domingo, 5 de junho de 2022

EDUCAR RUMO À "FELICIDADE": TEMOS O MODELO, TEMOS EXEMPLOS, O QUE NOS IMPEDE?


Passou recentemente na RTP um episódio sobre educação incluído numa série designada Planeta A (ver aqui). O texto de apresentação não está assinado. Presumo que não tenha sido escrito por alguém com formação em Educação, tantos são os erros, as falácias e, até, as contradições que vai buscar à já consagrada "narrativa da educação do futuro", produzida por entidades como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

A escola actual, diz-se, está parada no tempo, evangeliza (como há 500 anos?!), em vez de democratizar, impede que os alunos alcancem a felicidade e de, um dia, encontrarem soluções para os problemas do mundo. É preciso salvar as crianças e o mundo, sob pena de as primeiras colapsarem emocionalmente e de o segundo ser completamente destruído. Uma vez lançado o quanto basta de medo, apresenta-se, de imediato, a salvação. Aliam-se às palavras, exemplos concretos que, aqui e ali, levam a sério a autonomia, a criatividade e a liberdade dos mais jovens. Nesses exemplos, a escola deixa de ser escola, anula-se o currículo, o professor pára de ensinar... Desta maneira, por fim, os alunos, com apoio de tutores, mentores, "coachs" e outras figuras que se inventem, e, claro, com recurso a tecnologias de ponta, desenvolvem competências emocionais e aprendem, de modo significativo, o que a sua curiosidade "natural" lhes indicar. Eis o texto que torna muito mais real a minha descrição:
"O ensino dos dias de hoje continua a seguir, maioritariamente, os métodos e os pressupostos pensados para levar a cabo as campanhas de evangelização religiosa há pelo menos 500 anos: aulas expositivas a partir de um púlpito para uma plateia mais ou menos passiva, que se limita a reproduzir aquilo que recebe. As consequências negativas da insistência num modelo datado, são visíveis: os alunos gostam cada vez menos de assistir às aulas; os jovens sofrem com a pressão das avaliações e dos resultados; a saúde mental nas escolas está a deteriorar-se. São muitos os que acham que o ensino moderno não deve apenas preparar os alunos para um emprego para a vida, uma vez que a grande maioria não viverá essa realidade. A solução, defendem alguns especialistas, passa por dotar as crianças e os jovens de competências emocionais que lhes permitam conservar felicidade e resiliência - mesmo face às incertezas do mundo exterior. Alunos felizes, seguros e confiantes são mais capazes de enfrentar os desafios de um planeta em rápida mudança. Quando vai a escola compreender esta premissa e mudar também? (...) o anfitrião da série, mergulha no dia-a-dia (...) de uma escola democrática assente num modelo de ensino que permite uma participação mais activa dos alunos e elimina as restrições das escolas tradicionais (...) não há professores, não há aulas, currículos, horários ou calendário de testes. Há sala de música, cinema, ginásio, sala de vídeo-jogos, sala de estar e de conversar, cozinha. Os alunos fazem o que desejam, aprendendo por eles próprios e de acordo com as suas motivações individuais. Visto por alguns como um modelo demasiado controverso e utópico, a verdade é que, em Portugal, algumas escolas públicas aprenderam com o exemplo das escolas democráticas e incutiram uma maior flexibilidade nos seus planos curriculares. O objetivo? Caminhar em direção a um ensino cada vez mais "à la carte", onde os alunos desenvolvem autonomia ao aprenderem por eles próprios, alicerçados na tutoria dos professores e no uso das novas tecnologias.
Depois de ler este texto uma, duas vezes, resisti a ver o episódio. Mas, vi-o e tirei os apontamentos que reproduzo abaixo. Noto que os intervenientes principais, além de "alunos" de uma escola-exemplo, inscrita no movimento das escolas democráticas, são representantes de uma fundação e de empresas que, como muitíssimas outras, estão no “mercado global de educação” (Ball, 2014), no “gigantesco mercado educacional” (Krawczyk, 2018).

Diz uma "aluna" dessa escola (ver aqui), que é privada e se apresenta como "democrática" porque nela "cada um aprende o que lhe apetece":
"Imagine uma espécie de grande casa de férias de verão, repleta de pessoas onde, em função das afinidades, do estado do tempo, da vontade nesse dia, acontecem imensas coisas diferentes; [cada um] é livre de tomar decisões que dizem respeito à sua vida na escola. Cada um é livre de (...) decidir as suas aprendizagens. Não achamos que possa existir alguém que vista a pele de professor (...) que seja professor o tempo todo e que só ele nos pode ensinar e fazer aprender. Consideramos, aliás, que ninguém ensina nada a ninguém, é a pessoa que aprende".

Esclarecidos os pressupostos de base, sobretudo o que diz respeito à dispensa do professor, explica essa "aluna" quem está nesta "casa de férias" e com que funções:

"Temos alguém que designamos por responsável de relações com o exterior. É alguém que fica incumbido de procurar recursos humanos fora da escola sempre que precisamos (...). Os membros mais velhos desta escola não são tratados como professores nem lhes é exigido que tenham formação pedagógica. Há três pessoas como membros permanentes. Têm a responsabilidade de garantir o bom funcionamento da escola. Temos os mesmos direitos e deveres de outros membros [adultos] sejam eles voluntários ou não remunerados ou, ainda, membros inscritos na escola para um ano de escolaridade. Achamos que o ideal seria permitir aos jovens escolher a forma como querem aprender, crescer…”

Aqui - e mais adiante - vejo grandes proximidades com os novos "Cenários da OCDE": qualquer agente da sociedade (de fora da escola) pode ajudar os alunos a aprender... A não remuneração consta, de modo muito preocupante, noutros documentos recentes dessa entidade.

Leio o que se segue mas tenho de voltar atrás por pensar não ter percebido bem: numa escola que se apresenta como democrática nem todos entram... Entram se, em assembleia, através de um processo de votação, for decidida “a entrada de novos membros jovens. Que fica em período experimental”. Recordei-me, então, que a escola é privada e, como escola privada, pode fazê-lo.

Segue-se, no episódio, a intervenção do director de um programa destinado à educação de uma fundação portuguesa. Mantém alguma coerência com o discurso tido até aqui, mas valoriza as escolas:

“O paradigma do qual partem as várias experiências das escolas democráticas é que o autor do processo educativo não é o professor nem é o ministério da educação nem é o autor do manual, é cada um dos alunos. São escolas onde se promove a colaboração, a autonomia e a responsabilidade e não a passividade e a assimilação de conhecimentos. Não podemos conceber a educação se não for democrática, por uma razão simples, ninguém aprende contra a sua vontade. As crianças e os jovens têm imensa vontade de aprender.”

O anfitrião explica (ou corrige?) com um velho argumento:

“A verdade é que a maioria das escolas não é muito democrática por vezes parecem fábricas em que só os resultados importam. Os alunos estão sujeitos a avaliações frequentes, médias, trabalhos de casa em excesso."

É a vez de falar uma CEO, como não podia deixar de ser: os CEO tornaram-se personagens centrais quando se discute a educação escolar (ver aqui):

Refere que num esforço para melhorar a educação, o governo tem reforçado a prestação de contas junto de alunos professores, líderes e administradores, com consequências na saúde mental dos jovens. A avaliação académica faz perder de vista a totalidade do ser humano.

Isto dito como se as empresas, que os CEO representam, estivessem à margem da prestação de contas... 

Neste ponto, era de voltar (mais uma vez!) à Finlândia e de repetir que Portugal não lhe fica atrás. E isto por causa do milagre da "flexibilidade". Diz o director do mencionado programa:

“Há dez anos nós tínhamos vinte escolas que tinham a possibilidade de gerir com alguma, pouca, flexibilidade os curricula. Hoje em dia 100% das nossas escolas podem gerir até 25% do currículo. Isto significa que qualquer escola neste país pode decidir que conteúdos quer acrescentar ou retirar, mantendo aquelas que são as aprendizagens essenciais… há muitas Finlândias nas nossas escolas".

Já a meio do episódio surge destacada uma professora de uma escola portuguesa pioneira na implementação do projecto de autonomia e flexibilidade curricular:

“Aqui na escola temos a robótica e a escola está toda virada para estas ferramentas que irão ser precisas no futuro (…). Eles [os alunos] estão super estimulados com as tecnologias, quase todos em casa jogam no telemóvel e nós temos de ir ao encontro deles (...) deste tipo de escola sairão “alunos emocionalmente mais estáveis com bons valores, sabendo trabalhar cooperativamente, o que é muito difícil, e nós, nos nossos empregos, temos de saber fazer isso cada vez mais”. 

Ideias comuns (erradas mas comuns) e a inevitável ligação ao emprego, mesmo tratando-se de crianças do primeiro ciclo do ensino básico. Persiste em negar a importância da transmissão (“podemos tentar transmitir conteúdos, eles é não vão ser aprendidos") pois os alunos mudaram (os de agora são diferentes do que nós fomos). 

Acrescenta-se outra ideia comum: até agora o esforço dos sistemas educativos foi no sentido de conseguir uma educação para todos, daqui para a frente deve ser concentrado em dar atenção a cada um. Talvez, por isso, e ao contrário do acima dito, mas sem ser marcada a dissonância, diz-se que:

"... são precisos muitos professores, o número dos que se formam não chega para compensar os que estão de saída. São cada menos os candidatos ao ensino. O ensino é uma profissão nobre, os professores são muito necessários, são profissionais capazes de se reinventar."

É a deixa para falar a co-fundadora de uma entidade especializada em mentoria, destinada a apoiar professores (ver aqui) que estão em número reduzido no sistema. Apresentada com formação em bioquímica e não sendo professora, lembra que o insucesso académico está ligado às desigualdades sociais. Ajudar os mais desfavorecidos é a missão da entidade que representa (palavras que são usadas por todos, mas mesmo todos, os representantes de entidades congéneres):

“Recrutamos profissionais de diferentes áreas. A riqueza com que olham para o problema, a forma como vêem soluções são muito diversificadas e damos-lhes a possibilidade de trabalhar connosco por dois anos lectivos. Por dois anos lectivos eles vivem a desigualdade educativa na sua escola e o que vivem, aquilo que vêem, aquilo que experimentam faz com que se comprometam com a desigualdade educativa para a vida".

Havendo o cuidado de ilustrar tão meritória acção com imagens de desfavorecidos, continua o seu depoimento:

“Os mentores não são professores, potenciam a acção do professor em benefício do aluno. A nossa colaboração com o professor surge de modo muito fluída, muito natural, dentro de sala de aula, utilizamos diferentes modelos de colaboração consoante os objectivos, os conteúdos, a turma e também, claro, as mais valias do próprio professor e do próprio mentor".

Volta o director do programa da fundação, com palavras que encontramos nos textos dos citados Cenários, sobretudo com o quarto, que se refere à dissolução da escola. E, a propósito, surgiu (como não podia deixar de ser, tendo em conta recomendações da OCDE) um exemplo do "ensino doméstico", romantizado como convém, a partir de uma família "favorecida":

Vivemos numa realidade em que se aprende dentro da escola não se aprende fora da escola. Temos também a assumpção de que o espaço de aprendizagem é aquele. Tem um portão e uma placa em cima que diz escola. O futuro próximo não será assim. Vamos ter vários contextos de aprendizagem, todos eles contribuirão cada vez mais para o processo educativo, libertando o espaço escolar para as tarefas que exigem interacção, que exigem o confronto. Mediados por professores que estarão capacitados não só para assegurar a transmissão de conhecimentos, essa componente manter-se-á sempre, mas também, e sobretudo, para trabalhar a digestão da informação a que as crianças têm acesso”

O anfitrião reconduz-nos à escola-exemplo para apresentar o caso de um ex-aluno que chegou à escola mal conseguindo expressar-se, mas o poder de argumentação que alcançou ajudou-o a arranjar um emprego:

“Passei três anos aqui, não aprendi muita coisa de Matemática nem de Física, mas aprendi muito sobre a vida em comunidade, conversei com imensas pessoas diferentes e aprendi muitas coisas".

Chegando ao fim do episódio e voltando ao seu principio: pela voz do anfitrião fica apontado o caminho para conduzir cada criança, cada jovem, através da "liberdade individual, da autodeterminação", rumo à felicidade (e à resiliência, que quase me esqueci de mencionar). 

Felicidade que, confessa, lhe foi tantas vezes roubada em criança, na escola evangelizadora, castigadora e entediante, que frequentou. 

Representa-se essa escola através de duas salas de aula uma, para nós, portugueses, ao "estilo Estado Novo" e outra, muito famosa, da Universidade de Bolonha. Nada se passou, portanto, desde há quase mil anos!
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Referências:
BALL, Stephan – Educação global S.A.: novas redes de políticas e o imaginário neoliberal. Ponta Grossa: UEPG, 2014.
KRAWCZYK, Nora – “Brasil - Estados Unidos. A trama de relações ocultas na destruição da escola pública”. In: Krawczyk, Nora (Org). Escola pública. Tempos difíceis mas não impossíveis. Campinas: Faculdade de Educação da Universidade Estadual, 2018, p. 59-72.

15 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

As ideias de democratizar a sociedade, democratizar a escola, democratizar a cultura, democratizar a boa vida, democratizar a felicidade, aparecem frequentemente associadas, e não da forma mais correcta, à ideia de que a sociedade, a escola, enfim, tudo, deve seguir um modelo liberal, muito liberal, muito individualista e funcionar sem paternalismos, baseado na autonomia do indivíduo e na utopia da liberdade total.
Associar a ideia de democracia a esta utopia de liberdade é um grande passo para ignorar o sentido e confundir ambas. Democratizar só faz sentido se significar tornar democrático, e tornar ou ser democrático está muito longe daquela utopia liberal.
Aliás, aquela utopia liberal choca de modo irreconciliável com a democracia e os modos democráticos de gestão e resolução de conflitos e de problemas sociopolíticos e institucionais.
Se quiséssemos ser antipáticos, sem deixarmos de ser democráticos, diríamos que, mais frequentemente do que gostaríamos, constatamos a total incapacidade das escolas para promover aprendizagens que despertem e fomentem o espírito crítico e a hermenêutica. Isto é visto como algo estratosférico, para não dizer exosférico.
Os elevados níveis de especialização requeridos por cada área de análise crítica e fundamentada vão sendo atingidos por um reduzido número de especialistas que só se entendem uns aos outros e, às vezes, só a si mesmos.
Ora, a maioria das pessoas não aspira a uma vida de solilóquios ou de intermináveis discussões consigo mesmo embora possa estar a falar para as paredes, que até têm ouvidos.

Anónimo disse...

Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
Fernando Pessoa
A escola atual, democrática, fascista ou elitista, existe porque é necessária. Para haver escola tem de haver, no mínimo, professores a ensinar e alunos a aprender. A escola é a coisa mais natural do mundo? Não, beber água, por exemplo, é mais natural.
Eu não gostei de frequentar a escola primária, mas hoje reconheço que foi bom ter aprendido a ler, escrever e contar. Nesses tempos da escola primária, eu e os meus colegas preferíamos trepar às árvores e ir, ao lusco-fusco apanhar pirilampos na erva molhada dos campos .
A Família Tradicional, o Estado e a Igreja obrigavam-nos, a estudar: na escola, de segunda a sábado; na catequese, ao domingo. Portanto, a promessa da felicidade plena não é assim tão moderna como alguns querem fazer crer. Só que, felicidades há muitas!...
Esse admirável mundo novo escolar que nos querem impingir, e que, a esmagadora maioria dos professores e educadores de infância no ativo, aprova, pode resumir-se no seguinte:
- Os professores não devem ensinar, devendo ser substituídos por mentores que saibam mentorear;
- Os alunos podem, se quiserem, aprender tudo quando estão na escola ou em toda a parte, mas, se for na escola, só podem aprender a aprender;
- Não deve haver exames, mas, enquanto houver, não podem valer mais do que 30% da classificação final;
- Na escola, a transmissão de conhecimentos por via oral, deve ser reduzida ao mínimo dos mínimos, quando não eliminada para todo o sempre;
- As avaliações e classificações negativas devem ser abolidas administrativamente e substituídas por positivas muito altas que reflitam o sucesso educativo universal e gratuito.
- A violência e indisciplina que grassam nas escolas são apenas casos pontuais desprezáveis do ponto de vista moral e estatístico, facilmente resolúveis com recurso a longos processos altamente burocratizados em que as autoridades do professor e do aluno são consideradas absolutamente iguais.
O mundo está complexo de mais para que cada um possa aprender por si só. A escola e os professores continuam a ser necessários.
Tirem-nos as grelhas da frente para podermos continuar a ensinar em liberdade!

Anónimo disse...

Errata: onde se lê "O mundo está complexo de mais", deve ler-se "O mundo está complexo demais".
Tenho de ser eu a corrigir-me porque, do alto das suas torres de marfim, os maus cientistas da educação, aqueles que eu vergasto todos os dias com a minha prosa acutilante, recusam-se a descer tão baixo quanto é ajudar a corrigir um erro ortográfico, pois isso significaria que, nem que fosse por apenas um instante, estariam a assumir o papel vergonhoso do professor que ensina!
Nas escolas, em Portugal, a anomia geral está a fazer muito mal!

Rui Ferreira disse...

É totalmente despropositado e disparatado aplicar à criança o princípio democrático segundo o qual tudo deve ser decidido entre iguais. As crianças não são «iguais» aos seus professores em matéria do conteúdo educativo.
“Naturalmente, as crianças podem e devem ser treinadas no exercício igualitário da deliberação democrática; é aconselhável que esse critério prevaleça assim em certos assuntos escolares não essenciais; mas é uma fraude converter as crianças numa minoria oprimida pelo autoritarismo docente dos adultos”. (p. 25)
Fernando Savater

Anónimo disse...

Estou a ficar farta de tanta democracia...
O meu sonho é ser uma oligarca anarca.

https://perfildosfamosos.com.br/vitao-altura/ disse...

Achei muito interessante atualmente esta sua postagens.
Vitao Altura Abraços ;) !

Anónimo disse...

Se o objetivo é a felicidade dos cidadãos, principalmente dos mais pobres, então a mim, que não sou das ciências da educação, mas sou das outras, daquelas que começaram com Galileu Galilei, parece-me que a escola democrática, feita de gestão pacífica de conflitos entre maiorias e minorias, constituídas por docentes, discentes, assistentes operacionais e encarregados de educação, não dispõe de impulso catalítico suficiente para operar a substituição da escola do ensino/ aprendizagem e do conhecimento residual pela escola dos afetos e do sucesso académico e socioeconómico para todos. Tudo isto é alegre, tudo isto é escutismo, mas tudo isto não dá para chegar aos calcanhares da minha proposta:
Escola do Amor Livre.
Neste novo modelo de organização escolar serão mantidas todas as valências de cariz democrático, desde as tabelas e grelhas de avaliação com centenas de itens para cada aluno, às medidas universais (MU) e particulares (MP) que garantem avaliações e classificações excelentes, de tudo e de todos, passando pelas Aprendizagens Essenciais (AE), os DAC (Domínios de Autonomia Curricular), o Rumo ao Exame (REX), as RUBRICAS e os SUBDOMÍNIOS, entre outras pérolas da cartilha da chamada Aprendizagem do Aprender a Aprender (AAA). A diferença está no novo lema que vai impregnar as grandes linhas programáticas do Projeto Educativo (PE) de Escola/ Agrupamento, que são o esteio do Plano Anual de atividades (PAA) e do Plano Curricular de Turma (PCT), formando-se assim uma autêntica trilogia de documentação que molda indelevelmente as vidas do cidadão aprendente e do seu mentor eloquente. Eis então o novo lema obrigatório:
“Amai-vos uns aos outros”
Este mandamento, de Jesus Cristo, ressuma afetuosidade e emoção. No fundo, a Escola do Amor Livre vai difundir, entre os gentios, os ideais e práticas do movimento escutista católico. Doravante, a realização de boas ações, dentro e fora da escola, será de caráter obrigatório. As aprendizagens essenciais terão mais a ver com montagem e desmontagem de tendas, fazer fogo com dois pauzinhos, fazer laçadas e nós com cordas e cantar à roda da fogueira. O conhecimento científico propriamente dito fica reservado para outras escolas, situadas noutras áreas do planeta.
Nós ficamos com a felicidade que dão os pastéis de Belém, com muita canela, e os ovos moles.

Eugénio Lisboa disse...

Estamos a entrar num mundo surrealista. Este projecto da "escola democrática" é um verdadeiro Titanic da Educação. Para me ficar por um breve comentário sobre o tão apregoado "curriculum flexível", quando cheguei a Londres, em 1978, havia uma única cadeira curricular: Religião. O resto era à la carte. Cada escola escolhia o CV que entendia. Havia escolas que aboliam a Matemática, outras que aboliam a geografia /juro) e até podiam abolir o ensino do Inglês se assim quisessem. Num dos trinta e seis municípios que constituíam a cidade de Londres, uma escola aboliu uma das cadeiras fundamentais, não me lembro se Matemática ou inglês, substituindo-a pela vida do Che Guevara. O resultado de tudo isto era bonito de ver. Havia alunos de escolas secundárias que telefonavam para a nossa embaixada a perguntar em que parte de Portugal ficava Paris... Aquilo chegou a um estado de tal modo calamitoso, que o Ministro da Educação, já nos anos oitenta, resolveu instituir um curriculum nuclear obrigatório, onde cadeiras essenciais, como Inglês, Matemática, História, Geografia, ciências, não ficavam à discrição da direcção da escola. A flexibilidade curricular é dos mais gigantescos erros que se podem cometer. A abolição do professor também me deixa sonhador. Para ser um bocadinho antipático mas verdadeiro, eu diria que a "escola democrática" parece-se mais com uma seita do que com uma escola. Mas há sempre gente e "argumentos" para este tipo de loucura.
Eugénio Lisboa.

Anónimo disse...

Que bonito! As calças mesmo à boca do sino, a flor esquerda na orelha oblíqua, uma franja espanada sem testa, o olhar suspenso no suspenso e um sorriso amplo onde cabem todos e os que mais vierem. Sem livros nas mãos e muitas aves no pensamento.
Mas ressalvo: para ser perfeito, o amor deve ser só Amor, Livre de pessoas. Na escola, é difícil.

Rui Ferreira disse...

Delaroche (1996) em “Aprender a dizer não” refere:
É difícil obter de outrem aquilo que não se impõe a si próprio (servir de exemplo). Mas esta observação é perigosa. A sua extensão a outros comportamentos pode ser mesmo catastrófica, pois nega simplesmente a diferença de idade e perverte o princípio da educação. Na verdade, já não há educação se reinar a igualdade democrática na família.
Na escola é igual. A escola é obrigatória porque o aprender não é um prazer. A vocação da escola republicana é, através da educação, arrancar a criança às suas origens, fornecendo-lhe meios para ultrapassar os limites da sua classe social.

Rui Ferreira disse...

Outra vez Savater:
Ao longo da história vários foram os absurdos movimentos antieducativos, quase sempre associados aos credos religiosos, que prefere a ingenuidade da fé aos artifícios do saber. Hoje em dia observamos o mesmo absurdo quando se invoca a “espontaneidade” e a “criatividade” da criança contra qualquer forma de disciplina coerciva.
“Toda a educação humana é deliberada e imposta”.
Na sua essência, a autoridade não consiste em mandar: etimologicamente, a palavra vem de um verbo latino que significa qualquer coisa como «ajudar a crescer».
A autoridade deve ser continuada, primeiro, na família, depois, na escola.
Na maioria dos casos, a autoridade exercida pelos adultos é realizada em colaboração com as crianças. Porém, em determinados casos essa autoridade deverá ser-lhes imposta.
Numa palavra, não se pode educar a criança sem a contrariar em medida maior ou menor. Para podermos esclarecer o seu espírito, teremos de formar primeiro a sua vontade, o que dói sempre bastante”.

Rui Ferreira disse...

Ricardo Moreno Castillo:
“Um preconceito muito em voga consiste em afirmar que não se deve ser autoritário, deve-se dialogar com a criança. (…). Ou se admite que o professor é quem manda na sala de aula, ou não faz sentido falar de qualidade de ensino. (…). Hoje em dia, quando se fala da possibilidade de converter os docentes em autoridade, aparece sempre alguém dizendo que a autoridade tem de se ganhar. (…). Uma coisa é a autoridade ou o prestígio moral que possamos adquirir ao longo da vida pela nossa boa prática profissional (e é verdade que cada um tem de ganhar isso para si próprio) e outra coisa é a autoridade de que possamos necessitar para o exercício quotidiano da nossa profissão (e essa, sim, deve ser reconhecida por uma lei). (…) para que uma escola funcione, o professor deve mandar e os alunos devem obedecer. (…)

Anónimo disse...

O senhor ministro da educação, que passa o tempo a tratar da inclusão escolar com flexibilidade, do ensino/ aprendizagem das finanças para o povo, do sucesso académico obrigatório e igual para todos, da entrada na reforma pedagógica dos professores para quem as aprendizagens essenciais são uma fraude eufemístico-didática, devia saber que os seus projetos surrealistas, que retiram a autonomia científica e pedagógica aos professores, muito dos quais licenciados e doutorados em universidades públicas, contribuem decisivamente para o agravamento da indisciplina e violência nas escolas secundárias e EB 2,3 + S.
Pra mim Ricardo Moreno Castillo é daquelas pessoas que intuem que sem ovos não se podem fazer omoletas ou, mutatis mutandis, numa sala de aula, com indisciplina e violência, não se pode ensinar nem aprender.

"Uma coisa é a autoridade ou o prestígio moral que possamos adquirir ao longo da vida pela nossa boa prática profissional (e é verdade que cada um tem de ganhar isso para si próprio) e outra coisa é a autoridade de que possamos necessitar para o exercício quotidiano da nossa profissão (e essa, sim, deve ser reconhecida por uma lei). (…) para que uma escola funcione, o professor deve mandar e os alunos devem obedecer. (…)"
Ricardo Castillo

Helena Damião disse...

Estimado Professor Eugénio Lisboa, li este seu comentário depois de ter publicado um texto neste blogue sobre uma escola que se apresenta como de base inglesa. Ora, o facto de o currículo inglês ter chegado ao que conta conduziu, nas décadas seguintes, à sua reestruturação profunda, na qual se procurou acautelar um núcleo de conhecimentos fundamentais. Mas eu diria que tal currículo está longe de ser exemplar... Contudo, em Portugal, temos a ideia de que se é em inglês e, mais, se estiver associado a certas entidades, será, sem dúvida, bom, excelente!
Cumprimentos,
MHDamião

Helena Damião disse...

Prezado Rui Ferreira, Savater inspirado em Arendt... Bem disseram ambos o que é óbvio e que muito outros têm repetido. De que lhes valeu, poderemos perguntar, se a tendência que vemos é de sentido contrário? Valeu porque são ideias que valem, independentemente das derivas a que a educação escolar está sujeita, o que também não é novo.
Cumprimentos, MHDamião

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