sexta-feira, 3 de novembro de 2023

VIDAS PETRIFICADAS

 
Novo post de Galopim de Carvalho: 
 
Fósseis e fossilização 
 
Fóssil (do latim fossilis, que quer dizer desenterrado), é hoje um conceito amplamente vulgarizado, aprendido nos bancos da escola, nos museus de História Natural ou em séries televisivas, apresentado como todo e qualquer vestígio identificável, corpóreo ou de actividade orgânica, de um ser do passado, chegado até nós, conservado no seio de uma rocha, portanto, em contexto geológico. 
 
Os geólogos pioneiros davam-lhes o sugestivo nome de petrificados, dado que, na grande maioria dos casos, são vestígios de antigos animais e plantas transformados em pedra. Animais e plantas do passado, que constituem o objeto de estudo da Paleontologia (do grego palaiós, que quer dizer antigo, ontos que significa ser, e logos, que alude a estudo). 
 
O vocábulo “paleontologia” foi usado, pela primeira vez, em 1882, pelo zoólogo e anatomista francês, Henri Marie Ducrotay de Blanville (1777-1850), editor do Journal de Phisique
 
Em Paleontologia fala-se de somatofósseis (do grego soma, -atos, que significa corpo) sempre que:
(1) os achados correspondem à totalidade do corpo do ser, o que é relativamente raro,
(2) os apenas representados por partes ou restos maiores ou menores do seu corpo (ossos, dentes, concha, carapaças, troncos, folhas) o que é frequente, e ainda,
(3) os moldes desses corpos ou partes deles deixados na rocha que o envolveu.
São icnofósseis (do grego ichnós, que significa traço, marca) os vestígios da sua existência, como são as pegadas e outros rastos, as dentadas e perfurações em carapaças, os gastrólitos (pedras que ingeriam para ajudar a triturar os alimentos, no estômago, à semelhança da moela nas galinhas), os ovos e os coprólitos (excrementos fossilizados) e outros vestígios de actividade orgânica. 
 
Designam-se por macrofósseis todos aqueles que podem ser estudados à vista desarmada e por microfósseis os cujo estudo tem de ser feito lupa ou ao microscópio. Destes, uns são organismos de dimensões submilimétricas (foraminíferos, ostracodos, acritarcos, diatomáceas, carófitas) a nanométricas, como são os nanofósseis calcários (cocólitos de cocolitoforídeos). Outros são partes muito pequenas de organismos de maiores dimensões (e.g. espículas de esponjas e ascídias, otólitos de peixe, escamas dérmicas de seláceos). 
 
Entende-se por fossilização a passagem de um corpo de um ser vivo, ou parte ao respectivo fóssil. Para tal é necessário tenham ficado rapidamente protegidos contra os agentes destruidores, nomeadamente, o oxigénio do ar. Assim, é necessário que tenham sido imediatamente cobertos pelos materiais em sedimentação. Geralmente fossilizam com maior frequência as partes duras, esqueléticas, ou os seus fragmentos, como ossos, dentes, carapaças, conchas, escamas, etc., que são alvo de mineralização por certos elementos químicos, minerais, como carbonato de cálcio (calcite), sulfureto de ferro (pirite), fosfato de cálcio (apatite) ou dióxido de silício ou sílica (opala, calcedónia e quartzo microcristalino). Ficando mais resistentes, conservam-se melhor. Fala-se, assim, de calcitização, piritização, fosfatização e silicificação. Um exemplo particular de mineralização é a substituição da matéria orgânica dos tecidos lenhosos de plantas por sílica, quer sob a forma de calcedónia, quer sob a de opala (xilopala), de que são exemplos os troncos de árvores silicificados, de idade triásica, do Parque Nacional da Floresta Petrificada, no Arizona (EUA). 
 
Há, todavia, casos, embora raros, em que fossilizaram as partes moles. Esta ocorre quando o ambiente sedimentar é muito rico em matéria orgânica que, na ausência de oxigénio, permite que alguns órgãos ou partes não esqueléticas fiquem preservados no sedimento. Um exemplo é do contorno do próprio corpo do animal bem evidente nos ictiossáurios do Jurássico de Inglaterra). A mumificação corresponde preservação parcial ou total do corpo do ser, devido à sua inclusão em substâncias que impedem ou minimizam o processo normal de decomposição, como são os asfaltos, as resinas e o gelo. 
 
São conhecidos fósseis de rinocerontes mumificados, em asfalto, nos Cárpatos orientais e em La Brea (Califórnia, E.U.A.), de mamutes congelados no permafrost (solo permanentemente gelado ou pergelissolo) da Sibéria e de insectos e outros artrópodes aprisionados em âmbar (uma resina fóssil). 
 
A incarbonização é um tipo de fossilização, muito particular, que consiste no enriquecimento progressivo em carbono, relativamente aos outros componentes do corpo fossilizado, via de regra, vegetal. Esta transformação tem lugar ao abrigo do ar e nela participam bactérias aneróbias. Os carvões fósseis, como a lenhite, a hulha e a antracite, são exemplo de diferentes graus de incarbonização e atestam a importância deste processo ao longo da história da Terra.
 
A moldagem resulta do preenchimento interno das partes duras do ser vivo por sedimentos, ou da moldagem da face externa dessas mesmas partes. 
 
Conhecem-se fósseis que só ocorrem em rochas geradas em determinados ambientes ou fácies. Tal acontece porque os indivíduos que lhe deram origem ocupavam um habitat muito restrito. São os fósseis de fácies, particularmente úteis em reconstituições paleoambientais. Fósseis correspondentes a espécies de existência efémera, à escala geológica, têm grande utilidade em correlações cronológicas, em estratigrafia, pois estão confinados a intervalos de tempo muito restritos, e, portanto, com particular utilidade em datação de idade relativa por via da biostratigrafia, ou absoluta por via da biocronologia). 
 
São os fósseis de idade ou indicadores biostratigráficos e têm tanto mais interesse estratigráfico quanto maior tenha sido a expansão do respectivo ser, à escala global, e quanto melhor tenha sido a sua capacidade de fossilização, aspectos que determinam a sua abundância. 
 
Ao invés dos fósseis de idade, há outros de grande distribuição vertical (no tempo) e, portanto, sem grande interesse em geocronologia relativa. Correspondem a seres que se mantiveram praticamente invariantes ao longo dos tempos, alguns dos quais chegaram até nós. Entre outros, são exemplos o Nautilus (cefalópode), o Latimeria (celacanto), as baratas (Arthropleura) e a Ginkgo biloba (uma árvore). São as chamadas formas pancrónicas, cujos vestígios fossilizados recuam a muitas dezenas e, mesmo, a centenas de milhões de anos. 
 
Os mais antigos 
 
São conhecidos testemunhos de seres muito antigos, atribuídas a cianobactérias, identificadas em rochas sedimentares do Arcaico da Suazilândia, com cerca de 3000 Ma. Diga-se, a propósito que o Arcaico (do grego arkhé, principio ou origem) é o período da história da Terra com mais de 2500 Ma. 
 
Embora não tenham deixado fósseis, no sentido habitual do termo, outros seres rudimentares, geradores de estruturas afins, estão na origem de carbono orgânico em rochas sedimentares da Austrália, com 3500 Ma, e da Gronelândia, com cerca de 3700 Ma. A vida ao longo do Arcaico e do Proterozóico esteve confinada ao mar, representada, sobretudo, por bactérias e algas dificilmente fossilizáveis. 
 
Diga-se, a propósito, que o Proterozóico (do grego proterós, anterior, e zoo, animal), é o intervalo de tempo da história da Terra compreendido entre 2500 e 539 Ma 
 
A primeira e a mais célebre ocorrência do surgimento dos metazoários (animais pluricelulares) foi encontrada no Proterozóico superior dos Montes Ediacara, no sul da Austrália, de idade compreendida entre 635 e 539 Ma. De corpo mole e sem partes esqueléticas, a fossilização destes seres primitivos (medusas, penas-do-mar, entre outros) é um acontecimento raro e de grande importância. 
 
A grande raridade de fósseis no Precâmbrico, isto é, o conjunto do Arcaico e do Proterozóico (os primeiros 4028 dos 4567 Ma de idade do nosso planeta, ou seja, cerca de 90%), deve-se à inexistência de seres com esqueleto. As substâncias construtoras de esqueletos (quitina, carbonato de cálcio, sílica e fosfato de cálcio) só começaram a ser elaboradas a partir de um dado nível de oxigénio na atmosfera, estimado entre 3 e 7% do valor actual, o que aconteceu no início do Fanerozóico, (do grego “phanerós,” visível, e zoo, animal), há 539 Ma. 
 
Ao contrário das inúmeras dúvidas e incertezas relativamente ao Precâmbrico, os elementos paleontológicos dos tempos que se lhe seguiram são abundantes, permitindo uma informação mais vasta e segura. O Fanerozóico iniciou-se por uma explosão de vida onde já estão representadas plantas não vasculares (algas) e quase todos os grandes grupos de invertebrados existentes na actualidade, a maioria com partes esqueléticas susceptíveis de fossilizar. 
 
A vida continuava confinada ao meio marinho, iniciando uma caminhada evolutiva no sentido da biodiversidade actual.
 
Ao longo desta evolução, a biosfera sofreu diversos eventos de perturbação extrema, marcadas por extinções em massa à escala global, após o que novas espécies repovoaram os lugares deixados pelas que desapareceram. A Paleontologia tem por suporte o registo fóssil dos animais e plantas que nos precederam. Registo vastíssimo, que não pára de crescer, enchendo armários e gavetas de museus, centros de investigação, universidades e, não menos importante, coleccionadores. Complemento essencial da Geologia, a Paleontologia tem particular importância em Biologia e em Estratigrafia, a disciplina que lê nas camadas das rochas sedimentares como de páginas de um livro se tratassem.
 
António Galopim de Carvalho

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