quarta-feira, 10 de abril de 2019

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E O FUTURO DO TRABALHO


Meu artigo na última revista "Dirigir e Formar" do Instituto de Emprego e Formação Profissional":

A Inteligência Artificial (IA) é um dos temas candentes da actualidade não só pelo impacto que começou a ter nas nossas vidas, mas sobretudo pelo previsível aumento desse impacto num futuro próximo. De facto, algoritmos de inteligência artificial já fazem parte das nossas vidas: eles estão presentes quando um livro nos é sugerido pela Amazon, ou um filme no Netflix, ou um conjunto de músicas no Spotify. Fico muitas vezes surpreendido com as escolhas que esses algoritmos fazem por mim, parecendo em muitos casos conhecer-me melhor do que eu próprio. Algoritmos que também actuam num smartphone, quando nos servimos de um assistente virtual como a Siri da Apple, assim como no Facebook, quando nos propõem “amigos” ou montam filmes com as nossas imagens. São também algoritmos desse tipo que ajudam a obter respostas individualmente optimizadas nas pesquisas que fazemos no Google ou que realizam traduções automáticas cada vez mais sofisticadas, como é o caso do Google Translator.

Num futuro próximo a inteligência artificial permitirá a multiplicação de robôs, como a Sophia, que são capazes de conversar connosco, assim como o atendimento com voz humana por sistemas de reserva em restaurantes ou salas de espectáculos. A escrita automática de algumas peças jornalísticas, o uso de veículos sem condutor (dos quais já existem protótipos) e a tomada de decisões importantes para a nossa saúde são outros exemplos de aplicações de IA na nossa vida. No campo da medicina, o.supercomputador Watson da IBM, um sistema que responde a perguntas em linguagem natural, está já a ser usado para procurar soluções para alguns tipos de cancro. E é inteiramente possível que sistemas de IA venham a adquirir a competência de médicos radiologistas, treinados para interpretarem imagens de raios X ou de RMN, e, mais do que isso, consigam analisar rapidamente terabytes de informação contida em arquivos clínicos para proporcionar novo conhecimento. Esses sistemas também podem pesquisar na enorme e crescente literatura biomédica e descobrir associações entre alterações genéticas e certas doenças de modo a obter informações úteis para diagnóstico ou tratamento.

Mas o que vem a ser a IA? É um ramo da ciência e tecnologia que visa criar sistemas com comportamentos inteligentes. E o que é a inteligência? Por inteligência entendemos as capacidades de interagir com o mundo, de modelar o mundo, de raciocinar, de aprender e adaptar-se, tudo coisas que nós, Homo Sapiens, somos capazes. O nome AI remonta a 1956, quando investigadores de diferentes campos da ciência e da tecnologia se reuniram num workshop no Darmouth College, em New Hampshire, Estados Unidos, para discutir redes neuronais, um tipo específico de software baseado em analogias com o nosso cérebro, e tentar entender a inteligência. Um marco notável nesta área foi estabelecido em 1997, quando o computador Deep Blue da IBM derrotou o campeão mundial de xadrez, o russo Garry Kasparov. Novas aplicações de IA surgiram nos anos vindouros e, alavancadas pelos extraordinários progressos nos processadores, nas memórias e nas redes de computadores. Dada a rapidez dos desenvolvimentos actuais, alguns futuristas imaginam, talvez indo longe demais, que em 30 ou 40 anos, num ponto a que eles chamam "singularidade", as máquinas possam substituir a humanidade. Falam de um “futuro pós-humano.” Nomes como o astrofísico Stephen Hawking, o empresário Ellon Musk, o linguista Noam Chomsky e o co-fundador da Apple Steve Wozniak, alertaram, numa carta aberta divulgada em 2015 pelo Future of Life Institute, para os perigos que os avanços na IA poderão ter para a sobrevivência da humanidade.

O que têm de especial os programas de IA relativamente a outros programas? Os programas de IA alimentam-se de dados, que são tipicamente muito extensos (Big Data), a fim de extrair padrões e, portanto, conhecimento relevante. Os algoritmos de IA analisam grandes quantidades de dados para chegar a conclusões que um ser humano jamais conseguiria alcançar sozinho ou com outros. A diferença entre um moderno programa de IA e um programa convencional é que, no primeiro caso, o programa se altera com a entrada de novos dados, pelo que não há uma separação nítida entre dados e software. Falamos, neste contexto, de “aprendizagem por máquinas” (machine learning) e “aprendizagem profunda” (deep learning), um ramo da última que tenta modelar abstracções.
Mesmo que as questões do “futuro pós-humano” pareçam uma extrapolação delirante e que, por isso, essa ameaça apocalíptica não se venha a colocar, o certo é que novas questões estão a surgir com o aparecimento e uso de aplicações de IA. Estarão elas a substituir os seres humanos, levando à redefinição ou mesmo à eliminação de muitos postos de trabalho humano? E quem deve ser considerado o responsável quando as respostas são dadas automaticamente? Qual deve ser o nosso grau de confiança nas respostas dadas pelas máquinas? Não estão estas, tal como nós, sujeitas a erros? E, acima de tudo, como podemos garantir que as máquinas estejam permanentemente alinhadas com os objectivos humanos? Será que podemos codificar normas éticas nas máquinas (a este campo muito recente da IA chama-se "ética artificial")? Devemos ter medo das máquinas? E, baseados nesse medo, devemos tentar impedir alguns desenvolvimentos no campo?

Estas perguntas não têm respostas fáceis pois, dizendo respeito a todos, a sociedade enfrenta grandes dificuldades de compreensão dos conceitos de IA. O público tem uma noção algo mítica sobre computadores e suas formas antropomórficas que são os robôs. A ficção científica chegou primeiro que a ciência e tecnologia ao imaginário colectivo e lá permanece. A comunicação científica dirigida ao grande público enfrenta grandes desafios neste domínio, pois não é fácil explicar o modo de funcionamento da IA, apesar de os seus produtos estarem a invadir as nossas vidas.
A questão do futuro do trabalho é, compreensivelmente, uma das mais cruciais para uma sociedade cuja organização e funcionamento assentam no trabalho. De facto, a história da ciência e da tecnologia ajuda-nos a pensar melhor na evolução do trabalho. Durante muito tempo o trabalho humano foi muito duro, por estar baseado na força braçal (ajudada apenas pels força de alguns animais domesticados e por algumas máquinas primitivas). Estava ligado à exploração dos recursos que a terra permitia a fim de assegurar necessidades básicas como a alimentação e o vestuário. A Revolução Industrial, iniciada no Reino Unido no final do século XVIII com o desenvolvimento da máquina a vapor, permitiu uma mudança radical desta situação ao aproveitar a força motriz do vapor de água para libertar o homem e os animais dos trabalhos mais pesados. Surgiram fábricas mecanizadas e a economia mundial conheceu um big bang, com o aumento drástico da riqueza per capita. Uma nova onda da Revolução Industrial surgiu já a meio do século XIX com a mudança das máquinas a vapor para máquinas eléctricas, graças a avanços no ramo da física chamado electromagnetismo, isto é, a junção da electricidade com o magnetismo: descobriu-se que a electricidade fazia mover um íman e que o movimento de um íman perto de um fio eléctrico permitia o aparecimento de corrente eléctrica (princípio do dínamo). Foi o dínamo que permitiu a electrificação das cidades e dos campos, acendendo a luz em todo o lado e alimentando as máquinas com energia eléctrica. No final da Segunda Guerra Mundial, surgiu a chamada terceira vaga da Revolução Industrial (há quem considere ter sido uma nova revolução) com a invenção do transístor, que permitiu ao aparecimento de computadores muito mais pequenos do que os anteriores. De então para cá, o avanço da electrónica tem sido crescente, com o aparecimento dos primeiros computadores pessoais no início da década de 80 e da World Wide Web no início da década de 90.

Os processos de manufactura continuam a mudar. Hoje fala-se muito em “Indústria 4.0” como uma quarta onda da Revolução Industrial, que consistirá não apenas no uso dos robôs, as máquinas electrónicas que são hoje comuns nas instalações fabris por serem ideais para a realização de tarefas repetidas (basta olhar para os sistemas de montagem de automóveis como os da Autoeuropa), mas, também, na sua combinação com uma série de tecnologias bem estabelecidas, como as redes de comunicação rápida, ou em vias de se estabelecerem, como a “Internet das Coisas” (uma rede ubíqua de sensores), a “computação em nuvem” (cloud), isto é, o cálculo conjunto por vários computadores situados em sítios diferentes da rede), a impressão 3D (que permite criar rapidamente certos objectos à medida), a realidade virtual ou aumentada (que permite criar mundos simulados que podem ser assaz realistas), a big data (a recolha de grandes quantidades de informação), e a já referida IA. Embora o termo “Indústria 4.0” não seja muito preciso, o conceito refere-se aos tipos de produção inteligente que estão a surgir com a disponibilidade de computadores e de redes computacionais cada vez mais evoluídas. Os especialistas pensam que os processos de produção irão funcionar através de sistemas complexos de máquinas, instalações, produtos e logística, que têm de ser continuamente optimizados. Os desafios são grandes e múltiplos. O maior deles é: que papel ficará para os seres humanos, em particular quais serão as consequências para os empregos, quais serão os perfis profissionais previsíveis e quais serão as novas necessidades de formação?

É sempre difícil fazer previsões. O físico Albert Einstein, cuja família aproveitou no fim do século XIX as oportunidades da segunda onda da Revolução Industrial (os seus pais e tios trabalharam na electrificação da Baviera e do norte de Itália), afirmou um dia: “Nunca penso no futuro. Ele não tarda a chegar.” De facto, ele que foi um dos pioneiros da teoria quântica não anteviu as tremendas consequências que ela traria para a sociedade com o aparecimento dos transístores, que assentam na ocupação por electrões de níveis de energia previstos pela teoria quântica. Contrariando a afiimação de Einstein, devemos pensar no futuro. Parece claro, se olharmos para o passado, que vai haver mudanças substanciais no trabalho humano. O trabalho humano não desapareceu, mas foi ficando diferente, adaptando-se às novas circunstâncias. No século XIX o trabalho nas fábricas substituiu o trabalho agrícola. É um facto que a automação veio eliminar nos anos mais recentes numerosos postos de trabalho, tanto nas fábricas como nos serviços (por exemplo, já quase não há portageiros, substituídos por robôs, assim como há cada vez menos funcionários bancários substituídos pelos próprios clientes, que usam sistemas de homebanking). Mas também é verdade que algumas profissões têm crescido de modo notável, como, por exemplo, engenheiros electrotécnicos, programadores e analistas de dados. Tudo leva a crer que essa tendência vai continuar. Segundo um relatório do World Economic Forum, divulgado em 2018, nos próximos quatro anos a evolução das máquinas e algoritmos no mercado de trabalho terminará com 75 milhões de postos de trabalho, ao mesmo tempo que criará 133 milhões novos postos de trabalho: isto é, serão criados 58 milhões de postos de trabalho. Alguns empregos que hoje existem deixarão simplesmente de existir, mas ao mesmo tempo serão criados novos empregos, alguns deles completamente novos. Um relatório relativo a Portugal da responsabilidade da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), do McKinsey Global Institute e da Nova School of Business and Economics (Nova SBE), anunciado em 2019, a situação entre nós não é tão optimista, por ser grande o nosso potencial de automatização de postos de trabalho: portugal perderá até 2030 até 1,1 milhões de postos de trabalhos, apenas sendo criados nesse período entre 600 mil e 1,1 milhões.

A informatização e robotização em curso, potenciada muito particularmente pelos algoritmos de IA ,colocam novas questões sociais sensíveis que se somam às anteriores sobre mercado de trabalho e a formação profissional, às quais a economia e a política serão obrigadas a responder. Por exemplo: Será sustentável o sistema de segurança social que está montado em países como o nosso? Fará, por exemplo, sentido taxar robôs, para além de taxar seres humanos? Permitirão os novos processos um acréscimo de riqueza suficiente para assegurar a todos um rendimento mínimo garantido? E que farão as pessoas sem trabalho?

Não temos hoje boas respostas para elas, mas sobre o futuro do trabalho podemos dizer alguma coisa. Uma vez que as tarefas de rotina são as mais fáceis de automatizar, parece claro que o papel humano será mais de criação e menos de execução rotineira. Uma máquina aperta melhor muitas porcas do que um operário como o Charlot em “Tempos Difíceis”. Como os sistemas serão cada vez mais complexos, a criatividade humana revelar-se-á cada vez mais necessária nos tempos que aí vêm. As pessoas mais criativas serão evidentemente as vencedoras, o que ao fim e ao cabo não é nada de novo, pois temos visto isso mesmo ao longo da história. E, uma vez que a criatividade necessita de um terreno sólido para desabrochar, uma preparação dada por uma escola superior revelar-se-á cada vez mais necessária. Também aqui não há nada de novo: a Revolução Industrial conduziu à massificação da escola, primeiro primária e depois secundária e a moderna sociedade do conhecimento tem vindo a valorizar o papel do ensino superior, que entre nós se divide num sistema universitário e num sistema politécnico (que, por vezes, se sobrepõem, criando ambiguidades). A qualificação será cada vez mais importante, se olharmos para a lista de perfis profissionais que os estudiosos do futuro entendem como necessários: por exemplo, especialistas em IA e em transformação digital, em automação e em redes, em dados e segurança informática, em media sociais e comércio electrónico, em marketing digital e interacções homem-máquina, etc. Certas profissões já existentes continuarão seguras, como, por exemplo, gestores, profissionais de marketing e vendas, avaliadores de riscos, cientistas e engenheiros, etc. Os jovens precisarão de uma formação inicial mais longa, que proporcione conhecimentos e treine capacidades, ao passo que a população activa precisará de formação contínua, que lhes confira a formação conveniente para lidar com as inevitáveis mudanças. O que temos garantido é a mudança. E quanto mais soubermos sobre o que está em causa, melhor nos poderemos preparar para participar dela.

E os professores? Sou professor e tenho-me interrogado sobre o futuro da minha profissão. Estou em crer que a profissão de professor, que é intermediador das aprendizagens pessoais, não é das que está mais em risco. Nos anos 80 e 90, perante alguns avanços da IA, houve quem julgasse que o ensino futuro viesse todo ele a ser realizado por computador, mas isso não aconteceu até hoje nem vai previsivelmente acontecer. Quer dizer, o ensino formal, seja inicial seja ao longo da vida, continua a basear-se no contacto humano, embora se tenha de reconhecer que boa parte do ensino informal passe hoje pela Internet. A informação já está e estará cada vez mais acessível em todo o lado e há que saber não apenas recolhê-la, mas sobretudo interpretá-la para poder tomar as melhores decisões em todos os casos reais que surjam. Há elementos pessoais, e sociais nos processos de aprendizagem. Como devem as escolas, os professores, os currículos adaptar-se às novas exigências? Na reflexão sobre o futuro da escola, convém não esquecer o essencial. É preciso acima de tudo assegurar que o mundo permaneça humano, o que significa que a sociedade não deverá nunca ver as tecnologias como um fim, mas sim como um meio para uma vida melhor.


1 comentário:

Verizon Connect disse...

Muito interessante! O mundo da inteligência artificial tem mudado muitos aspetos da nossa vida. No âmbito da logística, as aplicações de localização fazem a vida dos trabalhadores muito mais fácil. Obrigado pelo post.

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