«A Escola sempre foi para mim um lugar de prazer onde me sentia mais inteira e mais eu. Onde encontrava o sentido para a vida. Na minha primeira escola, em terras africanas, descobri as outras crianças, as alegrias do recreio, as argolas, o trapézio e os baloiços. Nas carteiras da 4.ª classe, descobri o futuro que havia em mim. Logo ali disse que iria ser da História. Era a história narrativa daqueles primeiros anos que me prendia e me fascinava. Mais tarde, em Lisboa, reforcei essa vocação nas aulas de professoras que usavam métodos exclusivamente expositivos, hoje considerados ultrapassados, mas que me prendiam pela palavra. Também nos livros juvenis de ficção histórica, cuja trama me transportava para a Grécia Antiga e para as outras civilizações.
Muitos anos se passaram. O futuro chegou e confirmou os sinais iniciais. Estudei História em três universidades de Lisboa (Clássica, ISCTE e Nova). Tornei-me professora de História. Comecei a dar aulas de História no dia 11 de abril de 1975, na Escola Comercial Veiga Beirão, num espaço que se tornou histórico na minha vida pessoal e na vida do país, o Largo do Carmo, em Lisboa. Foi ali que caiu a ditadura e chegou a liberdade. Tinha 21 anos e fui dar aulas a alunos de 16 a 18 anos. Era para ser apenas um trabalho provisório, enquanto não descobrisse outra ocupação.
Militantemente, preparei uma aula cheia de ideias progressistas sobre a evolução humana e o papel da História. Os meus alunos não se interessaram. Só queriam saber quem eu era. Pediram-me que falasse de mim e falaram deles próprios. Cinquenta minutos depois, estava conquistada. Ali nasci como professora. Naquele momento, soube que era numa sala de aula repleta de alunos que eu gostaria de passar o resto da minha vida. Nunca esqueci os rostos desses primeiros alunos e a memória dessa primeira aula é uma das mais nítidas da minha vida.
Passei por escolas em Grândola, Montijo, Amadora, Linda-a-Velha, S. João do Estoril e Paço de Arcos. A escola continuou a ser para mim, já como professora, um espaço de imenso prazer. O mês de setembro surgia, ano após ano, cheio de expetativa. Eram os novos alunos que chegavam. O novo desafio, todos os anos renovado, de conhecer as turmas, limar comportamentos, ganhar os alunos pelo interesse, motivá-los para o trabalho, envolvê-los em atividades extracurriculares interessantes, vê-los crescer ao longo de três anos letivos, do 7.º ao 9.ºano ou do 10.º ao 12.ºano.
Foram 38 anos. Quase todos felizes. Só nos últimos deixei de sentir a alegria de cada começo e só esperava que chegassem ao fim. O cansaço, o desgaste, a desilusão vieram substituir a adrenalina que nascia todos os anos no mês de setembro. A escola mudou.
Primeiro foi a imposição do eduquês. Depois, a proliferação de disciplinas que só serviam para uma compartimentação desnecessária do saber e para aumentar a carga horária dos alunos e o peso das suas mochilas. Simultaneamente, assistiu-se à desautorização sistemática dos professores perante muitos atos de indisciplina dos alunos que as direções desvalorizavam e deixavam avolumar-se. Nunca cedi perante o que passou a ser politicamente correto e sempre consegui, na sala de aula, o respeito dos alunos, prendendo-os à minha palavra, envolvendo-os no trabalho e nunca admitindo comportamentos menos apropriados. Como todos os professores, tive que me adaptar às novas tecnologias da informação e, depois das primeiras tentativas frustrantes, aderi com entusiasmo vendo o benefício que delas retirava na construção de materiais pedagógicos que davam mais cor e vivacidade às aulas.
Depois, tudo piorou. Foi o princípio do fim. Chegou uma ministra que se gabava de não ter o apoio dos professores para as reformas que desejava implementar na educação. Começou por pôr “ordem na casa”, através de um concurso para titulares que dividia a carreira docente em professores de primeira e outros de segunda. A luta dos professores conseguiu acabar com tal aberração. Depois, em nome da qualidade, impôs uma malfadada avaliação, marcadamente injusta, que classificou os professores a partir de quadros, grelhas e relatórios com um número infindável de parâmetros que era preciso satisfazer.
Uma avaliação mecanizada e que mecanizou os professores, esquartejando o seu trabalho, em detrimento de uma avaliação holística apoiada no bom senso. Detestei ver a minha atividade não letiva ser avaliada por colegas de outras áreas disciplinares que encaravam a Escola de uma forma diferente da minha e, também eles, vítimas de uma avaliação que privilegiava a quantidade em detrimento da qualidade. Para exemplificar, montar uma colorida árvore de Natal tinha o mesmo valor pedagógico que organizar uma semana de debates para comemorar o 25 de Abril. Era UMA atividade e por isso tinha o mesmo peso nos quadros de avaliação. Detestei avaliar colegas através de grelhas que eu tinha imensa dificuldade em preencher de modo a não os prejudicar. Reconheço que a avaliação é necessária, mas não aquela que nos foi imposta. Teve ainda o efeito de estragar definitivamente o ambiente nas escolas, semeando a divisão e desconfiança entre professores que eram obrigados a avaliarem-se entre si, na corrida pelo Excelente e Muito Bom que, mesmo obtido, podia não levar a lugar nenhum.
Depois, chegaram as aulas de substituição para as quais nunca vi nenhuma utilidade. Numa sociedade onde a cultura do trabalho e do esforço são muito ténues, a ideia de obrigar 20 a 30 alunos a retirar utilidade de aulas com professores substitutos nunca colheu adeptos. Não lhes reconheciam autoridade e tentavam boicotar qualquer trabalho tentado. Ninguém queria revisões de História quando o professor que estava a faltar era de Físico-Química, para exemplificar. Poucos queriam aproveitar o tempo para estudar. Sonhavam com o furo que lhes dava mais um tempo saboroso de recreio. As direções, para ultrapassar o problema, obrigavam os professores que faltavam a deixar fichas para os alunos fazerem, levadas pelos professores substitutos. Como não se sabia quando se ia faltar, além do trabalho letivo, da burocracia e das reuniões sucessivas, todos os professores eram obrigados a criar uma bateria de fichas prontas para serem aplicadas. Tal como os alunos, também os professores não aderiram a estas aulas fictícias que, face às vicissitudes inerentes, desvalorizavam ainda mais o seu trabalho, transformando-os em entertainers.
Muitos sentiam perder dignidade e eram humilhados pelos alunos. Muitas depressões tiveram origem nessas aulas de substituição. No meu caso concreto, tentei todas as estratégias: abordar assuntos de interesse geral, passar filmes, organizar jogos, distribuir as tais fichas. Sentia-me usada e mal aproveitada pelo sistema, e também desrespeitada pelos alunos, o que nunca acontecia com os meus alunos, nas minhas aulas de História. Acabei por desistir. Deixava-os estar à vontade na sala. Podiam estudar, conversar, ouvir música. Só não podiam fazer muito barulho para não prejudicar as outras salas. Quando fazia bom tempo, levava-os a passear pela escola ou dirigíamo-nos para o campo de jogos, para os rapazes jogarem futebol enquanto as raparigas ficavam a cochichar nas bancadas. Licenciada, com um mestrado em História, fazia de babysitter dos alunos dos outros professores.
A par de todas as mudanças já enunciadas e na sequência das mesmas, a burocracia tomou conta da Escola. Toda a atividade humana passou a ser regida por regulamentos, regras, planificações a longo, médio e curto prazos, planos individuais de recuperação, planos individuais de desenvolvimento, grelhas, folhas excell, relatórios e toda uma infinidade de outros instrumentos de registo, em formato digital e em papel que nos passaram a infernizar, ocupando de forma estéril o nosso tempo.
Particularmente penoso passou a ser o trabalho dos Diretores de Turma. Surgiram plataformas digitais que rivalizavam e se juntavam aos muitos papéis que aqueles professores eram obrigados a preencher, registando semanalmente tudo o que ia acontecendo. Com prazos para tudo. A utilização simultânea e permanente de todos aqueles registos burocratizou o trabalho dos professores e retirou-lhes tempo para viver e sentir a Escola e os alunos.
Comecei por cumprir. Depois fui relaxando. Realizava o trabalho exigido, mas só quando dispunha de tempo, após as minhas tarefas letivas. Deixei de cumprir prazos. O meu estatuto de mais de 20 anos de escola e o sucesso dos meus alunos deram-me essa folga, mas sentia o stress dos meus colegas mais novos, aflitos com a falta de tempo por estarem tanto tempo na escola.
Como elemento essencial da burocracia, a febre das reuniões aumentava ainda mais o tempo passado na escola. No início, no meio e no final dos períodos, aquelas assolavam a escola, por determinação superior. Ordinárias e extraordinárias. Reuníamos por turmas, mas também por departamentos (outra novidade que misturava professores de várias áreas) e por grupo disciplinar. Eram obrigatórias reuniões semanais. A ideia seria criar condições para o trabalho em grupo, mas imposto daquela forma e em espaços onde tudo faltava para realizar um útil trabalho criativo (materiais, computadores que funcionassem, acesso à Internet, impressoras disponíveis e, sobretudo, silêncio e recolhimento para a reflexão conjunta), aquelas reuniões obrigatórias eram um suplício e todos desejavam ir para casa para poderem trabalhar em paz e com os seus materiais.
A Escola desumanizou-se para se transformar cada vez mais numa empresa vocacionada para o sucesso, com professores cada vez mais padronizados e mecanizados. Tornaram-se mais individualistas, passaram a conviver menos. Abandonaram muitos projetos culturais extracurriculares, por falta de tempo e porque lhes exigiam ainda mais instrumentos de registo para preencher.
Mudou o tempo de estar, o tempo de ser professor e aluno. O tempo de viver a Escola. Durante anos houve uma escola com tempo para enriquecer os conteúdos, tempo para ser criativo, para inventar, com os alunos, atividades fora da sala de aula, tempo em que aprendizagem era também feita de coisas que aconteciam simplesmente. Em que se planificava, preparava e avaliava, mas onde havia espaço para a liberdade e a criatividade. Tempo em que eramos nós próprios, inteiros e não peças de uma máquina a repetir tarefas impostas e padronizadas. Tempo para ser diferente e para criar aqueles laços fortes que duram uma vida inteira. Laços entre professores, entre professores e alunos.
Decididamente, aquela já não era a Escola onde eu me sentia feliz. Quebrara-se o encanto. A adrenalina dera lugar ao desânimo, ao desgaste, à vontade de partir.
Foi o que fiz, logo que a oportunidade surgiu. Aos 59 anos, pedi a reforma antecipada. Fui penalizada financeiramente por me faltar idade, mas salvei o meu equilíbrio emocional. Sempre pensei que me iria sentir triste na minha última aula e que a despedida dos alunos iria ser dolorosa. Não foi assim que aconteceu. Passou despercebida, até para mim própria. Eu que nunca esqueci os rostos dos alunos da minha primeira aula num dia de abril de 1975, não guardo qualquer recordação dos alunos da minha última aula. Não sei se eram alunos do Básico ou do Secundário.
A sua memória perdeu-se para sempre, envolvida no desgaste e desalento dos últimos anos. Treinei-me para deixar de sentir e foi assim que deixei a profissão que tantas alegrias me deu durante mais de 35 anos.»
Testemunho de Ana Paula Torres,
20 de Setembro de 2018
10 comentários:
Subscrevo tudo, excepto a ortografia acordista. Que pena !
Também desisti - mas mais a tempo, ainda me safei de muita dessa tralha pedagógico-burocrática. Só me admiro como é possível termos chegado até aqui: como foi possível, com a escolástica, com sete ao oito séculos de escola 'repressiva', 'directiva', baseada na memória e no 'sacrifício' do estudo, termos obtido todo este progresso do conhecimento e da qualidade de vida, e a libertação crescente das limitações e sofrimento impostas pela natureza. A Escola de que este depoimento falacondena a escola do passado como se ela tivesse falhado redondamente. Não: foi um sucesso estrondoso, excepto em ter formado os padagogos de agora. Esta escola de agora é que e um falhanço estrondoso - faz toda a gente revoltada e infeliz, alunos e professores; produz ignorância e insucesso como nunca.
Felizmente ainda comecei a minha profissão de professor em bons tempos, com valorização do saber e subalternização dos afectos e da socialização cívica. Pude ensinar com gosto e bom ambiente, respeito de parte a parte, o mínimo de papelada e de tempo perdido. Não perdia os fins de semana e as férias (interrupções) a trabalhar para a escola. Tinha, em cada dia, tempo de sobra para isso. O pior crime de todos os crimes que a noviscola cometeu, foi tirar-nos o tempo, a nós e aos alunos, que também tinham a escola por turnos com metade do dia livre. Éramos, enfim, felizes. Convivíamos nos cafés, onde podíamos comer bolas de Berlim com coca-cola. Esses meus alunos, quando às vezes os encontro - e lembram-se bem de mim - estão 'bem' na vida. Não ficaram na caixa do LIDL nem emigraram.
Culpas há muitas: das escolas Piaget, dos cursos de "Ensino de...", das Universidades aldrabonas, de Maria de Lurdes Rodrigues e seu mentor João Freire. Ministro de jeito só conheci o David Justino; Roberto Carneiro também não foi mau.
Prezado Leitor Mário Gonçalves
A escola anterior de que fala (necessariamente múltipla) formou pedagogos e todos aqueles que, não o sendo, se fazem passar por eles. Sem negar responsabilidade a muito pedagogos no estado descrito no Inquérito em causa é preciso reconhecer que eles não têm toda a responsabilidade. Na verdade, muitos são aqueles que, sem nada terem estudado de pedagogia, se fazem passar por especialistas na área.
Penso que mais do que imputarmos responsabilidades (ou culpas) a grupos (especialistas, políticos, etc.) devemos tentar perceber o estado do ensino e fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para dignificar a função docente.
Evidentemente, agradeço o seu comentário, ressaltando dele a interrogação que partilho consigo: como é possível termos chegado aqui, a esta situação? E, acrescento, não fazermos nada?
Cordialmente,
MHDamião
Não faz qualquer sentido uma escolaridade obrigatória tão longa - 18 anos! - quando as autoridades governamentais, através de um ror de diretivas escritas em eduquês verborreico, se contorcem todas para tentar explicar aos professores mais renitentes que muito mais importante do que ensinar é trabalhar diversificadamente em sala de aula, de maneira a que todos, e cada um dos alunos, atinjam, fácil e rapidamente, o sucesso! Não estando os professores autorizados a irem para além das aprendizagens essenciais da escola inclusiva, um conjunto de trivialidades que ficam muito aquém do senso comum, a duração da escolaridade obrigatória deveria ser reduzida para os 16 anos, mas, simultaneamente, o sucesso escolar dos alunos deixaria de ser uma imposição do ministério da educação!
Se não forem tomadas medidas, desde já, a escola infernal descrita por Ana Paula Torres, só pode piorar!
Cara Dr.ª Helena Damião
Leio sempre as suas publicações aqui com atenção, dei conta da seriedade, bom senso e trabalho de reflexão crítica que sempre demonstra.
Perceber o estado do ensino, já muitos de nós o perceberam, bem de mais. O depoimento da professora citado bem o demonstra. O problema, evidentemente, está em tomar decisões de mudança, e isso cabe aos políticos, ao governo. Portanto, sim, eles são grandemente responsáveis. Não lhes quero instaurar os processos que bem mereciam, mas sim que se saiba amplamente o mal que fizeram.
A Drª Helena diz "não fazermos nada". Mas 'nós' quem ? A professora do depoimento diz tudo: desistiu. Deixou de sentir. E provavelmente já nem quer pensar mais nisto, só cumprir os mínimos. Nós, a bem dizer, já fizemos tudo, já berrámos, já lutámos, para nada. As lutas em curso são só por dinheiro, mais que justo, porque até dinheiro nos devem, que pouca vergonha. Os especialistas em pedagogia são na maioria da corrente pós-moderna, com os valores todos invertidos dos nossos. Quem é que tem de fazer alguma coisa, senão os decisores políticos ? Claro que é preciso coragem, enfrentar lobbies poderosos, não é para os fracos que lá estão. Desajeitadamente, o governo anterior e Nuno Crato tentaram barrar-lhes o caminho e voltar à rota certa: não souberam ou não puderam, foi um desastre.
Como é possível, digo eu, o descaramento com que se menoriza uma instituição de séculos de sucesso, destruindo-a em favor de qualquer coisa informe, pantanosa, condenando o futuro? Não temo nada as alterações climáticas, adaptar-nos-emos; temo sim asneiras como esta, alterações educativas idealistas e dogmáticas, que podem deitar a perder uma ou mais gerações.
Diga-me, Drª Helena, como é possível 'eles' não fazerem nada ?
Errata: Onde se lê "18" deve ler-se "12"; onde se lê "16" deve ler-se "10".
"A Escola desumanizou-se para se transformar cada vez mais numa empresa vocacionada para o PSEUDO sucesso".
Os professores estão a colher o que semearam. Há muito que são elementos de uma massa acrítica que se curva ao poder e ao "poder" dos diretores.Na generalidade enveredaram pelo espírito do rebanho. Não os vejo a baterem o pé quando são humilhados, mecanizados, tornados em burocratas e, muito pior, quando a escola está a perder a sua função: Ensinar. Sou professora, estou no terreno e sei do que estou a falar. Apesar de estarem exaustos, cumprem as ordens sem as examinar. Os que evidenciam algum espírito de revolta são ostracizados. NÃO DESISTIREI!
A Escola, mormente os professores, não tem tido o devido, merecido e imperioso respeito por parte dos agentes "políticos" e económicos, que pululam à volta dos seus valores e interesses, não como professores (porque não querem ser professores?), mas como ministros da educação (que nunca deram uma aula), Secretários de Estado, Diretores..., cargos, cargos, Ex.as..., para não falar de comentadores avençados pela televisão, que nenhum aluno suportaria ouvir mais do que cinco minutos, e os professorecos que se lixem.
Mas os professores que não se deixam intimidar estão dispostos a pagar e tÊm pago, um preço muito elevado para travarem e vencerem esta guerra. O problema (há sempre um problema) são os professores que se deixam intimidar e, "sem quererem", prejudicam e deitam a perder a luta daqueles, ou porque se aliam ao inimigo, ou porque estão confusos sobre quem é o inimigo, ou...
Uma coisa é certa, os professores estão muito fragilizados e deixam-se intimidar facilmente. E é revoltante observar a pulhice de quem se aproveita disso, como se fosse o único ensejo de ter autoridade. Acobardam-se diante dos fortes a quem oferecem a honra e a glória de espezinhar os indefesos e fracos.
Tenho 36 anos de serviço e também passei por tudo isso. O texto da colega traduz exatamente o que se passa nas escolas e é isso mesmo que aqueles que estão nos gabinetes não conhecem. Estes últimos governos maltrataram os professores, enxovalharam-nos, quiseram tirar-lhes toda a dignidade e só com um imenso esforço continuam de pé. Quando comecei a lecionar, disseram-me que ao completar 36 anos de serviço estaria aposentado com a reforma por inteiro. Trinta anos depois, vieram dizer-me que, afinal, depois dos 36 anos de serviço, tenho que trabalhar mais 8, portanto, só com 44 anos de serviço e 67 de idade. Pois, porque agora a idade da reforma está nos 66 anos e 5 meses e sobe um mês cada ano. Quando eu lá chegar, se eventualmente conseguir, terei 67. Como poderei lidar com os alunos de agora com essa idade? Só loucos desgovernados poderão pensar dessa forma. Mas o enxovalho não acaba aqui. Roubaram-me tudo. Além dos 9 anos 4 meses e 2 dias, roubaram-me 16 meses porque me chamaram para o serviço militar OBRIGATÓRIO quando estava a meio do ano letivo e todo esse tempo não conta para a carreira. Mas obrigaram-me a ir para a tropa, eu não fui voluntário. Portanto, já me tiraram 10 anos 8 meses e 2 dias na carreira. Tal como a colega, também estou muito desiludido, acabou o encanto que era a escola. Haveria muito mais para contar e só quem está no terreno é que sabe o estado em que está esta escola que, definitivamente, não era a escola que eu sonhava.
Acho que ha bastantes professores que sentem o mesmo que a colega. Trabalhamos na Escola, porque nos obrigam. Os alunos não querem aprender e os professores estão fartos de lutar e nao nos respeitam. Ainda por cima nos devem bastante e exigem que trabalhemos nestas condições até aos 67 anos. Francamente estou farta!
"Tão nós"! E continua a piorar, dou por mim a dar a matéria secamente porque há uma prova de aferição e a escola não pode fazer fraca figura. Como o programa é gigantesco para tão poucas horas a direcção já pensa em horas de compensação ( apenas para este ano) . Isto faz algum sentido?
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