segunda-feira, 4 de março de 2019

Não se livrem dos livros impressos”. Estudar em papel potencia a compreensão


Num estudo de meta-análise, publicado em Novembro de 2018 (ver aqui), quatro investigadores (três da Universidade de Valência e uma do Instituto de Tecnologia de Israel sistematizam as a eficácia, em termos de compreensão da leitura em suporte de papel e em suporte digital.

No jornal Público do passado dia 26 de Fevereiro, Cláudia Carvalho Silva, num artigo intitulado "Prefere ler em papel ou no ecrã? A ciência responde: há uma “superioridade do papel”, além de resumir esse trabalho inclui uma entrevista a um dos investigadores.
Um estudo da Universidade de Valência [conclui que] quando se lê em papel, a compreensão do que é lido é maior, ao contrário do que acontece quando o mesmo conteúdo informativo é lido em ecrãs (...) isto é sobretudo flagrante em crianças, o que exige uma reflexão política (…): “Não é por as crianças e jovens estarem mais habituadas aos ecrãs que a compreensão é maior - é precisamente o contrário”, alerta Ladislao Salmerón, um dos autores do estudo. 
Ao Público, Salmerón explica que uma das hipóteses para justificar que a compreensão digital seja menor em crianças é a “associação destes dispositivos a interacções curtas e re-compensas imediatas”. Isto, por sua vez, torna difícil que os jovens se consigam concentrar na leitura, por não se “desligarem” daquilo que esperam quando estão diante de um ecrã. “Precisamos de estar calmos, concentrados. É altamente incompatível com o uso actual que fazemos da tecnologia”, diz. 
Para chegar a estes resultados, foram analisadas as respostas de mais de 171 mil participantes, “uma amostra generalizada e com uma grande variedade de idades, das crianças aos idosos”. Cada participante leu individualmente, em silêncio, na língua que usa no dia-a-dia. Na análise foram só usados estudos que tinham por base textos simples e lineares, tanto no papel como na parte digital (evitando links ou animações que privilegiariam este formato). (…) restringimos a nossa pesquisa a estudos publicados em inglês”) (...). 
O grande número de participantes foi conseguido porque este estudo, intitulado “Não se livrem dos livros impressos”, é uma meta-análise (ou seja, combina os dados e conclusões de 54 estudos, feitos entre 2000 e 2017). “É mais poderoso do que um só estudo”, esclarece o investigador, reconhecendo que só não é vantajoso por estarem restringidos por aquilo que os outros investigadores fizeram. 
Como se lê no estudo, as pessoas adoptam um “estilo de processamento mais superficial” ao ler num formato digital, podendo também estar envolvida uma falha na qualidade e na capacidade de atenção. Seguindo esta hipótese, “quanto mais as pessoas utilizarem os meios digitais para estas interacções superficiais, mais difícil será usá-los para tarefas desafiantes”, os cientistas recomendem cautela com a utilização de dispositivos electrónicos para leitura na sala de aulas. 
Outro dos factores a ter em conta para uma compreensão eficaz é o tempo disponível para a leitura – o que é um “condicionamento clássico”, em salas de aulas (...). O investigador esclarece que isto está relacionado com “a forma como o nosso cérebro gere recursos no processo de leitura”: “Podemos pensar nisto como se fosse uma corrida. Se tivermos de correr 100 metros sem que o tempo conte, podemos ir ao ritmo que quisermos e consegue-se fazê-lo; se só tiver-mos um minuto, é diferente.” E acautela: “É por isso verdadeiramente importante que os estudantes estejam a gerir recursos de forma eficaz. É por isso que nestas situações se torna crítico que o dispositivo não nos perturbe, ou que nos faça pensar que estamos a ler e a interpretar quando na verdade não estamos”(…). 
Quando se trata de textos narrativos (romances, poesia), pouco importa se se lê em papel ou em suporte digital, porque a linguagem é menos técnica e mais próxima daquela que é utilizada no dia-a-dia, com mais diálogos, explica Salmerón (…). Os textos informativos são mais desafiantes para a nossa estrutura mental, precisamos de analisar vocabulário mais complexo, mais técnico”, adianta (…). 
A equipa também considerou importante investigar a diferença entre a leitura digital feita em computadores e que é feita em telemóveis, em e-readers (leitores de texto, como o Kindle) ou em tablets. “Na maior parte dos estudos, o digital refere-se a ecrãs de computa-or (…). [Reitera] que há poucos estudos e meta-análises sobre a influência da natureza do meio nos resultados de leitura. 
(...) Salmerón diz que não é preciso vilipendiar a tecnologia, mas encontrar soluções. “Não quero acreditar nem defender que é a tecnologia em si a causadora disto – mas é o uso que fazemos dela. As redes sociais, as conversas superficiais, as recompensas imediatas… não está a fazer nada de bom”. 
O estudo (...) mostra “de forma inequívoca que há uma inferioridade dos ecrãs, com resultados de menor eficácia de compreensão de leitura nos textos digitais quando comparados com os textos em papel”. Essa desvantagem é ainda maior em textos em que é preciso fazer scroll. 
A leitura digital acaba por ser uma parte inevitável nas escolas. “O facto de não podermos impedir a tecnologia de chegar às escolas não significa que não possamos ser mais selectivos”, observa Salmerón (…). Precisamos de mais intervenção do lado pedagógico (…) ‘o que podemos fazer para melhorar a interpretação textual através da tecnologia?’” (…) No caso da interpretação textual, “é provável que se tenha mesmo de abandonar a tecnologia”. 
Apesar das recomendações dos cientistas, há locais em que é dada primazia a recursos educativos digitais, deixando já o papel de parte (mas cada manual pode sempre ser impresso por cada utilizador). Nos Estados Unidos, por exemplo, o estado da Califórnia aprovou uma lei há dez anos em que ficou estipulado que todos os manuais académicos devem estar disponíveis online, em formato digital, até 2020. Também na Florida, em 2011, os deputados legislaram que as escolas públicas devem adoptar manuais escolares electrónicos, deixando o papel por inteiro. Em Portugal, raros são os casos de manuais escolares que vivam por si fora do papel, mas existem manuais que vêm acompanhados de materiais electrónicos (exercícios, vídeos, complementos à matéria). Em 2017, os deputados portugueses aprovaram uma proposta que visava o “fomento e generalização da desmaterialização dos manuais escolares”.

3 comentários:

Anónimo disse...

Na minha escola, onde, por hipótese académica, se parte do princípio de que os jovens estudantes do ensino profissional são todos mais pobrezinhos do que os três pastorinhos de Fátima, considera-se que o principal dever cívico de qualquer professor é ajudar a resgatar os seus alunos do estado de miséria franciscana em que chegam todos os dias à escola. Agindo em conformidade, o professor de cada disciplina deve alombar com três dezenas de livros de cada vez que se dirige para uma sala de aula, onde os alunos com as mãozinhas no ar aguardam ansiosamente por essa ferramenta clássica - mas infelizmente tão inacessível, dado o seu preço proibitivo -, e indispensável para quem pretende melhorar as aprendizagens. Terminada a aula, o formador recolhe escrupulosamente os manuais facultados aos alunos, a título de usufruto apenas durante o bloco letivo, e volta a alombar com eles até ao depósito geral da escola.
Sobretudo, é preciso manter as aparências, e ser humilhado perante alunos portadores de telemóveis de última geração, que sabem, à partida, que o sucesso escolar na escola das flexibilidades inclusivas, mais do que estar garantido, é obrigatório!
O manual, em papel, pode ter uma capa bonita, mas não é para abrir!

Helena Damião disse...

Estimado Leitor Anónimo, caro Professor
A situação que descreve é, para mim inédita: não sabia, nem me passaria pela cabeça, que o professor pudesse ser incumbido dessa tarefa que cabe aos alunos: transportar e cuidar dos manuais escolares que são, afinal, recursos de aprendizagem (não de ensino). Ou seja, os manuais são ou deveriam ser recursos para estudar além das aulas.
O estudo (que sistematiza dados de estudos) que divulguei não pode ser entendido, contudo, como uma defesa dos manuais em papel QUE TEMOS. Isso seria outra questão.
Cumprimentos,
Maria Helena Damião

Anónimo disse...

Cara Professora Helena Damião,

Os formadores, sim, formadores, porque o ensino profissional já há muitos anos que tem um caráter “formativo” que, atualmente, está a ser generalizado em força, e à força, ao ensino regular, através das flexibilidades e das aprendizagens essenciais, também têm a obrigação de carregar às costas um saco cheio de máquinas de calcular a disponibilizar a cada um dos pobres formandos sempre que estes necessitem de efetuar cálculos em “contexto de sala de aula”. Os livros em papel e as máquinas de calcular, que compete aos formadores carregarem para as aulas, são apenas dois apontamentos aberrantes, e humilhantes para os professores, de um sistema de ensino cujos sintomas de decadência atingem o paroxismo quando nas reuniões de avaliação, após discussão e análise do comportamento e aproveitamento dos formandos, o conselho chega quase sempre à conclusão que o comportamento é bom ou muito bom - para alunos do profissional, claro! -, e o aproveitamento também é muito bom ou bom!
A ministra da educação Maria Lurdes Rodrigues também propôs a divisão dos professores e educadores de infância em professores e professores-titulares porque era bom para eles!
Nuno Crato procurou reverter este rumo de queda para o abismo, mas, o pessoal do eduquês das aprendizagens essenciais, que está novamente no governo, finge, melhor do que ninguém, que a Educação em Portugal, em vez de estar a cair, está a subir para cima!

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