terça-feira, 10 de março de 2020

OS TENTÁCULOS DA BUROCRACIA


“A burocracia e os impostos são tipos de suborno, só que legalizados” (Fernando Bonfim).

Há quem subscreva que uma das causas que levou ao derrube do Estado Novo foi o dano que a burocracia fazia em voluptuosa e abusiva  proliferação  de textos legais da responsabilidade de sabidos burocratas serventuários do “establishment”.

Nesse tempo, na impossibilidade de dar conhecimento oficial da odisseia de quem caía nos tentáculos da burocracia, pela existência de uma “censura prévia” que resguardava  caninamente, com o lápis azul dos coronéis, os desmandos governamentais restava em derradeiro recurso, escrever uma carta particular a Salazar dando conta das ocorrências.

Alguma vezes, ao que se dizia, o então Presidente do Conselho, ao tomar conhecimento de abusos, de incúrias ou de simples atrasos de soluções, encarregava-se pessoalmente de pôr nos trilhos devidos a pesada máquina burocrata de venais mangas de alpaca que beneficiavam de luvas colhidas em situações a isso propensas.

Mas não se pense que a burocracia é unicamente pecha nacional. Nada disso! Espalha-se ela, qual nódoa de gordura, em maior ou menor extensão, pelo globo inteiro o que levou alguém a dizer que se um dia se conseguisse transformar a burocracia em algo nutritivo seria possível acabar com a fome no mundo!

Sobre os entraves levantados pela burocracia, ocorre-me um caso, passado na cidade sul-africana do Cabo, pouco tempo antes de 25 de Abril. Num dado congresso de jornalistas aí realizado, protagonizado pelo jornalista lourenço-marquino Manuel Luís Pombal, sucedeu que ao ser-lhe perguntado se era da cortina de ferro respondeu com verve oportuna: “Não, não! Sou da cortina do papel selado!”

Mas onde a acção de omnipotentes burocratas se faz mais sentir é quando se tornam em legíferos que não respeitam a objectividade do Direito, não obedecem à elegância literária dos  seus articulados, não se subordinam a princípios éticos que defendam direitos adquiridos, dando aso a  prosa posterior justificativa de uma obtusa e jorrante  legislorreia.

O poder de legislar é uma questão eminentemente social que deve ser exercida por legisperitos independentes, tanto quanto permitido pelo actual  poder político ou venha a não ser permitido num futuro restritivo que se advinha sombrio num horizonte de plúmbeas  nuvens ameaçadoramente acasteladas.

Todavia, seja qual for o regime em que decorre ou, porventura, venha a decorrer, a elaboração das leis, tal facto não isenta o legislador e o governo de críticas do cidadão comum em pleno exercício de cidadania porque imprecisa é ou será a linguagem de quem redige as leis e de quem as sanciona. A propósito dou conta, uma vez mais pelo respectivo paradigma, de um naco de prosa do escritor Pio Baroja sobre um ministro espanhol que virando-se para o seu secretário o advertia: “Senhor Rodriguez veja lá se a lei está redigida com a suficiente confusão”!

A expressão latina “ego volo, ego possum, ego consequor” (eu quero, eu posso, eu consigo) encontra terreno úbere de quem tem em mãos nacionais as rédeas do poder devendo esta situação ser motivo de atenta reflexão pública por esta situação encontrar hoje tónico, em marcha lenta ou passo estugado, accionada por diligentes burocratas ao serviço de interesses político-partidários de uma sociedade prepotente em que a derrocada das instituições democráticas  será eminente, a escravatura dos justos triunfante, o excídio  dos deveres éticos inevitável.

Salvo erro, foi Hitler que afirmou: “À elite a que pertencemos tudo é permitido”. E à actual oligarquia familiar socialista portuguesa tudo deve ser permitido? Entendo que não! Decididamente, não!

11 comentários:

Tetris disse...

Ok, Professor. Percebo. Mas, então, qual é a alternativa à burocracia e à nefasta e confusa legislação? Como manter um universo massificado e caótico com alguma aparência de organização? Seja corajoso e revolucione de forma a que todos fiquemos esclarecidos. Afinal, um intelectual serve para ser subversivo e marginal, uma vez que lhe cabe o teórico trabalho de redefinir a sociedade. O problema é que essa redefinição enclausura-o num vazio institucional e aqui, neste momento transitório (ou permanente) de desconfiguração, precisa de sobreviver numa realidade objetivada, isto é, precisa que outros mantenham para ele a realidade, não é assim?

Rui Baptista disse...

Para diminuir os tentáculos da corrupção há que ser rápido em combatê-la atempadamente e castigar exemplarmente os corruptores e corrompidos. Evitar, por exemplo, leis que dão aso a várias leituras sendo um maná para os advogados. Como compreender, por outro lado, que os tribunais das diversas instâncias as interpretem consoante os interesses em jogo? Enquanto as luvas esconderam as mãos ansiosas de vil metal rien de rien! Esperar de mim o que não tem sido conseguido pela justiça é verdadeira utopia que exige políticos honestos, outra utopia, de utopia em utopia todo dos desejaríamos um mundo com os pés assentes na terra e as mãos limpas. Claro que não estou com isto a ser saudoso de tempos de opressão, de ditadura. Apenas gostaria de ver uma democracia musculada que não deixasse os casos prescrever por falta de uma simples vírgula num processo acusatório. Mais uma utopia, portanto! E de utopia em utopia caminha-se a passos largos para uma anarquia fazendo cada um o eu lhe der na real gana sem consequências!

Ildefonso Dias disse...

Professor Rui Baptista;

Diz o comentador Tetris, o seguinte: "... um intelectual serve para ser subversivo e marginal, uma vez que lhe cabe o teórico trabalho de redefinir a sociedade".

Nada Disso!.

Oiçamos Bento Caraça "O poder revolucionário duma idéia mede-se portanto pelo grau em que interpreta as aspiracões gerais, dadas as circunstâncias do momento em que actua."

ou ainda,

"Como se põe então agora a questão das elites? Evidentemente que o cultivo e progresso das ciência, bem como a sua aplicacão á vida corrente da sociedade, hão-de ser sempre obra de grupos especializados - prospectores e realizadores; chamemos-lhes elites, se assim o quiserem - existem e existirão, como existem e existirão as elites das outras profissões e actividades.
Mas o que não deve nem pode ser monopólio de uma elite, é a cultura; essa tem de reivindicar-se para a colectividade inteira, porque só com ela pode a humanidade tomar consciência de si própria, ditando a todo o momento a tonalidade geral da orientacão às elites parciais."

É assim que o problema deve ser posto. Bento Caraça, um sábio, que compreendeu o mundo em que vivia e o significado da vida. É a humanidade que deve dar a tonalidade geral às elites, é ela que estabelece o "redefinir a sociedade" e não o que o comentador anterior, eloquentemente, quer atribuir a um intelectual subversivo e marginal.

Um Abraço Amigo e continue a escrever.

Rui Baptista disse...

Engenheiro Ildefonso Dias: Sem pretensão, por falta de bagagem para dirimir esta questão, apresentei, apenas, um apanhado de opiniões pessoais sobre a maneira de diminuir a corrupção. Acabar com ele exigia um mundo perfeito, como tal utópico. Trata-se de uma questão sociológica/filosófica que tem preocupado pensadores desde a Grécia Antiga a nossos dias sem consenso à vista fugindo eu aos achismos (tão usada e abusada) : eu acho e como acho sou senhor da verdade! Toda a tese depara-se com a antítese para daí se partir para a desejada síntese. É este o caso, perante a sua posição e a posição de "Tetris". E esta questão complica-se porque da discussão nem sempre nasce a luz… por vezes, para amenizar, com um dito irónico, nasce um olho negro. Pelo que deduzo, esta controvérsia passa-se entre pessoas civilizada e cultas pela forma correcta como expõem e fundamentam os seus pontos de vista. Tão a meu gosto de evocar a "vox populi", pelo andar da carruagem se vê quem vai lá vem dentro! Um abraço cordial a ambos a certeza que me fica que muito ganhei com os vossos comentários e poderei vir a ganhar com novos comentários que, porventura, venham a escrever.

Ildefonso Dias disse...

Professor Rui Baptista, eu só aflorei o equivoco, o erro primário, do anónimo "Tetris". E porquê? porque "O que o mundo for amanhã, é o esforço de todos nós que o determinará.".

E não entrei no tema da burocracia, ou melhor entrei porquanto retorqui um burocrata. Sim, o comentário de "Tetris" é genuino de um burocrata.

Repare neste passo: "O problema é que essa redefinição enclausura-o num vazio institucional..." Não é isto um exemplo perfeito de um burocrata... pomposo!?

Eu até acho, e todos achamos sempre algo, mas eu acho que estamos perante um doutor da "mula ruça", são hoje aos milhares!

E são estes os doutores que são mais aptos para a burocracia e corrupção, facilmente se promovem a lambe botas.

Perdõe-me a sinceridade das minhas palavras e aceite os meus cumprimentos cordiais.


Rui Baptista disse...

o CASO Vale e Azevedo prescreveu passados 18 anos. Contra factos não há argumentos. A corrupção é uma hydra de 7 cabeças. Cortada uma logo surge outra em sua substituição!

Carlos Ricardo Soares disse...

Na realidade, o problema da burocracia, da corrupção, do nepotismo, dos compadrios, dos complôs, das arbitrariedades do poder e todo o tipo de abuso, é que, apesar das queixas gritantes e embora plenas de razão, os cidadãos não são tidos em conta senão para obedecer, trabalhar, votar e respeitar a estrutura política que são obrigados a pagar, sem escolha.
E quando alguém apresenta alternativas e soluções para os problemas é visto e considerado como uma ameaça. Logo tratam de ignorar ou desdenhar para não terem de reconhecer que muito pode e deve ser feito para bem de todos (excepto daqueles que deixariam de ter as vantagens que indevidamente têm).
Não falta quem seja capaz de revolucionar com melhores leis e procedimentos e práticas. Não falta quem tenha competência para fazer melhor do que aquilo a que temos assistido (pior era difícil).
O problema, insisto, é que ter razão é pouco e pode ser nada.
Aqueles de quem nos queixamos, com razão, não têm razão mas têm e fazem o que querem.
Os outros, aqueles que têm alternativas e soluções, com razão, só têm isso, não têm o poder.
E podem até estar cansados de ter razão, ao ponto de já não terem vontade, nem determinação para a acção.
É preocupante e alarmante que o poder da razão continue a ser vilmente (para não dizer democraticamente) derrotado e suplantado pelas razões da força.
Mesmo quando tens razão, se não tiveres algo mais, ainda podes ser acusado de não teres nada.

Rui Baptista disse...

Engenheiro Ildefonso Dias: Quando há sinceridade naquilo que escrevemos e defendemos é verticalidade. Aquela verticalidade que tenho encontrado NOS SEUS COMENTÁRIOS de há longo tempo! Portanto, não tenho nada a perdoá-lo. Cumprimentos cordiais.

Ildefonso Dias disse...

Professor Rui Baptista, vivo num concelho em que o Sr. Presidente da Câmara é famoso! Não pela Obra feita, mas por, no ano passado, e durante alguns dias, ele foi abertura de telejornais, ficou com "pulseira electrónica" etc... uma Vergonha! É o que é.

Hà dias recebi uma notificacão juridica, em que os Juristas da Câmara Municipal, deu-lhes (ou deram-lhes?) para advogar o incumprimento da lei do rúido, (comprovada com relatório de incomodidade, em que um estabelecimento comercial em causa excede o valor limite de rúido para o exterior), e para beneficio desse estabelecimento comercial, em detrimento do direito ao descanso, ao sono, ao sossego, ao direito de personalidade dos restantes moradores do prédio.

É evidente que o direito ao descanso, ao sono, o direito de personalidade prevalecem sobre os direitos comerciais e económicos. Leia-se para o efeito a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

Infelizmente, parece que vai ser necessário recorrer ao Tribunal para repor a legalidade, e assim fechar o estabelecimento que não cumpre a lei do rúido, que foi indevidamente licenciado, e o encerramento será muito a contra gosto do Sr. Presidente da Câmara e seus amigalhaços.

Como diz o povo, "não hà fumo sem fogo".

Cordialmente,




Rui Baptista disse...

Um dos grandes problemas da legislação portuguesa foi diagnosticado por António Almeida Santos (cito de memória). As leis publicadas em Portugal depois de 25 de Abril chumbavam na 4.ª classe do antigo ensino primário. Ou seja, falando apenas de ignorância léxica ficando de fora os interesses de vários partidos, formados por laços familiares, nanja de pessoas de real valor, "boys" sabujos que quais abutres esperam a podridão da política para se saciarem de carne pútrida. Ainda hoje, a ministra da Saúde veio chorar sobre o leite derramado por não ter agido atempadamente, e com pulso forte, na crise virótica que assola assustadora a população portuguesa. Seja-me permitido propor um governo de emergência nacional formado pela melhor gente de todos os partidos políticos com assento na Assembleia da República para a não transformar em discussão de putos que se acsam uns aos outros: não fui eu, foste tu! Depois, o mais grave é um sistema de (in)justiça que protege aqueles que têm resistência de corredores de maratona e que "ipso facto" são resguardados por deficiências das leis, aguardam com paciência de Job que os crimes de colarinho branco prescrevam. Antigamente, dizia-se quem tem padrinhos não morre mouro, que coressponde, actualmente, quem tem bons advogados safa-se sempre, ou, sem ser tão drástico, quase sempre... Como combater este "status quo"? Com gente honesta de uma democracia musculada que ponha cobro a tantos e diversos desmandos. Afonso de Albuquerque sentenciou: "Um fraco rei faz fraca a forte gente". Politicos que poem os seus interesses próprios e de familiares acima da ética e da moral destroem os caboucos fotes de poucos que reagem e dão o exemplo de honestidade, repito, honestidade!

Rui Baptista disse...

Que quer Engenheiro Ildefonso Dias: Quem tem padrinhos não morre mouro, são estes afilhados que se safam não cumprindo a lei do ruído que não os incomoda por uma surdez de conveniência. Um abraço
solidário.

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