Texto que nos foi enviado pelo leitor Fernando Tenreiro, economista, doutorado em Ciências do Desporto pela Universidade do Porto, professor na licenciatura de Gestão de Organizações Desportivas da Universidade Lusíada de Lisboa, trabalha no Instituto Português do Desporto e da Juventude.
No fim de outra legislatura estão passados 20 anos do século XXI desportivo que tarda a chegar por causa dos erros da política pública que nos entortam o desporto e a nós próprios.
Em 19 de Agosto de 2016 publiquei um artigo de opinião no jornal Público onde referia que “Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, Passos Coelho (hoje digo Rui Rio), Catarina Martins, Assunção Cristas e Jerónimo de Sousa” têm “a responsabilidade nacional de definirem, nas instituições que lideram e participam, o consenso da Visão do desporto nacional no século XXI, assim como, a concepção e a operacionalização dos princípios, metas, programas que as instituições nacionais deverão assumir para a concretizarem”. Passaram quase 3 anos e o desporto tem um-1-um resultado extraordinário e simultaneamente mantém-se improdutivo desportiva, social e economicamente face ao desporto dos outros países europeus, entortando-se e mistificando a sua própria natureza.
Internacionalmente Nelson Mandela assumiu o desporto como instrumento da unidade da Nação Sul-africana. A Europa usa a prática desportiva como instrumento para uma vida melhor da sua juventude e da sua população o que poucos sectores conseguem criar.
Como evidência dos custos tremendos da iliteracia desportiva dos governos perderam-se jovens nas claques, praxes e Comandos, na violência policial sobre as minorias e, porventura, nas mulheres maltratadas e nos desaparecidos nas épocas balneares, e a vida esboroa-se na obesidade precoce e noutras doenças mais, sem que o desporto contribua para a sua prevenção. Portugal é o país com menor prática desportiva europeia onde os carenciados falam da falta de tempo e dinheiro, as mulheres praticam menos de metade do desporto dos homens, são por eles desrespeitadas e sabe-se que a desigualdade entre pobres e ricos é das maiores. “Os melhores do mundo” que somos não merecemos ser assim tratados por quem elegemos!
Os dirigentes desportivos preferem entortar-se e sugerir que a sombra do desporto torto é … direita. Abusam das selfies, convidam governantes para finais desportivas e rezam para que os seus atletas ganhem. Perdendo, ficam sem a selfie com a individualidade. A ética desportiva ensina que é preciso saber-ganhar-e-saber-perder e que a selfie com perdedores tem igual valor da selfie com vencedores. Dado que o critério de decisão da política desportiva é a selfie no camarote do estádio, não há dinheiro para a boa produção de desporto para toda a população e para criar todos os Ronaldos que os jovens quiserem através dos clubes e das federações. Responsáveis públicos garantem que o desporto é caro. Por um lado, é falso que o custo da boa política pública desportiva seja superior ao retorno gerado na Saúde, Educação, Economia, Forças Armadas, Turismo e nas Finanças. Por outro lado, é verdade que a nomeação pelos partidos políticos de líderes desportivos medíocres, maus e péssimos sai caro ao país.
Sem um norte, sem líderes e governos que se libertem da morte através das melhores políticas públicas, os jogadores perdem-se, as federações falham metas sem terem condições de boa produção, os clubes desaparecem, as claques corrompem o espectáculo desportivo, a endogamia nomeia líderes ausentes e cujo horizonte é a barriga das suas pernas, visos de corrupção lavram em liberdade, as organizações públicas são desmembradas em prol dos negócios, a jurisdicionalização do desporto que nada percebe de desporto, corrói as instituições e os princípios e rouba dinheiro aos clubes e às federações. Continua a falar-se de associações de malfeitores como nos bancos e a justiça é um caracol sem lá chegar.
É crónica a crise de dirigismo desportivo público que os partidos veiculam através das instituições do desporto desprovidas de princípios éticos, desportivos, económicos ou políticos como de um Pacto de Regime, sugerido pelo Presidente da República.
O desporto só se endireitará com a nomeação de líderes íntegros, competentes e esclarecidos capazes de políticas desportivas que promovam o bem-estar social e o orgulho e o respeito pelo desporto português, o contrário do que as últimas legislaturas fizeram.
Linda-a-Velha, 31mar2019
Fernando Tenreiro (fjstenreiro@gmail.com)
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