domingo, 22 de março de 2020

Dois poemas sobre a doença de Fernando Pessoa




Ainda motivado pelo Dia Mundial da Poesia, e por que vivemos dias de doença 
deixo  dois poemas de Fernando Pessoa sobre a doença. estão logo a abrir 
na antologia  de José Fanha e Pedro Quintas ( "Poemas da saúde e da doença" ,
Coimbra:  Lápis de Memórias, 2016)

Fernando Pessoa

A vida é um hospital
A vida é um hospital
Onde quase tudo falta.
Por isso ninguém se cura
E morrer é que é ter alta.
s. d.
Quadras ao Gosto Popular. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido e prefaciado por Georg Rudolf Lind
 e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1965. (6ª ed., 1973). 
 - 110.



Álvaro de Campos

Tenho uma grande constipação,

Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos contra a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.
Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.
Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e da aspirina.
14-3-1931
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).
  - 48.
1ª publ. in Presença, 2ª série, nº1. Coimbra: Nov. 1939.

1 comentário:

Pessoa disse...

Não estou doente
Nunca estive doente
Não posso nem quero estar doente
À parte isso, tenho em mim todos os vírus do mundo
Mas continuo a comer chocolates
no pórtico partido para o Impossível
e despejo o balde do meu coração todos os dias
tão inútil e vazio como o Universo inteiro
e digo adeus a um qualquer Esteves
que morre todos os dias constipado de metafísica
sem passado roubado na algibeira

Mas está boa a cigarreira




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