[Nunca tive grande interesse pelas praxes. Sempre achei que eram formas de poder e, pior, de violência, mas ao longo dos anos fui começando a ter uma opinião mais favorável. Continuo a abominar as prepotências, mas aceito melhor a parte do divertimento. E tinha de acontecer: em 2017 e 2019 convidaram-me para escrever no livro dos estudantes, eu que nunca gostei, nem participei nas praxes. Foi isto que saiu. Lembrei-me hoje de novo quando Luis Miguel Cintra e Jorge Silva Melo receberem doutoramentos honoris causa].
Jovens estudantes de Química e Química Medicinal!
É com enorme prazer que vos escrevo estas linhas para acompanhar um dos ritos de passagem que todos os anos, desde tempos imemoriais, estudantes como vós, celebram, evocando de forma profundamente telúrica, subconsciente e oculta, o que é a Universidade.
Universidade é Juventude, Liberdade e Química. Juventude, porque todos os anos se renova, refaz e renasce, com a chegada dos novos estudantes. Liberdade, porque o conhecimento e a sua transmissão devem ser livres para serem responsáveis, criadores e úteis. Química, porque a renovação e a liberdade geram transformações profundas que se mantém em equilíbrio dinâmico. Já era assim antes de Immanuel Kant indicar a liberdade e a renovação como os maiores bens da universidade ou de von Humboldt reconhecer a união fundamental entre o ensino e a investigação. Na verdade, a ideia de Universidade e as suas raízes profundas na juventude, liberdade e equilíbrio são tão fortes, que estão muito para além dos que por aqui vão passando – alguns como cão por vinha vindimada, citando o Miguel Torga do Diário -, e vão bebendo, dando de beber, ou mergulhando nesta fonte sempre renovada que é a Universidade.
Os 726 anos da Universidade de Coimbra seguem a par com a velha canção Gaudeamus Egitur, a qual é ainda mais antiga do que a Universidade de Coimbra. Diz a canção: Gaudeamus Igitur, Juvenes dum sumus. (Alegremo-nos, portanto, enquanto somos jovens). E mais à frente: Vivat academia! Vivant professores! Vivat membrum quodlibet, Vivant membra quaelibet, Semper sint in flore. (Viva a academia! Vivam os professores! Viva cada estudante! Vivam todos os estudantes! Que estejam sempre em flor). Releia-se a última frase: que estejam sempre em flor, ou seja sempre jovens, com ideias frescas, preparados para frutificar e receber e trocar o pólen do conhecimento. Com estas metáforas florais salto a parte da canção que, embora divertida, poderá ser considerada sexista e leio-vos mais um verso: Pereat tristitia, Morra a tristeza! Universidade é também Alegria!
Finalmente, dirijo-me aos jovens futuros químicos e químicos medicinais. Tornar-se químico é adquirir uma forma única de ver o mundo e desenvolver a capacidade de o transformar (em geral para melhor), inventando ou descobrindo novas moléculas e materiais, controlando com rigor as suas propriedades. Actualmente, são descobertas ou inventadas mais de 15 mil moléculas por dia. No decurso da vossa licenciatura serão, dependendo da vossa pressa (ou vagar) mais de 16 milhões de novas moléculas. Entre o momento em que entraram na universidade e o dia de hoje ficaram disponíveis moléculas para o tratamento, por exemplo, de doenças como a hepatite C e alguns tipos de cancros, entre muitas outras. Alguns de vós estiveram presentes, ou terão essa oportunidade no futuro, nas descobertas e na escrita de trabalhos que poderão mudar o mundo e a vida das pessoas. São neste momento conhecidas mais 133 milhões de substâncias, mas há um espaço químico de cerca de 1 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 milhões de substâncias à espera de serem descobertas!
Com o que o que aprenderam e viveram no Departamento de Química da Universidade de Coimbra que sejam seta e laser apontados ao futuro. Uma seta sem amarras e um laser que não se apague, contribuindo para o bem e progresso da humanidade, não deixando, como na velha canção, de estar sempre em flor.
[Em 2019, convidaram-me de novo. Assumi renovar o texto que estava acima. Parece quase auto-plágio, mas o objectivo era realçar o quão pouco parece que se evolui nestas coisas, mas se lerem com mais atenção verão que o número de substâncias descobertas se alterou. Se o escrevesse hoje seriam mais de 180 milhoẽs. Parece que nada muda, mas as coisas modificam-se e muito.]
Jovens estudantes de Química e Química Medicinal!
É com enorme prazer que revisito e renovo o orgulho de vos acompanhar no vosse crescimento como pessoas, cidadãos e químicos, e escrevo umas linhas para o guião do rito de passagem que todos os anos, desde tempos imemoriais, estudantes como vós celebram, evocando o que é ser Universidade.
Disse aos vossos colegas de há uns anos: Universidade é Juventude, Liberdade e Química. Juventude, porque todos os anos se renova, refaz e renasce, com a chegada dos novos estudantes. Liberdade, porque o conhecimento e a sua transmissão devem ser livres para serem responsáveis, criadores e úteis. Química, porque a renovação e a liberdade geram transformações profundas que se mantém em equilíbrio dinâmico. As palavras são as mesmas, mas o seu significado é renovado. Universidade é também a alegria de se renovar, de ser Estudante e querer saber sempre mais, de ultrapassar fronteiras, de derrubar barreiras, conhecer novos mundos, produzir saber e cultura, fazer amizades para a vida e contribuir para transformar e melhorar o mundo.
Um químico é alguém que adquire uma forma única de ver o mundo e desenvolve a capacidade de o transformar, inventando ou descobrindo novas moléculas e materiais, controlando com rigor as suas propriedades. São conhecidas no dia em que vos escrevo mais de 148 milhões de moléculas, sendo descobertas ou inventadas mais de 15 mil por dia. No decurso das vossas licenciatura e mestrado serão descobertas ou inventadas mais de 27 milhões de novas moléculas. Entre o dia em que entraram na universidade até ao dia de hoje ficaram disponíveis moléculas para o tratamento de doenças que não tinham cura e materiais mais sustentáveis que não existiam. Alguns de vós podem ter estado envolvidos nessas descobertas, outros poderão ter essa oportunidade no futuro, mas todos podem à sua maneira e com o que aprenderam no Departamento de Química da Universidade de Coimbra contribuir para o bem comum e para o progresso da humanidade. E, para isso, tão importante como toda a química que puderam aprender, é terem desenvolvido espírito crítico e liberdade de pensamento que vos façam inteiros e completos, capazes de enfrentar os sucessos e as dificuldades, as alegrias e as tristezas, o conhecido e o desconhecido, sem receio e com sabedoria, como no famoso poema de Kipling, If, preenchendo cada inesquecível minuto com sessenta segundos de uma corrida que vale a pena.
Termino com a evocação do velho, mas sempre renovado, hino universitário, Gaudeamus Egitur, Juvenes dum sumus. (Alegremo-nos, portanto, enquanto somos jovens), Vivat academia! Vivant professores! Vivat membrum quodlibet, Vivant membra quaelibet, Semper sint in flore. (Viva a academia! Vivam os professores! Viva cada estudantes! Vivam todos os estudantes! Que estejam sempre em flor). É isso: o meu maior desejo é que estejam sempre em flor, que mantenham a juventude de pensamento e sejam sempre capazes de originar novos frutos.
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