domingo, 23 de agosto de 2009

ENTREVISTA DE DAWKINS AO "THE TIMES"


Uma entrevista do biólogo Richard Dawkins ao "The Times" de 22 de Agosto, que vem a propósito do lançamento a 10 de Setembro do seu próximo livro (The Greatest Show on Earth, Bantam Press, sai a 10 de Setembro) , pode ler-se aqui.

Excerto sobre a ignorância dos criacionistas:
"Is creationism, would he say, a form of stupidity? Does he find it annoying that there are so many stupid people in the world?

“I don’t think I would put it that way,” he says. “Well, I was going to say a lot of ignorant people, but that sounds abrasive too. Ignorant is just a factual statement. I’m ignorant about football and all sorts of things. And I don’t think you’d take it as an insult if I said you don’t seem to know anything about football. It’s actually just a factual statement; it means you don’t know anything about it. I know quite a lot about evolution and there are plenty of people out there who know nothing about evolution and who probably who would enjoy learning something about evolution. Perhaps they can teach me about football.” "

ENTREVISTA SOBRE DIVULGAÇÃO DE CIÊNCIA


Ao organizar os meus arquivos encontrei esta entrevista que, nos anos 90, dei a Rui Trindade para uma revista de telecomunicações. Editei-a só ligeiramente porque me parece manter ainda, no essencial, actualidade:

P- Quais as formas e métodos que julga mais adequadas para obter uma divulgação mais eficaz da ciência?

R- A ciência trata de descrever o mundo à nossa volta. Parece claro que esse é um tema de interesse geral: por exemplo, quem não gosta de saber o que existe para além da Terra e do sistema solar, o nosso canto no imenso Universo? A divulgação científica, sob qualquer forma, deve alimentar esse espírito de curiosidade que é próprio dos seres humanos, deve acentuar o sentido do maravilhoso (“Que estranho! Que bonito!”) e deve acentuar aquilo que é simples (“Isso eu sei!”). As formas podem ser as mais variadas: imprensa, televisão, museus, etc. Entre os métodos conhecidos para obter os resultados pretendidos encontram-se os relatos do quotidiano, as experiências concretas, as analogias e ilustrações, a literatura e a história, o humor, etc. Cabe ao divulgador divulgar como puder e o melhor que puder.

P- Qual é a relação entre os cientistas e os meios de comunicação social? Como enfrentar as políticas editoriais que filtram os temas a divulgar?

R- Os cientistas devem estar abertos aos órgãos de comunicação social. Eles são parte da sociedade e esta tem o direito de saber o que eles fazem. Em particular, os cientistas não podem gastar dinheiros públicos sem ser responsabilizados por essa utilização. Têm de prestar contas e falar com os media é uma forma de prestar contas. Já ouvi um jornalista português queixar-se que era mais fácil contactar com um cientista americano do que com os cientistas portuguesas. Isto significa que a disponibilidade dos praticantes nacionais de ciência para com os média deixa ainda, infelizmente, a desejar. Quanto às políticas editoriais, elas são da responsabilidade dos profissionais da informação. Quer concordemos ou não, são critérios legítimos de um ofício bem estabelecido, que têm de ser aceites como as regras do jogo. Por exemplo, existem temas da actualidade ou da moda em ciência e na respectiva divulgação tal como existem noutras actividades humanas. Não há mal nenhum nisso. O pior pode, porém, acontecer quando o jornalista que escreve sobre ciência se arvora em fazer crítica de ciência com a mesma facilidade com que, por exemplo, alguns críticos fazem crítica de cinema ou de televisão. A ciência não está, evidentemente, ao abrigo da crítica, ela aliás progride através da crítica, mas é necessária alguma competência para a exercitar.

P- Considera o discurso científico esotérico? Acha a vulgarização científica uma banalização da ciência?

R- De facto, o discurso científico não é, à partida, acessível a qualquer pessoa. Exige uma tarefa penosa de aprendizagem da linguagem científica (a linguagem do mundo natural é a matemática e contra isso não há nada a fazer). Agora, o essencial da ciência - o maravilhoso, a simples - podem e devem ser comunicados ao grande público. Para isso é necessária fazer uma adequada descodificação de conteúdos. Pode-se tentar descrever, por exemplo, o modo como as pedras caem sem escrever as equações do movimento. E não é maravilhoso e ao mesmo tempo simples que todas as pedras caiam na vertical para baixo? Porque é que não hão-de cair para o lado? Divulgar ou vulgarizar a lei da gravitação universal pode começar com estas perguntas.

P- Acha os discursos científico e jornalístico incompatíveis?

R- Prefiro dizer que são diferentes. Um artigo para uma revista científica tem uma avaliação bastante diferente da de um artigo num jornal e um seminário científico pouco ou nada tem a ver com um programa de televisão. No entanto. ambos os discursos contêm mensagens dirigidas a destinatários, em número relativamente reduzido num caso e em grande número no outro. Alguns cientistas já aprenderam e outros têm ainda a aprender algumas técnicas do bom jornalismo: isto é, os melhores modos para transmitir uma mensagem com verdade e rigor. Digo bom jornalismo pois do outro, sensacionalista e trapalhão, nem vale a pena falar. Os divulgadores científicos tentam vestir os conteúdos com uma roupagem mais acessível para chegar a mais gente: procuram respeitar a verdade e assegurar o rigor tanto quanto for possível.

P- Qual é a importância dos investigadores para colmatar as lacunas no sistema de ensino nacional?

R- A escola desempenha um papel insubstituível na comunicação da ciência. Apesar de todas as lacunas de que nos podemos queixar – e nós em Portugal bem podemos - a escola tem desempenhado o seu papel. Importa, para que a sua eficácia seja maior, que a escola não esteja isolada: deve ligar-se mais ao mundo e à vida. Por exemplo, porque não usar na escola os textos e imagens de divulgação científica dos jornais e da televisão? Respondendo em concreto à pergunta: As escolas básicas e secundárias deviam ligar-se mais às escolas superiores. Nos EUA algumas universidades organizam “academias” informais para professores do ensino básico e secundário, disponibilizam professores para acompanhar, presencialmente ou à distância, experiências realizadas por grupos estudantis, etc. Ajudam a transmitir o método científico. As lacunas nos sistemas de ensino, aqui ou lá fora, são bem mais graves quando dizem respeito aos métodos do que quando dizem respeito aos conteúdos. A ciência é uma maneira de ver o mundo antes de ser uma visão do mundo.

P- Qual é o papel das novas tecnologias da informação na divulgação científica?

R- Elas oferecem novas possibilidades que há que avaliar. Os computadores, em particular, permitem fazer simulações computacionais: fazem-se cópias mais ou menos parecidas da realidade e vê-se como funcionam. Ou, então, fazem-se cópias pouco parecidas e ver como seria o mundo se não fosse como é. Isto é, vê-se que o mundo não poderia ser assim. As técnicas de multimédia, realidade virtual, etc. vieram estender as possibilidades do ensino e da divulgação da ciência. Na realidade virtual, passa-se esta coisa extraordinária: entra o imaginador dentro da coisa imaginada... Ou, pelo menos, julga que entra. Ora aqui está um domínio onde a divulgação da ciência pode aprender com os jogos de computador e o cinema.

sábado, 22 de agosto de 2009

SOBRE A BIBLIOTECA DE OLIVEIRA MARTINS

Da Introdução do Doutor Martim de Albuquerque ao "Catálogo da Biblioteca de Oliveira Martins" recentemente publicado pela Guimarães:

"A Cultura Portuguesa e com ela a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra estão verdadeiramente de parabéns com a salvação - é este o termo próprio e adequado - da livraria de Oliveira Martins, representando a edição do referido catálogo o natural e necessário complemento da tarefa meritória em hora afortunada decidida. Pena é que, a exemplo das de Antero, Oliveira Martins ou Fialho, não se tenham conseguido conservar outras bibliotecas dos nossos grandes escritores. Lembremos as de Camilo e de Eça. Quanto ao tremendo misantropo de S. Miguel de Seide, aliás, há ainda uma reconstituição possível a fazer. Os dois catálogos de leilão dos seus livros conjugados com os restos bibliográficos existentes na casa de Seide e outros dados dispersos conhecidos viabilizam um trabalho de reconstituição que se nos afigura indispensável no quadro dos estudos camilianos e para o progresso destes. Oxalá alguém lance mãos à obra.

Nunca será de mais sublinhar o valor das bibliotecas dos nossos grandes escritores como ferramenta incontornável para o conhecimento da respectiva época, dos gostos e preferências destes, das influências sofridas. Em suma, para a compreensão em plenitude das obras que nos legaram. As quais integram, elas próprias, o nosso património intelectual e, por isso, a essência de nós mesmos, o que vale dizer a nossa humanidade".

Martim de Albuquerque

HUMOR - REDACÇÃO ESCOLAR

Mais um texto relativo à escola portuguesa que circula pela Net, desta vez uma redacção de um aluno do 9º ano. Se não foi escrito por um aluno do 9º ano, foi escrito por alguém que os conhece bem.

REDAXÃO - 'O PIPOL E A ESCOLA'

Eu axo q os alunos n devem d xumbar qd n vam á escola. Pq o aluno tb tem Direitos e se n vai á escola latrá os seus motivos pq isto tb é perciso ver q á razões qd um aluno não vai á escola. Primeiros a peçoa n se sente motivada pq axa q a escola e a iducação estam uma beca sobre alurizadas.

Valáver, o q é q intereça a um bacano se o quelima de trásosmontes é munto Montanhoso? Ou se a ecuação é exdruxula ou alcalina? Ou cuantas estrofes tem um cuadrado? Ou se um angulo é paleolitico ou espongiforme? Hã?

E ópois os setores ainda xutam preguntas parvas tipo cuantos cantos tem 'os Lesiades''s, q é u m livro xato e q n foi escrevido c/ palavras normais mas q no aspequeto é como outro qq e só pode ter 4 cantos comós outros, daaaah.

Ás veses o pipol ainda tenta tar cos abanos em on, mas os bitaites dos profes até dam gomitos e a Malta re-sentesse, outro dia um arrotou q os jovens n tem abitos de leitura e q a Malta n sabemos ler nem escrever e a sorte do gimbras foi q ele h-xoce bué da rapido e só o 'garra de lin-chao' é q conceguiu assertar lhe com um sapato. Atão agora aviamos de ler tudo qt é livro desde o Camóes até á idade média e por aí fora, qués ver???

O pipol tem é q aprender cenas q intressam como na minha escola q á um curço de otelaria e a Malta aprendemos a faser lã pereias e ovos mois e piças de xicolate q são assim tipo as pecialidades da rejião e ópois pudemos ganharum gravetame do camandro.

Ah poizé. Tarei a inzajerar?

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

GRANDES ERROS: HAWKING E O SERVIÇO DE SAÚDE BRITÂNICO


O Prémio Nobel da Economia norte-americano Paul Krugman num recente artigo no "New York Times" aponta o erro a um editorial do Investor's Business Daily, em que se afirmava que o fisico Stephen Hawking não teria a mínima hipótese de sobreviver na Grã Bretanha, por causa do Serviço Nacional de Saúde Britânico. Ora acontece que Hawking, apesar de ser muito famoso na América, é britânico e sempre tem vivido na Grã Bretanha, não se lhe conhecendo insatisfação com os serviços de saúde do seu país. Pelo contrário, teve um recente agravamento do estado de saúde e voltou a casa para se tratar, parecendo estar recuperado (tanto quanto se pode estar no estado dele).

Quando se trata de atacar os planos de reforma do sistema de saúde defendidos pelo Presidente Barack Obama, todas as mentiras servem. Leia-se o que diz Krugman (o jornal "I" de hoje publica tradução):
"It was the blooper heard round the world. In an editorial denouncing Democratic health reform plans, Investor’s Business Daily tried to frighten its readers by declaring that in Britain, where the government runs health care, the handicapped physicist Stephen Hawking “wouldn’t have a chance,” because the National Health Service would consider his life “essentially worthless.”

Professor Hawking, who was born in Britain, has lived there all his life, and has been well cared for by the National Health Service, was not amused.

Besides being vile and stupid, however, the editorial was beside the point. Investor’s Business Daily would like you to believe that Obamacare would turn America into Britain — or, rather, a dystopian fantasy version of Britain. The screamers on talk radio and Fox News would have you believe that the plan is to turn America into the Soviet Union. But the truth is that the plans on the table would, roughly speaking, turn America into Switzerland — which may be occupied by lederhosen-wearing holey-cheese eaters, but wasn’t a socialist hellhole the last time I looked".

GRANDES ERROS: "A MAIOR ESPECIALISTA PORTUGUESA EM EDUCAÇÃO"

Eu não sabia quem era a maior especialista portuguesa em Educação dos tempos modernos. Mas agora recebi da Editora Madras do Brasil informação sobre a publicação deste livro, que já tinha saído em Portugal:

Título: "Poder Índigo e Evolução Cristal"
Autora: Tereza Guerra
Categoria(s): Educação, Psicologia

A descrição brasileira do livro contém, porém, uma inovação importante. Anuncia a autora como "a maior especialista portuguesa em Educação dos tempos modernos". Ora leia-se:

"Depois do sucesso de vendas de Crianças Índigo - Uma Geração de Ponte com Outras Dimensões... no Planeta Índigo da Nova Era (Madras, 2006), Tereza Guerra, a maior especialista portuguesa em Educação dos tempos modernos, debruça-se sobre a autoconsciência índigo para jovens e adultos.
Inteligentes, sensíveis, criativos e com tendência para questionar a ordem estabelecida, a vitalidade dos índigos é, muitas vezes, confundida com hiperatividade ou simples rebeldia. Mas a sua existência tem um propósito que devemos conhecer e aceitar, ajudando-os a desenvolver as suas inúmeras capacidades.
Acreditar em suas aptidões e respeitar a sua evolução favorece a integração dos índigos em um ambiente mais favorável ao seu enorme potencial, prevenindo, assim, situações de risco como o estresse, a apatia e a depressão.
Poder Índigo e Evolução Cristal é uma obra de sucesso garantido entre todos os interessados em compreender as características que fazem desses indivíduos da Nova Era seres muito especiais. Esta é uma ferramenta primordial para pais, educadores e psicólogos da atualidade."

Comentários para quê? Não são precisos. Infelizmente, não se trata de disparates de Verão. São disparates de todo o ano.

DO "DIÁRIO DA GRIPE": SOBRE A IGNORÂNCIA E A IRRACIONALIDADE


Do blogue "Diário da Gripe", sobre a gripe A, do virologista João Vasconcelos e Costa destacamos este excerto:

"Começamos a ter comportamentos anti-sociais. Não admira. Eles germinam num terreno de ignorância e de falta de mentalidade racional. O que hoje é diferente é que essa ignorância é muitas vezes arrogante, convencida, insultuosa para com quem quer exprimir algum sentido pedagógico. É sinal dos tempos, até pela mistura com outros componentes de irracionalidade. Há duas dezenas de anos, eu preocupava-me com a adesão de camadas cultas a tudo o que era irracional, esotérico, místico-ocultista. Hoje, é mais a influência das teorias da conspiração, misturada com a paixão político-partidária a níveis de incapacidade absoluta de objectividade. Talvez tudo isto signifique é um grande medo e confusão, de quem já não vê valores a conduzirem a nossa vida política e social, de quem tem razão para desconfiar, de quem assim grita a sua angústia, o seu “mal de vivre”.

O melhor exemplo é a enorme colecção de comentários rupestres a notícias sobre a gripe no Público “online”. Continuo a achar que um jornal que se quer de referência não devia abrir as suas portas a exemplos numerosos, diários (e sobre mais outros assuntos) de primarismo intelectual e até ético. Ao menos o DN e o JN só permitem comentários a leitores registados e identificáveis. Como anotei há dias, com propositado cinismo, se Deus existe que seja justo e, ao escolher os possíveis 20.000 mortos portugueses, que comece por toda essa gente boçal e resguarde os muitos mais que estão preocupados e que certamente se comportarão de forma cívica."

João Vasconcelos e Costa

VER ESTRELAS EM LISBOA


Informação recebida do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL) e Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa (na imagem a Via Láctea):

O OAL, no âmbito da iniciativa "E Agora Eu Sou Galileu" vai realizar várias observações ao longo do ano de 2009. A próxima destas observações decorrerá no dia 22 de Agosto e terá lugar no Edifício Central, entre as 21:30 e as 23:30. Nesta sessão serão realizadas observações com telescópio de estrelas (enxames, nebulosas) da Via-Láctea assim como outros objectos tais como o planeta Júpiter: sensibilização sobre o impacto das observações de Galileu para a Astronomia e a Ciência em geral. A observação será precedida de uma visita ao Observatório com início às 20:30.

A entrada na Tapada da Ajuda faz-se pelo portão da Calçada da Tapada,
em frente ao Instituto Superior de Agronomia.

Reflexões para o Centenário da 1ª República


Post recebido do historiador António Mota de Aguiar:

Aproxima-se o centenário da 1ª República Portuguesa. Passados 50 anos da publicação do texto que a seguir transcrevemos com o título de “República Desconhecida”, ainda hoje se sabe pouco sobre este momento tão importante da nossa história. É inteiramente válido hoje aquilo que António José Saraiva dizia em 1960: o conhecimento dessa experiência histórica pode ser capital para o nosso futuro. Transcrevo o texto:

“Como hoje em dia acontece com a maioria dos Portugueses, quase só conheço o regime que vigorou em Portugal de 1910 a 1926 por ouvir falar. As palavras dos seus inimigos, a persistência, apesar de tudo, de uma parte das instituições criadas por aquele regime, fazem-me no entanto conceber uma admiração mal definida por essa República democrática que foi das primeiras a aparecer na Europa.
Por isso pergunto muitas vezes a mim próprio o que é que realmente se passou em Portugal no período de 1910 a 1926; em que é que concretamente se baseiam aqueles que o atacam.
A verdade é que aquele período é para a maioria dos Portugueses uma incógnita; muito embora um instinto natural de generosidade, a tradição de tempos em que existiu uma luta política com a participação do Povo, nos faça ser muito circunspectos e desconfiados perante os seus presumidos críticos.
Esta ignorância é muito lamentável, como de resto toda a ignorância. Para ter ideias claras sobre o futuro do nosso País é fundamental tê-las sobre o seu passado.
E nós, os que escrevemos e falamos, trabalhamos, pagamos impostos, não estamos de forma alguma dispensados da responsabilidade cívica de construir o futuro.
Já é tempo enfim de sabermos o que foi a República de 1910 a 1926. Nada de bom resulta de se lhe atirarem pedras, e não é bastante, também, cobri-la de flores. Mais alguma coisa é preciso: que os historiadores se ocupem dela, começando por estudar a sua obra legislativa e as suas realizações práticas no campo social, religioso, educativo e económico, as circunstâncias internas e externas, que a condicionaram, os seus êxitos e os seus fracassos, o seu legado e a sua lição. O conhecimento dessa experiência pode ser capital para o futuro.” [1]


A 1ª República teve como herança imediata um momento não menos conturbado e trágico da nossa história, principalmente a partir da crise generalizada motivada pelo Ultimato britânico de 1890, da bancarrota que lhe seguiu, e dos muitos conflitos que houve nestas duas décadas: “entre 14 de Outubro de 1890 e 5 de Outubro de 1910 sucederam-se 20 governos, dos quais seis apenas no reinado de D. Manuel” [2], em média, um governo por ano, situação que desembocou na ditadura de João Franco (ver aqui meu post de 9/Março/2009) e no regicídio e, por último, na implantação da República em 5 de Outubro de 1910.

Implantada a República, o Governo Provisório, sob a direcção do Partido Republicano Português (PRP) – em funções até à aprovação da Constituição de Agosto de 1911 - levou a cabo uma profunda reforma na sociedade portuguesa de então, na generalidade aceite por todos como necessária e positiva.

Poucos meses depois de aprovada a Constituição Política da República Portuguesa em Agosto de 1911, o PRP desmembrava-se em três partidos: era criado o Partido Democrático, de Afonso Costa; em 24 de Fevereiro de 1912, António José de Almeida fundava o Partido Evolucionista e, dois dias depois, Brito Camacho fundava a União Republicana. A República que se seguiu ao desmembramento do PRP não evoluiu para o bipartidarismo, como outrora o rotativismo parlamentar monárquico, em vez disso, prevaleceu o multipartidarismo, dominando o Partido Democrático.

A partir daqui a sucessiva saga de governos não ia parar: o 1º governo constitucional de João Pinheiro Chagas pouco mais durou que dois meses [3]. Durante os 16 anos de vida da República sucederam-se:

7 Parlamentos, 8 Presidentes da República, 46 governos [4].
68 Ministros da Fazenda/ Finanças (1910-1926)
19 Ministros do Fomento (1910-1917)
41 Ministros de Trabalho (1916-1925)
22 Ministros do Comércio (1917-1921)
47 Ministros da Agricultura (1918-1926)
6 Ministros de Abastecimento (1918-1919)
3 Ministros de Subsistência e Transporte (1918)
22 Ministros do Comércio e Comunicações (1921-1926) [5].

Às questões colocadas por José António Saraiva tenta hoje responder Luís Farinha: Porque caiu a República? [6]

É claro que a ciência histórica, não sendo uma ciência exacta, não nos dá uma resposta conclusiva. Contudo, espero que os factos históricos que a seguir apresento contribuam para a compreensão das razões pelas quais caiu a República.

Ainda não tinham decorridos dois anos desde a implantação da República e já as guerras intestinas entre os republicanos faziam tremer os alicerces – frágeis – do regime implantado em Outubro de 1910. O Partido Democrático dominou, directa ou indirectamente, a chefia dos primeiros governos da República. Porém, logo no início, a estabilidade política do regime foi posta em perigo pelas lutas ferozes que as outras forças republicanos – minoritárias - moveram aos democráticos, sem contar com os ataques dos monárquicos. Vejamos as seguintes quatro opiniões:

Sarmento Pimentel, activo protagonista deste momento histórico, escreveu:

“… Uma geração que se bateu pela República, que combateu na Grande Guerra, em África e na Flandres, que lutou bravamente pela liberdade e pelos direitos do homem sempre que eles estiveram ameaçados. (…) Uma geração a que os políticos não quiseram dar ouvidos e cujas virtudes se dissolveram no meio das ambições desmedidas dos que lutavam pela conquista do Poder e não davam ouvidos ao bom senso e à razão.” [7]

O historiador Armando Malheiro da Silva escreveu sobre Brito Camacho:

“Da sua trincheira de 'A Lucta' Brito Camacho) (…) intensificou a campanha de descrédito, de corrosiva ironia e de hábil incitamento a uma solução extra-legal, violenta e revolucionária. (…) E de acordo com as suas próprias palavras: Em 1917, a Espanha esteve ameaçada duma revolução à maneira russa, uma revolução social nos seus intuitos e moscovita nos seus processos (…) Um tal movimento, se viesse a produzir-se, havia de ter, necessariamente, repercussões em Portugal (…) Brito Camacho afirmou, por isso, que tinha informações de que em Lisboa e noutras cidades do País, em Coimbra e no Porto, estavam organizados os sovietes. O de Lisboa era presidido pelo homem que mais tarde os revolucionários do 5 de Dezembro quiseram ter do seu lado…”. [8]

O autor refere-se no fim deste texto a Machado Santos, revolucionário fundador da República em 1910 e apoiante, como Brito Camacho, do golpe de estado de Sidónio Pais. Machado Santos, que se posicionava à esquerda do Partido Democrático participou em várias insurreições contra os democráticos, mas o seu grupo político nunca teve aceitação significativa no eleitorado. A sua acção política girava sobretudo em torno do seu órgão na imprensa, “O Intransigente”.

João Chagas, protagonista relevante destes tempos históricos, diz-nos:

“Que razões levaram, portanto, o sr. Brito Camacho, a apaixonar-se pela questão da intervenção de Portugal na guerra europeia até ao ponto de parecer conduzir-se pelos mesmos princípios facciosos que inspiram os reaccionários e germanófilos?- As razões da sua atitude encontram-se expressas, parece-me, no seu próprio jornal (…).
O grande conflicto que trouxe ao coração da humanidade a hora de incerteza e de ansiedade que estamos todos atravessando, não teve ecco no secco coração do sr. Brito Camacho. O que viu elle desde logo na guerra? – O seu jornal di-lo: um facto que vinha desviar as intenções públicas da questão eleitoral! (…)”
[9].

Houve da parte de alguns políticos deste tempo falta de consciência dos interesses nacionais, motivada pela ambição pessoal desmedida, inveja, ódio e incompetência, falta de consciência do perigo que o país atravessava face às invasões militares monárquicas. E falta de responsabilidade moral face à pobreza envolvente da sociedade portuguesa, e ao elevado grau de analfabetismo – em 1900, 78% da população era analfabeta [10]. Num período tão difícil da vida nacional, com um regime político tão jovem, prevaleceram os interesses dos grupos políticos e suas clientelas, todos eles minoritários em relação ao Partido Democrático, num momento em que era necessário manter a coesão nacional bem forte devido à aproximação do conflito mundial.

Muitos homens deste período histórico arremataram com todas as suas forças contra a liderança da União Sagrada, aliança dos evolucionistas e dos democráticos, mas liderada de facto por estes últimos, aumentando a desordem a nível nacional, num momento de fome e de escassez, devido à guerra, dos principais bens alimentares.

A entrada na guerra foi o principal ponto quente de discórdia desta época, embora, como acabámos de ler, os conflitos entre partidos políticos tivessem começado já em 1911.

Convém compreender, nas vésperas da 1ª Guerra Mundial, a situação económica portuguesa – herdada da monarquia – para podermos avaliar a posição assumida pelos democráticos de entrada na guerra. Naquele período histórico, a economia nacional dependia das colónias africanas, onde ia buscar as suas riquezas, - matéria prima -, que, manufacturadas ou não, eram a seguir exportadas para o Reino Unido, seu principal cliente e fornecedor. Em África, os alemães atacavam as colónias portuguesas de Angola e Moçambique. Na Europa, a nossa vizinha Espanha, monárquica e germanófila, “o perigo espanhol,” como se dizia, via com maus olhos a República, facilitando ou fechando os olhos às incursões militares monárquicas a Portugal.

Acrescente-se a este manual de ameaças os murmúrios que assinalavam acordos secretos entre o Reino Unido e a Alemanha para uma eventual partição da África portuguesa.

No quadro descrito, a política da União Sagrada de entrar na guerra ao lado da Inglaterra, para, no final da guerra, assegurar a manutenção do seu império colonial, para além de participar no espólio que traria a derrota da Alemanha, parece-me, para aquele tempo, não só acertada como a única possível. Porém, ao contrário do esperado, a entrada na guerra foi o principal factor corrosivo, determinante, da derrota da 1ª República. Se não tivesse havido a guerra as coisas ter-se-iam passado bem melhor.

Para o governo da União Sagrada o Corpo Expedicionário Português (CEP) tinha de estar presente na frente do combate. E aqui surge-nos a primeira grande crítica a Afonso Costa, mentor da entrada de Portugal na guerra. Era necessário arriscar tão longe? Por exemplo, Brito Camacho, no seu livro, defendia que Portugal deveria alinhar com a Inglaterra “dando-lhe todo o auxílio que ela nos pedisse, mas só o que ela pedisse, desde que pudéssemos dar-lho”. Quanto a António José de Almeida, aliado na União Sagrada, partilhava a ideia que Portugal deveria ajudar a Inglaterra “até onde for preciso, mas só sendo preciso”.

Os afonsistas não pensavam assim: Para o governo da União Sagrada, todas as outras alternativas estavam fora de questão: o CEP tinha de ir para França, e tinha de estar presente na frente de combate. É possível que, com esta posição, Afonso Costa tentasse, terminada a guerra a favor dos Aliados, reforçar a posição da República no exterior, de forma a apresentar um Portugal solvente, capaz de obter os créditos que o país necessitava para o seu desenvolvimento.

Se a participação na guerra me parece a única posição possível, ir para as trincheiras da frente com homens recrutados no mundo rural arcaico e amplamente analfabetos parece-me um grande erro. Mas há mais: o Governo foi para a guerra deixando no país uma grande quantidade de inimigos, forças tão dispares como o povo rural, o movimento operário, o anarquismo sindical, a pequena burguesia urbana, os pequenos comerciantes, os católicos, e Machado Santos e Brito Camacho, velhos inimigos de Afonso Costa. Além da permanente conspiração monárquica. Por que não ouviu Afonso Costa os conselhos de Jaime Cortesão [11], quando lhe propunha alargar politicamente a base de apoio do governo a outras forças?

Pergunto, portanto: Em que forças se baseava o Partido Democrático para levar a bom porto o seu projecto político? Por fim, na véspera do golpe de estado sidonista (ver aqui meu post de 26/Março/2009), o Chefe do Ministério, Afonso Costa, esteve cerca de dois meses no estrangeiro para tratar das indemnizações de fim da guerra a Portugal, ainda com a guerra a decorrer. Compreendem-se as razões que levaram Afonso Costa ao estrangeiro, mas não se justifica uma ausência tão grande do país, num momento de revoltas internas generalizadas por todo o país devido à fome e ao caos.

Por isso, acho que a citação seguinte é bem pertinente:

“Não deixa de ser surpreendente, mesmo para quem procure compreender o espírito da época e do que estava em jogo, a forma como, a golpes de puro voluntarismo ideológico, os afonsistas e seus apoiantes arrastaram o Portugal rural, massivamente analfabeto, rudimentarmente industrializado, sofrendo já uma terrível situação social económica e financeira, para a mais vasta, sofisticada, mortífera e dispendiosa guerra que a humanidade tinha até então conhecido” [12].

Embora as premissas de participação na guerra nos pareçam as que melhor serviam os interesses de Portugal, temos de convir que Afonso Costa e os seus apoiantes tiveram pouca visão política da situação geral do país e das consequências desastrosas da nossa entrada na guerra. Nem sequer souberam avaliar a força dos seus inimigos internos. Poderiam ter participado na guerra de uma forma mais discreta mas igualmente honrosa, mais de acordo com as nossas possibilidades, tanto mais que já combatíamos em África em duas frentes contra os Alemães. Portugal não tinha capacidade para manter tantas frentes de guerra.

Porém, o descalabro a que a situação na guerra chegou deveu-se em grande parte aos ataques que moveram ao Partido Democrático as outras forças, já mencionadas, que não deram tréguas aos governos democráticos, e que criaram o caos em Portugal, propiciando as insurreições e o golpe sidonista.

Por fim, acrescento que o golpe sidonista veio prejudicar a nossa posição moral e militar no campo da guerra - desnorteou por completo as nossas tropas – e prejudicou a nossa posição diplomático-política no âmbito das conversações de paz em curso. A nossa relação com os aliados alterou-se completamente depois do golpe. A nossa situação nas trincheiras tornou-se catastrófica[13]. Apesar de Brito Camacho [14] se defender de não ser germanófilo, de ser a favor dos Aliados, a não condenação do golpe de estado de 5 de Dezembro de 1917 e a participação no governo do golpista Sidónio Pais, com ministros do seu partido unionista, responsabiliza-o sobremaneira, a ele e a Machado Santos, também ele apoiante e depois ministro no governo de Sidónio Pais.

Coloco então outra questão: Se tivesse havido unidade nacional quando a guerra começou (obviamente os monárquicos estavam contra a entrada de Portugal na guerra), não teríamos tido um outro resultado? Estou convencido que sim.

Tentei dar uma achega para tão importante momento da nossa história. O livro História da Primeira República Portuguesa recentemente editado (já aqui mencionado por Carlos Fiolhais: “Doze Livros para Férias”), constitui uma valiosa contribuição para compreendermos “o que é que realmente se passou em Portugal no período de 1910 a 1926.” Como nos dizia António José Saraiva em 1960: “O conhecimento dessa experiência pode ser capital para o futuro”. O futuro de ontem… é hoje!

REFERÊNCIAS:
[1] António José Saraiva, Seara Nova, Número Comemorativo do Cinquentenário da República, nºs 1378-79-80, p. 225, Agosto-Setembro-Outubro de 1960.
[2] João B. Serra, in História da Primeira República Portuguesa, p. 107, Tinta da China, Lisboa, 2009.
[3] Idem, pp. 93-148.
[4] A.H. de Oliveira Marques, História de Portugal, vol. 1, pp. 404, 409-410, Palas Ed., Lisboa, 1973
[5] Maria Fernanda Rollo, in História da Primeira República Portuguesa, p. 532, Tinta da China, Lisboa, 2009
[6] Idem, Luís Farinha, pp. 535-567.
[7] Sarmento Pimentel, “Diálogos de Norberto Lopes”, p. 61, Aster, Lisboa , 1977.
[8] Armando Malheiro da Silva, “História de um caso político”, pp. 409-410, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006.
[9] João Chagas, “Portugal perante a Guerra”, p. 28, Typ. Emp. Guedes, Porto, 1915.
[10] Maria Fernanda Rollo, in História da Primeira República Portuguesa, p. 39, Tinta da China, Lisboa, 2009.
[11] Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra, pp. 43-53, Portugália, 1960.
[12] Fernando Rosas, in História da Primeira República Portuguesa, p. 248, Tinta da China, Lisboa, 2009.
[13] Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra, Portugália, 1960.
[14] Brito Camacho, Portugal na Guerra, Imp. Lucas, Lisboa, 1936.

António Mota de Aguiar

"MUST SCIENCE DECLARE AN HOLY WAR ON RELIGION?"

Destacamos mais uma peça da imperdível coluna semanal do físico Robert Park:

WHAT’S NEW Robert L. Park Friday, 14 Aug 09 Washington, DC

On Tuesday, 12 Aug 09, the Los Angeles Times ran an opinion piece by Chris Mooney and Sheril Kirschenbaum with the provocative title, "Must science declare a holy war on religion?" They contrast the "in your face" style of Richard Dawkins, author of The God Delusion, to the strategy of the National Center for Science Education, which simply focuses on getting the facts right in public science education. I love them both. Mooney and Kirschenbaum, have just published, "Unscientific America: How scientific illiteracy threatens our future," (Basic Books). They take C.P. Snow's admonition that "we require a common culture in which science is an essential component," one step further. "Science itself," they conclude, "must become the common culture." Good idea, how do we get there?

Robert Park

HUMOR - ATENDEDOR DE CHAMADAS NUMA ESCOLA AMERICANA

Texto que circula na Internet sobre respostas automáticas numa escola americana. Se não é verdade, pelo menos mostra humor:

A nova mensagem que o pessoal docente de uma Escola Secundária da Califórnia aprovou para ser gravada no atendedor de chamadas da escola foi o resultado de a escola ter aprovado medidas que exigiam aos alunos e aos pais maior responsabilidade pelas faltas dos estudantes e pelas faltas de trabalho de casa. A escola e os professores estão a ser processados por pais, que querem que as notas que levam ao chumbo dos seus filhos sejam alteradas para notas que os passem - ainda que esses miúdos tenham faltado muitas vezes num semestre e não tenho realizado trabalhos escolares suficientes para poderem ter positiva.

EIS A MENSAGEM GRAVADA:

"Olá! Foi direccionado para o atendedor automático da escola. De forma a podermos ajudá-lo a falar com a pessoa certa, por favor ouça todas as opções antes de fazer a sua selecção:

- Para mentir sobre a justificação das faltas do seu filho, pressione a tecla 1.
- Para inventar uma desculpa sobre porque é que o seu filho não fez o trabalho de casa, tecla 2.

- Para se queixar sobre o que nós fazemos, tecla 3.

- Para insultar os professores, tecla 4.

- Para saber por que razão não recebeu determinada informação que já estava referida no boletim informativo ou em diversos documentos que lhe
enviámos, tecla 5.

- Se quiser que criemos a sua criança, tecla 6.

- Se quiser agarrar, tocar, esbofetear ou agredir alguém, tecla 7.

- Para pedir um professor novo pela terceira vez este ano, tecla 8.

- Para se queixar dos transportes escolares, tecla 9.

- Para se queixar dos almoços fornecidos pela escola, tecla 0.

- Se já compreendeu que este é o mundo real e que a sua criança deve ser responsabilizada e responsável pelo seu comportamento, pelo seu trabalho na aula, pelos seus tpcs e que a culpa da falta de esforço do seu filho não é culpa do professor, desligue e tenha um bom dia!"

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

TRÊS MIL "POSTS"

O contador deste "blogger" informa-nos que já ultrapassámos o número de três mil "posts", nos nossos dois anos e poucos meses de actividade. É mais um número redondo que temos gosto em assinalar.

Embora neste período estival, a publicação seja mais espaçada, o referido contador vai continuar a contar...

De Rerum Natura

UMBERTO ECO SOBRE A BIBLIOTECA JOANINA


No último livro de Umberto Eco publicado em Portugal e do qual já aqui publicámos excertos ("A Obsessão do Fogo", em colaboração com Jean-Claude Carrière, Difel, 2009), ele retoma o depoimento sobre os morcegos na Biblioteca Joanina (na imagem, uma das mesas que se cobrem por causa dos morcegos) que há anos prestou a um jornal canadiano. Ouçamo-lo (p. 281):

"Agora vou contar-lhes uma história divertida. Visitei a biblioteca de Coimbra, em Portugal. As mesas estavam revestidas de um pano de feltro verde, um pouco como mesas de bilhar. Pergunto as razões dessa protecção. Respondem-me que é para proteger os livros dos excrementos dos morcegos. Porque não eliminá-los? Muito simplesmente porque eles comem os vermes que atacam os livros. Ao mesmo tempo, o verme não deve ser radicalmente proscrito e condenado. É a passagem do verme pelo interior do incunábulo que nos permite saber de que modo as folhas foram ligadas, se não há partes mais recentes do que outras. As trajectórias dos vermes desenham por vezes estranhos padrões que emprestam um certo carácter a livros antigos. Nos manuais destinados a bibliófilos, encontramos todas as instruções necessárias para nos protegermos dos vermes. Um destes conselhos é utilizar o Zyklon B, a mesma substância usada pelos nazis nas câmaras de gás. É certo que mais vale empregá-la para matar insectos si que homens, mas faz uma certa impressão.

Um outro método menos bárbaro consiste em colocar um despertador, daqueles que possuíam os nossos avós. Parece que o seu ruído regular e as vibrações que transmite à madeira dissuadem os vermes de sair dos seus esconderijos."

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Não sei se falamos do erro ou do pecado

"É fundamental considerar a abordagem comportamental
e humanista dos erros para se obter um mundo melhor.”
Senders & Moray, 1991, 57.

“Em regra, relatamos casos (…) que correm bem.
Por vergonha, não contamos os que correm mal e,
muito menos, os descrevemos.”

Salgado & Henriques, 2002, 69.

A atenção que no último meio século a epistemologia e a ergonomia têm dedicado ao erro na acção humana tem contribuído para o encararmos, de modo cada vez mais firme, como um factor de progresso do conhecimento e de aperfeiçoamento das práticas profissionais.

Ainda assim, percebemos que, com frequência, ele se rodeia de uma auréola depreciativa que lhe imprime uma valência fortemente negativa, conferindo, não raras vezes, a quem se afigura como responsável pela sua ocorrência, uma imagem desfavorável.

Trata-se duma imagem até certo ponto compreensível, pois certos erros podem afectar de maneira significativa a segurança, a saúde e o bem-estar, justificando-se, nessa medida, referirmo-nos ao erro, no seu sentido mais lato, como faz Lentin (1994, 7), num tom depreciativo: “esse sub-produto um pouco nauseabundo”; ou como faz Lobo Antunes (1996, 77), num tom circunspecto: “tema cinzento na cor, sinistro no perfil e amargo no travo”.

Errar não é, pois, em princípio, uma experiência que deixe os profissionais, independentemente da área laboral em que se situem, indiferentes, e tanto mais assim é quanto mais empenhamento e responsabilidade imprimirem às funções que exercem. De facto, o desconforto face à ideia de errar e ao erro em si, sobressai como uma impressão amplamente partilhada. Impressão que se tem de aprender a superar, pelo menos em parte, para se poder direccionar convenientemente a atenção para a prevenção e detecção de erros, bem como para a sua identificação, remediação e/ou recuperação.

No caso de profissões que implicam uma relação próxima e o cuidado com aos outros, como a medicina ou o ensino, os sentimentos e emoções, jogam um papel relevante. A este propósito, o sociólogo Philippe Perrenoud (1993, 180) refere que tais profissões “para além das competências, mobilizam fundamentalmente a pessoa que intervém (…). Para fazer frente ao fracasso, à incerteza, ao conflito, à angústia (…) é preciso coragem, lucidez, perseverança, generosidade, descentração, serenidade e mil e uma outras qualidades psicológicas e virtudes morais”.

É preciso também perceber que a crença de que se é capaz de enfrentar e resolver, de modo exemplar, todo e qualquer problema profissional, por mais complicado que ela se apresente, não passa de uma crença ingénua e irrealista. Ainda assim, enraizada que no nosso modo de pensar, desencadeia em muitos profissionais que experienciam o erro, como autores e/ou actores, sentimentos de incompetência, inferioridade, vergonha e, mais acentuadamente, culpa. Pode também ser responsável por sentimentos contrários a estes, como a atribuição de responsabilidade a outrem, a justificação assente no escrupuloso cumprimento de directrizes e, também, mais vulgarmente, a desculpabilização. Independentemente do pólo em que os sentimentos se situem, originam, no entender de Andy Hargreaves (1998, 172), o “processo do perfeccionismo” que não depende, apenas de factores intrínsecos, relacionados com a maneira de ser de cada um, mas também de factores históricos e contextuais que os sugerem ou reforçam.

Relativamente a estes factores, Karl Popper (1999) lembrou estar ainda muito presente no ocidente, a antiga ética das profissões intelectuais, que sustenta a autoridade do especialista, assim designada por se acreditar que o profissional possui um saber total, definitivo e absolutamente certo. Sendo verdade que esse saber não passa de um mito, um desejo, pois, no fundo, todos sabemos como somos falíveis, facilmente provoca efeitos contrários aos pretendidos, a saber: atitudes de intolerância e de desonestidade. Se não, vejamos: por um lado, “proíbe que se cometam erros (…) o erro é absolutamente interdito” sendo, nessa medida, fortemente censurados e, por outro lado, o facto de os erros não poderem “ser confessados”, conduz ao seu encobrimento individual ou corporativo.

Rauterberg (1996) evidencia esta mesma ideia da influência da nossa cultura no entendimento clássico do erro, atribuindo-lhe um carácter acentuadamente negativo e, mais, tornando-o num assunto tabu. Não falar dos erros e apresentar-se da maneira mais intocável possível é o objectivo de qualquer profissional, ainda que reconheça essa estratégia incorrecta em termos morais, sociais e de aprendizagem.

Como resultado deste modus vivendi não é apenas a pessoa que descobre um erro no seu desempenho que procura, por todos os meios, “ocultar, dissimular, a sua falibilidade e proteger-se da crítica, oculta, dissimula também a falibilidade dos colegas que se encontram nas mesmas circunstâncias, protege-os da crítica, esperando, claro está, que estes a protejam a si (Popper, 1992, 181). “Poder-se-ia considerar isto como uma espécie de conspiração, (…) mas ninguém o admite de bom grado” (Popper, 1999, 97).

Orlindo Gouveia Pereira vai um pouco mais longe neste raciocínio, lembrando que sendo a nossa cultura fortemente influenciada por princípios teológicos de inspiração judaico-cristã, com facilidade se associa à noção de pecado ao erro. Este autor retém, aliás, de uma das comunicações a que assistiu num encontro internacional sobre o erro de desempenho profissional, uma frase da lavra de Sheridan (1983, citado por Pereira, 1983, 309) que, na sua simplicidade, ilustra esta ideia: “não sei bem se estamos aqui para falar do erro ou do pecado”.

Senders & Moray (1991, 33) acrescentam um outro factor que contribui, certamente, para o reforço dos sentimentos adversos que se ligam ao erro. Fazem eles notar que “vivemos em sociedades que são litigiosas e implacáveis e que, além disso, tendem a atribuir involuntária ou malevolamente, a culpa a alguém por qualquer evento indesejável” pois, de alguma forma, isso satisfaz um desejo de vingança e de expiação. Nestas sociedades, resta aos sujeitos individuais e mesmo, às instituições, resguardarem-se de olhares externos e defenderem-se das suas investidas. Reconhecer um erro e/ou procurar corrigi-lo pode ser um acto prejudicial ou muitíssimo prejudicial para quem decide fazê-lo, tanto no plano da imagem que dá se si e da classe a que pertence, como no plano financeiro e de segurança laboral, como, ainda, no plano das relações interpessoais. É certo que esta norma tem excepções, mas são raros os sectores, as instituições e os profissionais que se revelam excepcionais.

Partindo do princípio que a crença no desempenho irrepreensível aliada aos factores de carácter histórico e contextual que referimos, estão infiltrados na nossa tradição de pensamento, de uma forma ou de outra, acabam por se espelhar no quotidiano laboral, preservando as atitudes antes referidas, levando a que cada um de nós as evoque sempre que pensa no erro ou nos vemos confrontados com a sua ocorrência. Opções indesejáveis como a negação, o encobrimento, a dissimulação, a fuga das consequências, a tentativa de esquecimento, a apresentação dos insucessos como sucessos, a recusa da responsabilidade e, talvez mais grave, a imputação a outrem, não são, pois, de estranhar.

Trata-se de atitudes que Popper, em diversos passos da sua vasta obra, considera, estas sim, como verdadeiros "pecados intelectuais", pois ao contribuírem para a confusão entre o verdadeiro e o falso, o real e o imaginário, ameaçam a objectividade e a rectidão que deve guiar a acção profissional. Nesta linha de pensamento, não são só os erros concretos que nos devem preocupar mas também, e talvez sobretudo, as atitudes face ao erro, pois são elas que impedem ou perturbam a antecipação e o tratamento de erros.

É esta preocupação que temos de encarar, ainda que não se trate de uma tarefa simples, envoltos que estamos numa cultura que tende a encarar o erro com reserva, diplomacia, circunspecção, ocultação… Trata-se de uma tendência justificável sob o ponto de vista da ideia que construímos para nós próprios e que queremos proporcionar aos outros, mas que se revela altamente enganosa, mistificadora e lesiva para o avanço do conhecimento e para a resposta profissional que se espera de nós. Efectivamente, “o erro parece inevitável”, “todos devem entender que mesmo quando tudo é feito segundo as regras o erro pode acontecer” (Fragata & Martins, 2004, 24) e, nessa medida, precisamos de encontrar recursos afectivos e cognitivos para aceitar a sua existência na nossa vida e, sobretudo, para lidar com a sua eventualidade e ocorrência concreta.

Referências:
Fragata, J. & Martins, L. (2004). O erro em medicina: perspectivas do indivíduo, da organização e da sociedade. Coimbra: Almedina.
Hargreaves, A. (1998). Os professores em tempo de mudança: trabalho e cultura dos professores na idade pós-moderna. Lisboa: Mc Graw-Hill.
Lentin, J. P. (1994). Je pense donc je me tromp. Les erreurs de la science de Pythagore au Big Bang. Paris: Albin Michel.
Lobo Antunes, J. (2002). Memória de Nova Iorque e outros ensaios. Lisboa: Gradiva.
Pereira, O. G. (1983). Erro humano: uma conferência internacional. Análise Psicológica, vol. III, n.º 3, 309-326.
Perrenoud, P. (1993). Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote.
Popper, K. (1999). O mito do contexto: em defesa da ciência e da racionalidade. Lisboa: Edições 70.
Rauterberg, M. (1996). Why and what can we learn from human errors? A. F. Özok & G.Salvendy (Eds). pp. 827-830. Advances in applied ergonomics. West Lafayette: USA Publishing Corporation, 1996.
Salgado, M. & Henriques, R. (2002). Um caso inesquecível. Saúde Infantil, 69-77.
Senders, J. W. & Moray, N. P. (1991). Human Error: cause, prediction and reduction. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

A “Book-Season”

Comentários dos leitores do De Rerum Natura ao meu texto Os livros são feitos para serem vendidos fizeram-me lembrar o Capítulo II do livro Cartas de Inglaterra, de Eça de Queiroz, que tem por título Acerca dos Livros (Edição de Lello e Irmão, 1951, páginas 17-30).

Livros sobrantes, livros a mais, livros que ocupam espaço e só isso, livros a que não sabemos que destino dar parece ser um cenário que, a avaliar pelo final do dito capítulo, Eça não teria imaginado para o nosso país.

"Outubro chegou, e com este mês, em que as folhas caem, começam aqui a aparecer os livros, folhas às vezes tão efémeras como as das árvores, e não tendo como elas o encanto verde, do murmúrio e da sombra.
Estamos, com efeito, em plena Book-Season, a estação dos livros.
(…)
Isto não quer dizer que fora desta estação (Outubro a Março) se não publiquem livros em Inglaterra – longe disso, Santo Deus! (…) Significa simplesmente que as grandes casas editoras de Londres e de Edimburgo reservam para as lançar nesta época as suas grandes novidades. Um livro de Darwin, um estudo de Matthew Arnold, um poema de Tennyson, um romance de George Meredith serão evidentemente guardados para a estação. De resto, durante todo o ano não se interrompe, não cessa essa publicidade fenomenal, essa vasta, ruidosa, inundante torrente de livros, alastrando-se, fazendo pouco a pouco sobre a crosta da terra vegetal do globo uma outra crosta de papel impresso em inglês.

Não sei se é possível calcular o número de volumes publicados anualmente em Inglaterra. Não me espantaria que se pudessem contar por dezenas de milhares. Aqui tenho eu diante de mim, no número de ontem do Spectator, a lista dos livros lançados esta semana: NOVENTA E TRÊS OBRAS! E isto é apenas a lista do Spectator. Apenas o que se chama aqui Literatura geral... Não se contam as reimpressões; nem as edições dos clássicos, em todos os formatos, desde o infólio, que só um Hércules pode erguer, ao volume-miniatura, cujo tipo reclama microscópio, e em todos os preços, desde a edição que custa 50 libras até à que custa 50 réis: não se contam as traduções de livros estrangeiros, sobretudo as literaturas da antiguidade; não se conta, enfim, essa incessante produção das Universidades, essoutra levada de gregos e latinos, de comentários, de glossários, de infólios, que lançam de si, aos caixões, as imprensas de Clarendon.

Há nesta literatura geral uma espécie de que o Inglês não se farta – a literatura de viagens. Já não falo nos romances: isso não constitui hoje uma produção literária, é uma fabricação industrial.

Na vida doméstica inglesa, a novela tornou-se um objecto de primeira necessidade, como a flanela ou as fazendas de algodão: e, portanto, toda uma população de romancistas se emprega em manufacturar este artigo por grosso e tão depressa quanto a pena pode escrever, arremessando para o mercado as páginas mal secas no ansioso conflito da concorrência.

Mas a gula, a gulodice de livros de viagem é também considerável, e de resto bem explicável numa raça expansiva e peregrinante, com esquadras em todos os mares, colónias em todos os continentes, feitorias em todas as praias, missionários entre todos os bárbaros, e no fundo da alma o sonho eterno, o sonho amado de refazer o Império Romano. Isto produziu um outro industrial – o prosador viajante.

Antigamente contava-se a viagem quando casualmente se tinha viajado: o homem que visitava países longínquos, se achava em aventuras pitorescas, à volta, repousando ao canto do seu lume, tomava a pena e ia revivendo esses dias numa agradável rememoração de impressões e paisagens. Hoje, não. Hoje empreende-se a viagem unicamente - para se escrever o livro. Abre-se o mapa, escolhe-se um ponto do universo bem selvagem, bem exótico, e parte-se para lá com uma resma de papel e um dicionário. E toda a questão está (como a concorrência é grande) em saber qual é o recanto da Terra sobre que ainda se não publicou livro! Ou, quando o pais é já toleravelmente conhecido, se não terá ainda alguma aldeola, algum afastado riacho sobre que se possam produzir trezentas páginas de prosa...

Quem hoje encontrar, em algum intrincado ponto do globo, um sujeito de capacete de cortiça, lápis na mão, binóculo a tiracolo, não pense que é um explorador, um missionário, um sábio coligindo floras raras – é um prosador inglês preparando o seu volume.

Nada elucida como um exemplo. Aqui está a lista dos livros de viagens publicados em Londres nestas duas últimas semanas.

É claro que eu não os li, nem sequer os enxerguei. Copio os títulos, somente, da lista de dois jornais de crítica: o Atheneum e a Academy. Note-se que estes livros são quase sempre bem estudados: dão o traço e a linha que pinta, a paisagem com a sua cor e luz, a cidade com o seu movimento e feições; são gráficos e são críticos; têm a geografia e têm a observação; e mais ou menos fazem reviver com o detalhe característico o povo visitado, na sua vida doméstica, a sua religião, a sua agricultura, o seu desporto, os seus vícios, a sua arte, se a tem. Calcule-se, pois, a importância desta literatura, que se toma assim um inquérito sagaz, paciente, correcto, feito ao universo inteiro (…).
Ainda há outros, ainda há muitos – e em quinze dias!

Seria curioso dar paralelamente a lista de poemas, livros de poesias, odes, baladas, tragédias, anunciados ou já publicados na primeira quinzena da estação – mas não tenho paciência em revolver todo esse lirismo. Há uma «grande sensação»: o livro de Dante Rosseti, um dos mestres modernos: o resto é apenas um bando amoroso e triste de rouxinóis.

Não menos espessas, nem menos compactas, são as listas dos livros de teologia, controvérsia, exegese, etc. – exalando de si uma melancolia de cemitério. Em metafísica há o costumado sortimento – maciço e vago, como diria Herbert Spencer. Em história, biografia, crítica, as listas bibliográficas vêm riquíssimas... Enfim, ao que parece, é uma formidável e grandiosa estação de livros. Aos romances, nem aludo: montões, montanhas – e monturos!

Uma pastora meio selvagem das Ardenas, que nunca vira outro espectáculo mais grato ao seu coração do que as cabras que guardava, foi um dia trazida das suas serranias a Paris, quando no bulevar passava, com a tricolor ao vento, um regimento em marcha. A pobre donzela fez-se branca como a cera, e só pôde murmurar numa beatitude suprema:
– Jesus!, tanto homem!
Eu sei que estou aqui fazendo o papel ridículo desta pastora, e balbuciando, com a boca aberta, como se chegasse também das Ardenas:
– Jesus!, tanto livro!
Mas não é este grito, como o da pastora, natural?
O beduíno do deserto do Oeste que, passando a Serrania Líbica, avista pela primeira vez, imenso, lento, enchendo um vale, o rio Nilo, exclama espantado:
– Alá!, tanta água!
A água é a sua preocupação: todas as tristezas das areias que habita vêm da falta da água: mais que ninguém sente as maravilhas que a água produz; e no seu grito há uma tímida repreensão a Alá! «Tanta água aqui e tão pouca lá donde eu venho!...». Assim eu venho... Mas o resto da comparação complete-a, antes, o leitor astuto."

Poesia e exames

A propósito do pequeno texto de Francesco Alberoni sobre os exames escolares antes publicado, um leitor do De Rerum Natura enviou-nos um comentário que destacamos, pelo facto de aquilo que é do domínio da educação, tal como tudo o resto, não poder deixar de se cruzar com a literatura e, em particular, com a poesia.

"Só quando temos que enfrentar um exame é que nós nos apercebemos do que podíamos e devíamos ter feito. Antes tendemos a deixar-nos embalar pelas ilusões, a imaginar o mundo como nos gostaria que fosse" (Francesco Alberoni, 1995).

Há uma passagem no poema O Guardador de Rebanhos do Fernando Pessoa (Alberto Caeiro):

XLI

No entardecer dos dias de Verão, às vezes,
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece
Que passa, um momento, uma leve brisa...
Mas as árvores permanecem imóveis
Em todas as folhas das suas folhas
E os nossos sentidos tiveram uma ilusão,
Tiveram a ilusão do que lhes agradaria...
Ah, os sentidos, os doentes que vêem e ouvem!
Fôssemos nós como devíamos ser
//
E não haveria em nós necessidade de ilusão ...
Bastar-nos-ia sentir com clareza e vida
E nem repararmos para que há sentidos ...
Mas graças a Deus que há imperfeição no Mundo
Porque a imperfeição é uma cousa,
E haver gente que erra é original,
E haver gente doente torna o Mundo engraçado.
Se não houvesse imperfeição, havia uma cousa a menos,
E deve haver muita cousa
Para termos muito que ver e ouvir...

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Livros de Agosto

Informação recebida da Editora Gradiva

Livros de Agosto de 2009, disponíveis a partir de 19 de Agosto.

Saber e Ensinar Matemática Elementar de Liping Ma

«É um livro que se recomenda a todos quantos se preocupam com o ensino da matemática e com os seus resultados reais. [...] Assim ele seja lido com olhos de ler pelos responsáveis do governo, instituições de ensino superior e escolas, por professores e por todos os interessados nos problemas da educação.» Arsélio Martins
«Temas de Matemática», nº 8, 280 pp., € 16,00


Cristianismo e Evolucionismo em 101 Perguntas e Respostas de John F. Haught

A evolução anula a crença numa criação de origem divina? O «criacionismo científico» constitui uma alternativa razoável à evolução? O livro de John F. Haught responde a estas e outras perguntas de modo fundamentado, sob a forma de um diálogo – ainda e sempre em curso – entre crença religiosa e ciência empírica.
«Fora de Colecção», nº 318, 244 pp., € 14,00


O Cérebro que Aprende - Lições para a Educação de Sarah-Jayne Blakemore e Uta Frith

Os desenvolvimentos recentes das neurociências permitem-nos conhecer com maior exactidão os mecanismos de aprendizagem. Ficámos a saber, por exemplo, que a plasticidade do cérebro permite que um adulto aprenda tão bem como uma criança, e que a difícil fase da adolescência se reflecte na aquisição de novos conhecimentos. Um livro que transpõe os conhecimentos teóricos para as suas implicações práticas.
«Fora de Colecção», nº 317, 308 pp., €19,00

O Professor de Darwin de Hélder Costa

Texto da peça que foi representada por A Barraca paralelamente à exposição patente na Fundação Calouste Gulbenkian, A Evolução de Darwin. Da autoria do dramaturgo e encenador Helder Costa, realça a figura de Henslow, mestre de Darwin, figura que, apesar de ofuscada posteriormente pelo brilhantismo do discípulo, foi fundamental para a sua formação de cientista.
«Fora de Colecção», nº 319, 80 pp., € 5,00

E unicórnios cor-de-rosa invisíveis??

Enquanto o seu chefe continua embrulhado em questões judiciais, os membros do turco Bilim Arastirma Vakfi, BAV, fazem jus ao artigo da Science que os indicava como «um dos movimentos anti-evolução mais fortes do mundo fora da América do Norte». Mas a intervenção mais recente dos seguidores do autor do tijolo criacionista parece indicar que a força bruta não é o seu único apanágio, a estupidez, também bruta é, quiçá, um melhor adjectivante do movimento.

De facto, ontem, num programa na televisão turca, dois dos seus membros, os mesmos Oktar Babuna e Cihat Gündoğdu que há escassos meses me fizeram aplaudir uma medida do Vaticano, lançaram as questões, totalmente imbecis, que para eles arrumam o debate sobre evolução.

Segundo os criacionistas turcos, seres mitológicos são a prova provadinha que o evolucionismo é uma torpe «impostura» que promove «estilos de vida anti-religiosos e imorais». Mais concretamente, para eles a teoria da evolução é uma invenção porque falha totalmente na explicação da evolução (ou sexo, já agora) de anjos e demónios - protagonistas da única teoria (?) IDiota - ou da serpente causadora na fatídica dentadinha no fruto da árvore do conhecimento (que já sabemos, via o site humorístico «Respostas no Genésis», não ser a Najash rionegrina).

Para o mundo da ciência é de facto um mistério, da fé certamente, que haja quem pense que invocar serpentes palradoras ou outros animais fabulosos é prova do que quer que seja. A não ser, claro, do grau avançado de dissonância cognitiva de quem debita semelhantes barbaridades...

O que se esquece do se lê e se escreve

É estranho pegarmos num livro que já lemos e parecer-nos um livro novo, que nos apanha de surpresa e nos desvenda frases que, quase juramos, estamos a apreciar pela primeira vez. Porém os sublinhados e as anotações, numa caligrafia que reconhecemos ser nossa, garantem-nos que passámos por elas antes.

Nesse momento, não podemos deixar de perguntar: para onde foram, em que dimensão de nós se esconderam? Apesar de não conseguirmos descobrir quando ou onde nos detivemos nelas, como influenciaram a nossa vida, pressupomos estarem arrecadadas na nossa memória, terem-se, até, tornado um pouco naquilo que somos.

O conhecimento do que já foi conhecido, o distanciamento do que já foi próximo é ainda mais surpreendente quando passamos da leitura para a escrita que saiu da nossa mão. Vêm estas considerações, a propósito do casual (re)encontro com o Livro do Desassossego. Fernando Pessoa, na fala de Bernardo Soares, disserta da seguinte maneira sobre o fenómeno:

“Mas a que assisto quando me leio como a um estranho? (…) encontro trechos que não me lembro de ter escrito – o que é pouco para pasmar –, mas que nem me lembro de poder ter escrito – o que me apavora. Certas frases são de outra mentalidade. É como se encontrasse um retrato antigo, sem dúvida meu, com uma estatura diferente, com umas feições incógnitas – mas indiscutivelmente meu, pavorosamente eu.”

domingo, 16 de agosto de 2009

Hand in Hand

No belíssimo blogue da fadista Aldina Duarte, encontra-se, com regularidade, poesia e fotografia criteriosamente seleccionada e articulada, mas também se encontram outras expressões artísticas.

Na última visita que fiz encontrei um filme extraordinário que se intitula Hand in Hand e que afirma e confirma a importância da educação de excelência.

A coreografia é de Zhao Limin e a performance de Ma Li e Zhai XlaoWell.

Para o ver, pode o leitor carregar aqui.

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...