sábado, 9 de novembro de 2019

Eis as marcas que "queremos" para a universidade: desenvolvimento tecnológico, empreendedorismo e sucesso

A universidade, nas suas vertentes de desenvolvimento tecnológico, empreendedorismo e sucesso, tem tido crescente destaque na "Web Summit", realizada em Lisboa. 

Uma entrevista realizada, neste ano, pela jornalista Anne Gaviola a um rapper, um eurodeputado e um empresário faz marcantes alusões ao que a universidade, por referência a essas vertentes, deve passar a ser e a iniciativas que as concretizam. O contexto era designado por "Startup University", com o título "What they don’t teach you at business school", e a tónica foi posta na importância da aquisição de competências não formais. Eis uma passagem do que foi publicado (ver "As chaves para o sucesso que as faculdades não ensinam"):
"Partindo das experiências pessoais, "destacaram aquilo que consideram ser pontos essenciais que não se aprendem num percurso de ensino, por muito digno que ele seja. Na verdade, a passagem pelo ensino superior não é condição obrigatória para o sucesso. Bill Gates e Steve Jobs são exemplos clássicos neste tópico, mas [o rapper] (...) que é também co-criador do um projeto (...) (destinado à distribuição de eletricidade através de energia solar, em África), destacou que o facto de não ter frequentado a universidade não se revelou um entrave na sua carreira e referiu que, antes disso, “já sabia o que queria fazer” e que essa vontade o ajudou a ultrapassar a barreira da concretização (...) a faculdade não é imperativa para um caminho de sucesso.  
[O eurodeputado] tem um percurso diferente. A licenciatura em Engenharia Civil pelo Instituto Superior Técnico e o Master of Business Administration, tirado em Harvard (...) No entanto, a universidade não lhe ensinou tudo. O espírito de liderança (...) é um conceito que tem vindo a mudar: “Quando andava na Business School, o líder era aquele que criava uma visão e inspirava os outros a segui-la. Hoje em dia, os jovens não querem isso. Querem criar uma visão em cooperação com o líder. Os líderes têm de estar no backstage". 
“... se pudessem dar um conselho a qualquer pessoa que estivesse a ver a sessão de hoje, o que diriam?” [O rapper respondeu]: “seguir a paixão e não ter medo de falhar”. [O eurodeputado] afirmou “Não sigam os vossos pais, eles vão ter medo que vocês falhem e não vos vão tirar da vossa zona de conforto”. [O empresário] completou: “sigam a vossa própria voz”.
Este alinhamento pela tríade acima mencionada, que está, efectivamente, a mudar a essência da universidade, como se não houvesse alternativa, sem se querer pensar nas consequências terá na evolução do conhecimento e no modo como afecta a sociedade, fez-nos lembrar uma entrevista a Pedro Ferré, espanhol, investigador da tradição oral portuguesa, autor de um monumental Romanceiro e professor na Universidade do Algarve.

Disse ele há escassos três anos (ver aqui):
"A Universidade deixou de pensar, agora a Universidade está proibida de pensar."
"Desiludido com uma Universidade que, garante, ser cada vez mais administração e menos humanista, recorda a sensação que teve há quase 30 anos, quando chegou a Utrech, na Holanda: “A Universidade mudou em todo o mundo (…). Recordo-me quando fui, nos anos 80, para Utrech, de achar que aquela Universidade era muito pouco dada à ciência e às humanidades, demasiado tecnológica, e com muito pouco pensamento reflexivo (...) quando regressei, achei que em Portugal, Itália, Espanha e França eram as últimas Universidades cultas da Europa.” 
[A visão] da universidade passa por três grandes vértices: "A primeira coisa (…) é pensamento, a segunda rutura. Pensamento e rutura conduzem a inovação".
Porque será que nos fica a impressão de a primeira entrevista, dada por pessoas bem sucedidas na vida, mais ou menos externas à universidade, nos mostrar o futuro que brilha e de a segunda, dada por um académico, que dedicou a vida à universidade, aludir a um passado que esmorece?

Maria Helena Damião e Isaltina Martins

3 comentários:

Rui Baptista disse...

Ou seja, à Universidade como fonte de saber há que associar a Universidade da Vida,"um saber de experiência feita"..

Rui Baptista disse...

"experiência feita", não; experiência feito, sim!

Anónimo disse...

Em síntese:
A Universidade do saber, e dos sábios, deve dar lugar à universidade do dinheiro, e dos tratantes. O Comércio nunca foi inimigo da universidade, antes pelo contrário, mas saber fazer bons negócios é muito diferente de saber fazer boa ciência. Se misturarem tudo, como nas feiras, não é difícil de entender quem ficará a perder...

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