É difícil afastar das festividades desta quadra natalícia (convertidas num consumismo desenfreado que, embora compreenda e tenha por inevitável, me desgosta) tanta dor que grassa por este nosso mundo.
Este flash de fim de vida, intensamente estampado nesta excelente montagem fotográfica de Jorge Vieira, cala bem no fundo da nossa sensibilidade, não pela sombra do companheiro que partiu, já liberto e descansado das dores do corpo e da alma, mas pela irreversível e imensa solidão de quem ficou.
Tudo dói na crueza desta imagem.
É a expressão no rosto da velha senhora, é o seu cabelinho ralo e desalinhado e o seu corpo, que se adivinha ressequido, escondido numa roupa que, por isso, ficou vários números acima. São os sapatos e as meias, de quem não tenciona sair à rua. É aquela mão descarnada e é, ainda, a toalha, grande demais para a pequena mesa a dois, agora dobrada e a dizer que, estendida, serviu uma família inteira que se esfumou. Pelos vincos bem marcados, esta toalha, talvez de linho, que ela própria bordou em tempos de jovem casadoira, a juntar ao enxoval, mostra que acabou de sair de um velho baú, com anos e anos de dobrada e adormecida ao lado de um saquinho de alfazema.
A.Galopim de Carvalho
2 comentários:
Um artigo comovente e necessário de GC, que me lembra este lamento de meu Pai:
“À espera de que as coisas mudem, no desespero de quem presume que nada vai acontecer; Ver passar cada minuto, cada hora, cada dia e os dias que se seguem, todos iguais a nada;
Ouvir as gargalhadas da vida sem ânimo para delas compartilhar;
Não ter fé a que amparar-se, ainda que interesseiramente, para descargo de uma consciência atormentada;
Crer num Deus que não conforta porque não é essa a Sua missão, quando outros sim: e ter de reconhecer que são eles os felizes;
Suportar o bulício do quotidiano a massacrar o espírito conturbado e ser incapaz de moderá-lo;
Querer pedir ajuda sem ter na alma voz que chegue;
Ter de refugiar-se estoicamente na ideia de que sempre há pior, carecendo de discernimento para descortinar termo de comparação;
Afinal, ser tão parco o desejar e tamanha a recusa…
Se cuidas haver maior angústia, então não está só”
AE
A solidão é condição humana. Para quê disfarçar? O outro é uma virtualidade.
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