sábado, 28 de março de 2020

A ESCOLA TRADICIONAL TRANSFERIDA PARA O DOMÍCILIO DO APRENDENTE:

                   "Eu testo (a Net), mas não uso no dia-a-dia. 
Mais importante, os meus filhos não usam. 
Eles são bons  rapazes".
Steve Balmar, presidente da Microsoft

Um artigo da escritora Alice Vieira - “Copiar não vale” (“Jornal de Notícias” (03/Fevereiro/ 2008) – justifica o facto de voltar ao papel dos computadores na educação dos jovens escolares, abordado por mim neste blogue, em 15 de Setembro do ano passado, através do "post" com o título “A entrega de computadores na escola”.

Despertou o seu conteúdo mais de três dezenas de polémicos comentários pela minha chamada de atenção para uma gigantesca campanha política de “marketing” por parte da ministra da Educação, ao tempo, que anunciou, “urbi et orbi”, o interesse desta discutível medida, aquando da abertura do ano lectivo na Escola Secundária Francisco da Holanda, em Guimarães.

Detenhamo-nos, agora, na leitura de substanciais excertos do texto do jornal em que Alice Vieira começa por dizer que “antigamente, muito antigamente, copiar era coisa muito feia”. E prossegue esta conhecida escritora:

Hoje em dia são os professores que ensinam os alunos a copiar, que os incentivam a copiar. Hoje em dia a cópia está institucionalizada. Está a fazer-se uma revolução silenciosa. Hoje em dia os alunos nem entendem que possa ser doutra maneira. Chamem-lhe o que quiserem ‘descarregar’, ‘fazer download’, o que quiserem: nunca deixará de ser uma cópia. Eu chego a uma escola e ouço ‘Os alunos fizeram muitos trabalhos a seu respeito’. E encontro 50, 100, 200 trabalhos rigorosamente iguais, iguais, por sua vez, aos que já tinha encontrado na escola anterior, e na outra, e na outra, com os mesmos erros (nem a Wikipedia nem o Google são infalíveis), com as mesmas desactualizações, com palavras difíceis de que nenhum deles sabe sequer o significado, etc. Os meninos são ensinados a mexer num computador, a carregar nos botõezinhos necessários para que o texto apareça – mas depois ninguém lhes ensina que isso não basta, e que trabalhar e pesquisar não é isso. Isso é, pura e simplesmente, copiar. E como se dizia no meu tempo, copiar não vale, etc. etc."
Desta forma, Alice Vieira alerta-nos para o perigo de tornar os jovens escolares presa fácil da tentação de copiar. Longe de mim atrever-me a dizer, ou apenas a deixar subentendido, que o plágio é atributo negativo apenas da era dos computadores. Noutros contextos, seria a exigência utópica de uma sociedade perfeita onde se não aproveitassem todas as oportunidades para infringir as regras ditadas pela aceitação ética e tácita do que é correcto ou não. Os testes com cruzinhas de escolha múltipla facilitam, também eles, o copianço, tornando-o mais difícil nas respostas de desenvolvimento e mais difícil, ainda, quando é permitida a consulta de manuais por as respostas às questões equacionadas exigirem a pesquisa rápida de várias temáticas dispersas em páginas de difícil acesso para quem não estiver bem senhor da matéria.

O nosso compatriota Ricardo Reis, professor da universidade americana de Princeton, num artigo publicado no “Diário Económico” (3/Abril/2007), com o sugestivo título “Copianço”, descreve, bem a propósito, o que se passa na sua universidade: 

Em Princeton, o professor é obrigado a deixar os alunos sozinhos na sala durante o exame. Vigiá-los seria uma falta de confiança, até porque todos assinam no topo da folha de resposta uma jura de que se vão comportar de uma forma honrada. Mas se alguém é apanhado a copiar (ou porque foi denunciado por um colega ou porque as respostas o tornam óbvio) então a punição é muito severa: pelo menos suspensão por um ano e talvez expulsão”.
No caso português, ocorre-me a história picaresca daquele aluno cábula até mais não que se dirige ao professor, que lhe atribuiu zero num determinado teste, para lhe pedir satisfações de não ter tido a mesma classificação atribuída ao melhor aluno da turma que tinha as repostas iguais às suas. Ao que o dito professor respondeu que o zero se devia a um evidente copianço seu que se detectava à légua. De imediato, o cábula contra-argumenta que a acusação pela sua gravidade carecia de uma prova cabal que a justificasse. É muito simples, responde-lhe o docente: 
À pergunta número tal, o seu colega respondeu ‘não sei’. E o senhor: ‘eu também não’!”
Bem se pode dizer que o copianço é uma forma de corrupção estudantil bem enraizada na tradição nacional e que se pode tornar em semente germinativa de casos bem mais graves na idade adulta. Durante este ano, decorrem as comemorações do 400.º aniversário do nascimento do Padre António Vieira. Em seus “Sermões”, este gigante da literatura portuguesa e acérrimo defensor dos bons costumes não podia deixar de criticar um fenómeno social intemporal:
Chegou a corrupção dos costumes a tal estado que os poderosos têm ódio a quem repreende suas injustiças”. 
Séculos passaram de então para cá, mas os maus costumes mantêm-se. E assumiram forma bem mais subtil, até!”

Seja como for, o ensino “robotizado” não substitui o ensino tradicional de forma nenhuma. Ambos têm virtudes e defeitos, há que expurgar os defeitos como seara seca e defender a virtudes como campo verdejante. Como diziam os latinos “in medio virtus”. De uma coisa me afirmo convicto: nada pode substituir um ensino presencial com o seu aspecto de empatia professor/aluno e convivência entre alunos!

8 comentários:

Rui Ferreira disse...

O problema levantado é muito grave e real. Uma vez mais são os professores, na sua generalidade, que pactuam com o plágio e, por vezes, com o "copianço".
Uma vez mais, a lei faz letra morta, EAEE, é dever do aluno:
u) Respeitar os direitos de autor e de propriedade intelectual.
Mas o que fazer? Se retroceder na alínea surge:
t) Não difundir, na escola ou fora dela, nomeadamente,
via Internet ou através de outros meios de comunicação,
sons ou imagens captados nos momentos letivos e não
letivos, sem autorização do diretor da escola.
Enfim... são anos e anos de desautorização do professor.

Rui Baptista disse...

O professor passou a ser um manga de alpaca a fazer trabalhos antigamente do âmbito das secretarias. E, não poucas vezes, a deixar passar de ano alunos ignorantes. Quanto aos directores, se quiseram manter o lugar remunerado são obrigados a fechar os olhos para a charanga passar com os seus tambores a rufar anunciando falsas conquistas de êxito.

Rui P. Guimaraes disse...

Essa frase, de Steve Ballmer... consegue indicar de onde a retirou?

Co-pia disse...

Digo sempre aos meus alunos, “muito pequeninos”:
primeiro que tudo e antes de qualquer coisa, copiem as letras, as sílabas, as palavras, as frases e os textos com uma letra regular, ritmada, limpa e bem desenhada. Copiem os sons e as pronúncias corretas e as canções que grandes poetas escreveram para serem cantadas por todos. Copiem os Mestres do pensamento, pensem como eles já pensaram o Bem, copiem gestos de carinho e solidariedade e revejam-se ao espelho diário da cópia e do reflexo a ver ficaram bem copiados, também.
Copiem as dinâmicas matemáticas do Universo e as fórmulas dos seres que o fazem progredir e copiem hábitos que vos guiem até ao caráter de respeitar os outros e os ambientes naturais e as vozes do silêncio que nos harmonizam.
Copiem, copiem, copiem até à exaustão, até à singularidade de se tornarem originais.

Rui Baptista disse...

Copiar nas circunstâncias que apresenta para os seus alunos, "muito pequeninos", é muito diferente do copianço pelo colega do lado que se esforçou em estudar a matéria para os testes ou exames e cujo labor é "roubado" pelo madraço do lado, que anda no laréu, e que dele copia. Fazer cópias é totalmente diferente do copianço. Bem me lembro do meu tempo da antiga instrução primária (actual 1.º ciclo do básico) em que fazia cópias para aprimorar a letra manuscrita qu foi substituída, quase totalmente, pelo dedilhar o teclado do computador.

Rui Baptista disse...

Infelizmente não posso satisfazer o seu pedido. Tenho sempre a meu lado um caderno e uma caneta onde transcrevo pensamentos que leio nos meus livros, ou consultas na Net, de que não sou expert, cuja fonte não referencio por não se destinarem a trabalhos de natureza académica!

Rui P. Guimaraes disse...

É bem possível que não tenha passado a correta interpretação da frase. Steve Ballmer dizia que conveuse os filhos a não usarem Google e iPad. Quer isto dizer que eles só usam Bing e PC e nã quer dizer que não acedam à net de modo nenhum. Já agora, não me parece que o problema nas TIC, mas sim em todo um sistema de ensino que ainda não se adaptou a elas.

Rui Baptista disse...

Obrigado pelo comentário.

Várias vezes tenho aqui confessado a minha ignorância no âmbito da Net, que encontra razão nos meus 88 anos de idade associados à voz do povo: "Burro velho não aprende línguas". Ou nesta advertência” anglo-saxónica: "My mind is made-up; d'ont confuse it with facts".

O seja, habituado a escrever "à antiga" (manuscrever) dispenso o corrector ortográfico para que, quando o faça, não desaprenda o que me levou anos e anos a adquirir. Assim, pedi a uma pessoa amiga para me dizer onde se encontrava a frase de Steve Balmar, tendo-me sido dito que se encontrava na Net, como citação sua, sem, contudo, referenciar Net entre parêntesis da minha lavra. Donde, o erro da minha citação em escrever (Net) em vez de microsoft-word, tomando eu a parte pelo todo.

Seja como for, os filhos de Steve Balmar não perderam a sua condição parcelar de “bons rapazes”!

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