quinta-feira, 19 de agosto de 2021

A EUROPA E A CIÊNCIA

 

Meu mais recente artigo no Público:

Pouca gente saberá quem é Mariya Gabriel. Búlgara, 42 anos, formada em Ciências Políticas, é a comissária europeia para Inovação, Investigação, Cultura, Educação e Juventude que sucedeu, em 2019, ao português Carlos Moedas, ambos conservadores. Se Moedas conduziu o Horizonte 2020, o programa de ciência, desenvolvimento e inovação da Europa de 2014 a 2020, Gabriel tem a seu cargo o Horizonte Europa, para 2021-2027, que orça em 95,5 mil milhões, um aumento de 24% relativamente ao programa anterior.

O Horizonte Europa assenta em três pilares: o primeiro, “Ciência Excelente”, no valor 25 mil milhões de euros, visa promover a qualidade da investigação, designadamente através das bolsas do European Research Council, das acções Marie Curie, e de algumas infraestruturas. O segundo, “Desafios globais e Competitividade industrial Europeia”, no valor de 54 mil milhões de euros, foca seis clusters (Saúde; Cultura, Criatividade e Sociedades Inclusivas; Segurança Civil e Sociedade; Digital, Indústria e Espaço; Clima, Energia e Mobilidade; e Alimentação, Bioeconomia, Recursos Naturais, Agricultura e Ambiente) e  financia o Joint Research Center. E o terceiro, “Europa Inovadora”, no valor de 17 mil milhões de euros, quer fomentar a inovação,  ao criar o European Innovation Council. A estes pilares soma-se  outro,  horizontal, Widening, que visa fortalecer a investigação e a inovação nos países mais atrasados, como Portugal. Se as referidas bolsas e acções vinham de trás, beneficiando a investigação fundamental, os clusters vêm substituir programas-bandeira anteriores, ao passo que a ênfase na inovação pretende reforçar a economia europeia. Entre as novidades estão também a expansão da “ciência aberta”, isto é, do livre acesso aos resultados da investigação, e a intensificação das colaborações internacionais. Pretende-se, enfim, fortalecer o Espaço Europeu de Investigação, o ”mercado comum” da investigação e desenvolvimento (I&D) lançado em 2000.

De facto, a Europa foi a pátria da ciência. Foi aí que, nos séculos XVI e XVII, se deu a Revolução Científica, associada a nomes como o italiano Galileu Galilei, o alemão Johannes Kepler, o francês René Descartes e o inglês Isaac Newton. A Europa foi também a pátria, nos séculos XVIII e XIX, da Revolução Industrial, que mudou radicalmente a economia. Mas foram os Estados Unidos, que, no pós-guerra, tomaram, com base na ciência, a liderança económica do mundo. Apesar dos seus louváveis esforços, a Europa está atrás dos Estados Unidos no ranking de investimento em I&D, e viu-se ultrapassada pela China, que tem usado a ciência como meio de afirmação na geopolítica global. A Europa ainda é uma potência científica, pois, tendo 6 por cento da população mundial, realiza 17% da investigação mundial e tem 25% dos artigos nas revistas mais relevantes. Mas o sector privado europeu investiu, em 2019, apenas 1,5% do PIB em I&D quando, nos Estados Unidos, esse investimento foi de 2,1%, no Japão de 2,6% e na Coreia do Sul de 3,8%. Na China, o sector privado, em grande boom, já vai em 1,7%. Se  é certo que a ciência está a crescer na Europa, não é menos verdade que, noutras geografias, o crescimento é maior.

O investimento em I&D na Europa é muito desigual. O referido valor médio da despesa privada em I&D, despesa que costuma superar a pública, é conseguido à custa de poucos países na Europa Central e do Norte: a Suécia investe 2,4% do PIB, a Alemanha e a Áustria 2,2%, a Bélgica 2,0%, a Dinamarca 1,9%, a Finlândia 1,8% e a Eslovénia 1,5%. Todos os outros países ficam abaixo da média europeia, incluindo Portugal onde o investimento privado não passa de 0,7%. Se olharmos para o investimento total, privado e público, a Suécia lidera com 3,4%, seguida pela Alemanha e pela Áustria (as duas com 3,2%), pela Dinamarca (3%) e pela Bélgica (2,9%). A média europeia de investimento em I&D é de 2,2% do PIB. Em Portugal não passa de 1,4%.

A Europa pretende chegar na 2030 a um investimento em I&D de 3% do PIB. Mas esta meta já foi estabelecida, em 2000, para 2010 e falhou. A Estratégia de Lisboa, no início do século, pretendia tornar a economia europeia a “economia baseada no conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo”.  Havia mais olhos do que barriga… Um factor do fracasso foi o défice de unidade política. A pandemia que chegou à Europa no início de 2020 tornou patentes as manifestas insuficiências da União. Cada um ficou por sua conta na resposta inicial ao vírus, que podia e devia ter sido coordenada, concentrando meios nos locais dos primeiros surtos. Um plano comum de recuperação e resiliência só foi conseguido ao fim de uma prolongada maratona, faltando ainda saber como vai ser executado e que resultados vai ter nos vários países. Na União Europeia ainda há muita desunião…

Em Setembro próximo vai haver eleições para o Bundestag, que permitirão designar um novo chanceler alemão. E, em Abril de 2022, serão as eleições presidenciais em França. O futuro da União Europeia vai obviamente depender das lideranças nos seus dois maiores países. Mas o Horizonte Europa deve estar a salvo: a ciência tem sido uma prioridade consensualizada pelos países membros, independentemente da sua cor política. Em Portugal, infelizmente, a I&D tem tido altos e baixos, mesmo em governos da mesma cor. Precisamos de crescer mais, muito mais, para alinhar com a Europa. Porque não seguimos o exemplo europeu e criamos um plano estruturado a longo prazo?

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