Por Eugénio Lisboa
Se não formos autorizados a rir
no Céu,
não quero ir para lá.
Martinho Lutero
Há gente, talvez bem intencionada, com bons propósitos de querer salvar o mundo, mas que está sempre zangada. Talvez por estarem zangados consigo próprios, não conseguem estar de bem com quase ninguém.
O notável poeta e crítico inglês, do século XIX, Matthew Arnold, era por toda a gente considerado uma excelente pessoa, mas estava sempre zangado com tudo e com todos, de modo que se dizia, dele, que, boa pessoa que era, iria com certeza para o céu, mas que não iria gostar de Deus.
São pessoas que, em vez de se rirem com uma boa piada, se zangam. Querem salvar o mundo e os homens, mas, no fundo, não gostam nem do mundo nem dos homens que querem salvar. Parafraseando o pérfido e brilhante Wilde, diria que é preciso termos um coração de pedra, para não desatarmos a rir com tanta zanga.
Lido com gente assim, há muito tempo. Visam a felicidade da Humanidade, mas são incapazes de a construir em casa. Não sabem rir, coisa perigosa. Mesmo, quando o fazem, como não foram formatados para isso, fazem-no com um rictus de sofrimento.
Woody Allen dizia de si próprio: “A maior parte do tempo, não tenho muita graça. O resto do tempo não tenho graça absolutamente nenhuma.”
Esta gente zangada de que falo vive sempre no resto do tempo de Woody Allen. Repito, são perigosos. Como não sabem rir, não são capazes de se rir de si próprios e, por isso, não sabem fazer autocrítica. Acreditam em projectos grandiosos, mas não são capazes de resolver pequenos problemas domésticos. Têm visões planetárias, mas tropeçam na primeira pedra que lhes saia ao caminho. E, normalmente, riem-se quando não devem. São gente para fazer grandes purgas, quando não se pensa como eles. Diga-se, de passagem, que “pensar” não é o seu forte. Não gostam de pensar e odeiam visceralmente quem pensa pela própria cabeça. Preferem receber “directivas” de autoridades reconhecidas.
Bertrand Russell dizia, com imensa graça, que, quando nos cortam a cabeça, a nossa capacidade de pensar diminui consideravelmente. É o que se passa com esta gente zangada, que pulula nas redes sociais: andam por aí, dando pulos desorientados, como galinhas decapitadas.
Eugénio Lisboa
1 comentário:
Mais um tema de grande interesse que até dava um curioso título para um ensaio. Gente zangada. Gente zangada não se ri. Enquanto ri a gente não se zanga. Acontece o mesmo com o choro. Ninguém ri e chora ao mesmo tempo. Mas há personagens que têm afivelada a máscara do riso, do choro, da ira, da bonomia, da sonolência, da loucura, etc.. D. Quixote, por exemplo, não ria e não fazia rir. Sancho compreendia de tal modo o seu amo que nem tentava fazer graça.
Há uma autenticidade na expressão dos sentimentos e das emoções, seja pela ira, seja pelo riso, ou pelo choro, pela euforia, pela estupidez, pela loucura, ou pelo mutismo, que não se compadece com zombarias ou com por a ridículo alguém, porquanto isso é de mau gosto, é feio, e tem de maldade.
Gente zangada, gente animada, gente embriagada, gente drogada, gente alienada, gente feliz, gente pobre, gente desprezada, gente triste, gente galvanizada, gente ilustrada, gente castigada, gente oprimida, gente do campo e gente da cidade, gente de armas, gente de fora e gente da terra, gente é uma palavra portuguesa do mais versátil que há.
Gente zangada pode fazer jus à muito conhecida expressão “quem não se sente não é filho de boa gente.
De qualquer modo, gente que gosta de rir dos outros, em geral, não suporta, ou tolera mal, que se riam à sua custa. Não é o caso dos grandes humoristas, como Woody Allen que, preferencialmente, e por curiosa necessidade, riem de si próprios.
Aposto que Deus não ri, nem tem sentido de humor, mas também não se zanga.
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