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O corpo e a mente
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5 comentários:
nteressante a intervenção do Dr. João Boavida.
Por qual razão as pessoas não leem? A resposta é simples. Não há com quem conversar sobre os livros lidos. Os professores universitários vivem numa bolha à parte impregnada de tertulianos que gostam de qualidade literária. Isso mal acontece nos outros níveis de ensino. Não há com quem partilhar ideias, a não ser com um ou outro amigo mais descabelado. As conversas são paupérrimas, parvas, triviais, quotidianas e não há pensamento superior que nos valha. O que lemos acaba por cair murcho de memória e, portanto, em última instância, não vale a pena. De vez em quando, empoleiro-me nas prateleiras de cima das estantes apenas para lhes limpar o pó, abro os livros que por lá grelam e inclino-me de páginas e páginas só para me lembrar que existe outro formato de ser pensamento.
Educação? De quem para quem? Resumimos cada vez mais as aulas à técnica e à tecnologia e aos manuais, pois as aulas enciclopedicamente expositivas, próprias de quem lê, nem sequer estão na moda e são acusadas de dificuldade, "coitadas das crianças e dos jovens".
E, por favor, não falemos de virtudes despovoadas...
Meu Caro Amigo
Obrigado pelo seu comentário e pelo interesse que revela. A falta hábitos de leitura, embora possamos falar de muitas razões, penso que, no essencial, é simples. Como qualquer outra arte precisa de leitores interessados e com capacidade de apreciar o que leem. E isto não nasce de geração espontânea, mas necessita de educação. E, portanto, ou a família ou a escola, de preferência as duas, devem criar hábitos de leitura. A princípio, é sabido, terá e haver alguma pressão e continuidade, mas vale a pena porque, a prazo, as vantagens são imensas. É o futuro dos jovens que está em causa. O seu futuro depende em grande medida da capacidade de leitura. Esta é indispensável para aquisição de conhecimentos de todo o género. Mas não só, o seu valor cultural e social é imenso porque aperfeiçoa o discurso, complexifica a sintaxe e aumenta o vocabulário. Sem isto não conseguimos pensar com complexidade nem entender algum pensamento mais exigente. Dá para imaginar as consequências pessoais e socias a longo prazo.
Mas o outro aspeto não é menos importante. Falo do enorme prazer - entusiasmo, felicidade - que uma obra literária pode proporcionar. A vida ganha outra dimensão, outro patamar de qualidade. A usufruição do belo é essencial para a humanização e a qualificação de cada um. Todos sabem isto, ou, pelo menos, dizem-no, mas o problema é criar hábitos de leitura para chegar à usufruição que só a beleza proporciona. A partir daí não é preciso a andar a pedir aos jovens para ler, eles mesmos procurarão as leituras sofregamente. Ora eu penso que não se pode passar aos jovens o entusiasmo pela leitura e a necessidade dela se muitos professores não a necessitam eles próprios. É preciso perceber que há uma especificidade literária que não pode ser substituída por nada. Belas passagens lidas corretamente podem entusiasmar muitos jovens. Provas de avaliação onde a componente apreciativa seja testada, de facto, são indispensáveis. Não vale a pena os alunos saberem os enredos pelo que leram deles se não ficarem a apreciar as obras onde essas personagens aparecem. É no específico literário que é preciso incentivar o gosto pela leitura porque é aí que a batalha se ganha ou se perde. Mas, claro, se os professores não tiverem, eles próprios, essas sensibilidade, nada feito. Muita conversa, muitos bons propósitos, mas, nada feito. Sem métodos adequados e a correspondente avaliação nas provas escolares, nada feito
João Boavida
O conto de “A Gata Borralheira” é uma leitura prazenteira para uma criança. Mas também o conto “De Quanta Terra um Homem Precisa” de [Tolstoi] poderá ser uma leitura prazenteira para a criança.
Se no primeiro conto, o mundo da Cinderela não proporciona à criança nenhum ensinamento de valor, aquilo não é nada na realidade, é um mundo encantado fora da realidade, característica de uma sociedade depravada, já o segundo conto (ainda que possa não ser uma leitura tão prazenteira para uma criança) é um ensinamento de valor, que assenta na realidade da vida, com as suas lutas e misérias.
Dai que apelar para a leitura pelo prazer é um equivoco, porque não assenta num critério de valor assente na realidade da vida e na justeza dos valores mais humanos.
É um posicionamento ideológico. Como ainda não existem contos em que o “herói”, a personagem de sucesso, que só o é porque enriqueceu - a roubar, a explorar – as pessoas, os amigos, a abandonar a família… apela-se, para o prazer, porque aí, existem as Cinderelas, os Super-Homens... leituras vazias de ensinamentos.
Não posso concordar com o Sr. Professor João Boavida quando diz “o outro aspecto [refere-se ao prazer leitura] não é menos importante”, claro que é menos importante, e isso percebe-se de imediato.
E percebe-se que é menos importante, quando se lê aquilo que o senhor acima escreveu “É o futuro dos jovens que está em causa. O seu futuro depende em grande medida da capacidade de leitura”. Certamente que não se refere ao futuro a que se assiste hoje numa sociedade fantasiosa, de princesas, mas depravada, isenta de valores, que tem a riqueza como critério de sucesso, mas sim, deve referir-se a um futuro, numa sociedade real, mais humana e mais fraterna. Que uma leitura pelo prazer pode não distinguir.
Nota: Não concordei com o Sr. Eugénio Lisboa, quando apresentou o livro que escreveu, em que apela para a leitura, essencialmente, pelo prazer da mesma.
O prazer e a dor: o sofrimento, o medo, o terror e a alegria, a satisfação, o êxtase, a felicidade. Que o meu prazer não seja a dor dos outros? Que a minha dor não seja o prazer dos outros? O que é o prazer e a dor? Tirem-nos a dor e ficaremos privados de imensos prazeres, talvez de todos. Tirem-nos o prazer e ficaremos privados da vida. A verdade perde todo o interesse.
Meus caros Amigos
Quando falo em prazer em literatura quero referir-me a algo equivalente ao prazer que se desfruta ouvindo, por exemplo, os "Concertos Brandeburgueses" de J.S. Bach, ou a "Pastoral " de Beethoven. Podíamos também falar de "Verdes anos" de Carlos Paredes, e de muitos outros exemplos.
A educação do gosto deve levar-nos a ser capazes de apreciar o belo muito para lá das questões ideológicas e sociais; são coisas doutra natureza, embora relacionadas por muitos pontos. É um acréscimo de sensibilidade, é um entusiasmo interior que nos engrandece. A usufruição da arte proporciona uma superação de nós mesmos, uma espécie de integração numa harmonia que nos transcende e, portanto, com um valor humano incalculável.
Li o conto de Tolstoi, de que fala, "De quanta terra precisa um homem", teria 13 ou 14 nos e nunca mais me esqueci dele tal q impressão que me provocou. Quando falo em beleza deve entendê-la em sentido largo. E claro que, nesse prazer de que falo, entra a dor, o sofrimentos, o drama, o ódio e todos os sentimentos humanos, mesmo os menos recomendáveis. Os padrões variam, as modas passam, mas as grandes obras, precisamente porque alcançaram um grande nível de beleza e de qualidade, permanecem. O verdadeiramente belo, seja em que arte for, resiste ao tempo. A beleza literária é sobretudo aquela que a estrutura frásica proporciona, a harmonia entre conteúdo e forma, a adequação vocabular, o ritmo, eu sei lá, tantas coisas há que interferem num bom texto. Por esses mesmo 13, 14 anos li a "Via sinuosa" de Aquilino Ribeiro, e ainda hoje permanece a beleza de tudo, desde o saborear das palavras à sugestão dos ambientes.
Mas há tantas maneiras de fazer grandes obras que até me custa falar de algumas pelo esquecimento de tantas outras.
E quanto à formação do gosto literário nas crianças e nos jovens, sem a qual nada se alcança, penso que não seria preciso muito. Seria um grande fator formativo ler textos escolhidos, de variadas proveniências, características, e sensibilidade, respeitando a pontuação e o ritmo, valorizando o enredo, como certas pessoas são capazes. Quem nunca ouviu o "Sentimento de um ocidental", de Cesário Verde, recitado por Mário Viegas? Ou a "Toada de Portalegre" de José Régio, pelo João Vilaret? Poderia ser o começo. Com os recursos audiovisuais que há hoje, se o Ministério da Educação tivesse gente capaz de perceber isto, e os professores quisessem trabalhar esta dimensão, em breve teríamos muito mais gente com apetite para a leitura e com muito mais exigência nas leituras. Usufruindo, simultaneamente, doutro nível estético e cultural e assim qualificando as suas vidas.
Claro que há livros intragáveis, que não nos dão prazer nenhum, mas só a educação nos ensinará a separar uns dos outros e a ter condições para apreciar os verdadeiramente bons.
Finalmente, chamo a atenção para o facto de que a pessoa que teve a amabilidade e gentileza de falar sobre o meu livro "A eterna brevidade" foi Carlos Fiolhais e não Eugénio Lisboa.
Cordialmente, João Boavida
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