ou isso é defeito profissional?

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 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...