domingo, 5 de julho de 2020

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DA GEOLOGIA NO BÁSICO E NO SECUNDÁRIO

Mesmo durante os 40 anos em que ensinei nas licenciaturas em Geologia, na Faculdade de Ciências de Lisboa e nas Universidade do Algarve e dos Açores, e na licenciatura em Geografia na Faculdade de Letras de Lisboa, nunca deixei de estar muito próximo das nossas escolas, agora ditas do básico e do secundário. 

Quer como orientador de estágios pedagógicos, anos a fio, quer proferindo palestras e dando aulas, a convite dos professores, por todo o País, de Norte a Sul, nas Ilhas e, até, em Macau. Continuo a fazê-lo por dever cívico, independente de tutelas, pelo que me sinto capacitado para partilhar com os leitores as reflexões que aqui deixo à atenção dos interessados. 

Num país, como Portugal, onde a investigação científica e o ensino superior da Geologia estão ao nível dos que caracterizam os países mais avançados, é confrangedor assistir à iliteracia neste domínio do conhecimento da quase totalidade dos portugueses, incluindo os das classes sociais ditas cultas, e constatar a pouquíssima importância, nos ensinos básico e secundário, deste mesmo domínio científico, essencial como motor de desenvolvimento, mas também como componente da formação cultural do cidadão.

De há muito que venho alertando, em textos escritos e em conversas públicas, para a pouca importância dada ao ensino da Geologia nas nossas escolas dos ensinos básico e secundário. Isto porque, em minha opinião, quem decide sobre o maior ou menor interesse das matérias curriculares, parece desconhecer que a geologia e as tecnologias com ela relacionadas estão entre os principais pilares sobre os quais assentam a sociedade moderna, o progresso social e o bem-estar da humanidade.

As minhas repetidas e insistentes diligências junto dos sucessivos governantes, no sentido de inverter esta deplorável situação, nunca surtiu efeito, o que é desesperante e lamentável. Exceptuando aqueles que, por formação académica e profissional, possuem os indispensáveis conhecimentos deste interessante e útil ramo da ciência, a generalidade dos nossos ministros, secretários de estado e deputados não conhecem nem a natureza, nem a história do chão que pisam e no qual assentam as fundações dos edifícios onde vivem e trabalham.

Uns mais, outros menos, sabem o que neste território se passou desde a fundação da nacionalidade, centenas de anos atrás, mas muitíssimo pouco ou nada, sobre os milhões de anos de história deste torrão que é o nosso. Não sabem que o lioz, ou seja, a pedra calcária usada na cantaria e na estatuária de Lisboa e arredores, nasceu num mar que aqui existiu há cerca de 95 milhões de anos, um mar muito pouco profundo e de águas mais quentes do que as que hoje banham as nossas praias no pino do verão. Não sabem que o basalto das velhas calçadas da capital brotou, como lava incandescente, de vulcões que aqui extrudiram há uns 70 milhões de anos, nem que o granito, a pedra que integra o belo barroco da cidade invicta, tem centenas de milhões de anos. Não imaginam que o Tejo já desaguou mais a Sul, por uma série de canais entrançados, numa larga planura entre a Caparica e a Aldeia do Meco.

Não sabem que a serra de Sintra é o que resta de uma montanha bem mais imponente e ignoram que, por pouco, não rebentou ali, há uns 85 milhões de anos, um grande vulcão. Sou levado a pensar, e não estou só nesta ideia, que grande parte da confrangedora situação que caracteriza o ensino da Geologia em Portugal radica, precisamente, no conjunto dos que, pedagogicamente têm assessorado o Ministério da Educação neste domínio.

Nunca conheci nenhum destes elementos, mas é a eles e, também, necessariamente, a quem lhes foi dando posse, que se deve este estado de coisas que, oiço dizer, não é exclusivo da disciplina pela qual me venho batendo há décadas.

É, pois, preciso e urgente olhar para esta realidade do nosso ensino. É preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si meia dúzia de professores desta disciplina capazes de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino desta área curricular, a começar nos programas, passando pelos livros e outros manuais escolares, pela formulação dos questionários nos chamados pontos de exame e, a terminar, na conveniente formação dos respectivos professores. 

A imagem que aqui mostro (capa de uma publicação do Gabinete de Avaliação Educacional, do Ministério da Educação) confirma o que ando a dizer há anos: Mercê dos programas, dos manuais usados, das orientações superiores e do tipo de exames, os professores, em vez de poderem ensinar e formar cidadãos, são levados a "amestrar" os alunos a acertar nas questões que lhes são colocadas nos exames. É bom para as estatísticas, mas é mau para os alunos e para o País.

Galopim de Carvalho

3 comentários:

Anónimo disse...

Desengane-se o Senhor Professor Doutor Galopim de Carvalho: as últimas décadas do século XX, seguidas pelas primeiras décadas do século XXI, trouxeram-nos um novo ensino, dito flexível e pós-moderno, que, para sempre, arrasou com o estudo livresco de Salazar e Caetano. Agora, no básico e secundário, temos o chamado ensino por repetição mecânica. Os alunos já não precisam de perceber o que o professores lhes procuram ensinar. Por exemplo, para os alunos se prepararem convenientemente para as provas de exame, que têm um peso esmagador de 30% na nota final, o que têm a fazer é comprar “manuais de preparação para exames”, onde podem mecanizar, por repetição, a maneira de resolver “exercícios de exame”. Perceber a matéria é outra coisa, mas isso não interessa para nada! Importante é ter um bom perfil de cidadão à saída da escolaridade obrigatória. O fim, que é o vinte, justifica o meio, que é a ausência de aprendizagem!

Chumbados disse...

A ausência de aprendizagem não é anterior ao Covid? Talvez tenha aumentado, essa ausência. Todas as ausências aumentam quando não são preenchidas. E a ausência é um espaço daninho. Um ponto sem dimensão. A coisa é matemática.
Quando se aprende a ler e a escrever, começa a aparecer uma linha no espaço mental - dimensão um - decifração.
À medida que as palavras vão surgindo, as frases, os textos, começa a vislumbrar-se uma espécie de quadrado, no qual as ideias se passeiam como formigas, para a frente, para trás, para o lado esquerdo e direito, com interseções intermédias - dimensão dois. Nesta bidimensionalidade talvez se movam os ateus, os agnósticos, os técnicos, os pragmáticos, os materialistas.
Quando os textos começam a fazer reverberações e ecos (fratais), ou se transmutam e se deslocam, ou conseguem incorporar vários significantes e significados, como a poesia, textos filosóficos, informações oblíquas e pensamentos criativos, mágicos ou espirituais, começamos a entrar na dimensão três - cima/baixo - e aqui voam ou se arrastam a ética, os valores, a religião, os deuses e os demónios porque se é capaz de simbologia e de pontes entre existência de si, de tudo e de todos e a ausência disso - cubos e hipercubos e círculos e figuras tão complexas que poucos entendem.
E em cima de tudo, em baixo de tudo, dentro de tudo e fora de tudo, há o tempo e o tempo envelhece as palavras porque as empurra para a frente. O tempo só anda para a frente e é por isso que não podemos ficar e que tudo desaparece. Nenhuma dimensão resiste ao tempo. O tempo é antes do espaço, durante o espaço e depois dele. E esta memória cósmica vem nas palavras e quanto mais palavras soubermos, mais elas nos pensam e nos guiam e nos fazem desistir porque sabemos da ausência permanente e eterna de ser.
Não convém ensinar mais do que uma linha ou um quadrado simples - ensinar a ser feliz. Nunca ensinar o/a ser.


isabel disse...

Gostei do seu blog

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