Subjaz a esta ideia o pressuposto de que o conhecimento, como expressão da capacidade humana para explicar o real e a própria existência, não é propriedade de quem o produz, pertence a todos e, nessa medida, deve ser partilhada, até como elemento que conduz ao esclarecimento e à tomada de decisões que beneficiem as próprias pessoas.
Criaram-se colecções de livros e de revistas de divulgação científica, produziram-se séries, documentários e concursos para televisão bem como programas de rádio com o mesmo fim. Inauguraram-se museus e centros de ciência, e todos eles abriram as portas, foram para a rua; fundaram-se parques e cidades de ciência atractivos. Muitas universidades proporcionaram especializações em divulgação científica, fizeram-se milhares de teses e de conferências, publicaram-se artigos sem fim. Os sistemas de ensino reforçaram as componentes científicas dos currículos, os cientistas foram às escolas, as crianças e os jovens entraram nos laboratórios e nos auditórios, juntando-se aos especialistas. O esforço de tornar a ciência divertida, viva, prática, do dia-a-dia foi enorme. Com a chegada da internet tudo isto se multiplicou; parecia, enfim, possível levar o modo de pensar em ciência a toda a gente.
Já entrado este século, vimos que o efeito contrário (talvez apenas adormecido) espolotava. E não era só nas ciências ditas moles que ele se fazia sentir, era também nas ciências ditas duras.
Surgia, aliás, um fenómeno novo: ciências moles e duras, antes de costas voltadas, desdenhando umas das outras, viram-se misturadas na mesma tragédia. Expressões da física, da astronomia, da psicologia, da medicina, da história, da pedagogia foram apropriadas pelos mais diversos exoterismos (muitos deles com origens geográfico-culturais distantes) e começaram a aparecer ligadas, sem critério, em discursos ininteligíveis que prometem a salvação dos mais diversos males do mundo.
Universidades e centros de investigação, associações e ordens profissionais, em vez de continuarem a defender os princípios do pensamento e da acção científica, toleraram este fenómeno e alguns dos seus representantes converteram-se a ele. Criaram linhas de trabalho, publicaram livros, fundaram revistas, realizaram encontros científicos, orientaram trabalhos académicos...
Os telhados dessas instâncias tornaram-se de vidro, cada vez mais quebradiço, qualquer areia o parte. Nada podem dizer ou fazer que não lhes seja apontado o dedo e com a substância das provas que vão ficando no espaço virtual.
Tudo isto ultrapassou o (algo cândido) quadro de leitura intelectual que foi o pós-modernismo; é o (aguerrido e agressivo) quadro obscurantista da pós-verdade que se impõe. Com pé-de-lã e voz de veludo dispensa o esforço de pensar, de saber e de questionar, fala ao coração, promete a beleza, a leveza, a diversão, a felicidade...
Este texto foi, em grande medida, inspirado por um vídeo que me foi enviado por um colega biólogo acompanhado do seguinte comentário: "sobre a comunicação da ciência ou, melhor, sobre a dificuldade em comunicar ciência e como a ciência devia ser comunicada nos dias de hoje!"
Filme aqui com legendas.
8 comentários:
A Ciência é cada vez mais difícil de entender pela generalidade das pessoas. Para a maioria da população dos países desenvolvidos, a quem o pão sobeja, a Ciência nunca será tão atraente como as super-modelos, que praticam ioga e comem sementes de quinoa, nem como o circo das redes sociais!
Para terem uma pequena ideia da desorientação que varre as nossas escolas C + S, eu, enquanto professor de física e química, fui arregimentado para frequentar uma "Ação de Formação", requisito indispensável para se progredir na carreira, através de uma plataforma na internet, em que formadores credenciados e jornalistas encartados, instruem os professores, das áreas das ciências experimentais, sobre a estratégia poderosíssima de ensino/ aprendizagem que é abordar o tema do aquecimento global promovendo debates em sala de aula tendo como ponto de partida notícias atuais de jornais, da rádio, da televisão e da intenet!
Os professores de ciências recebem lições de jornalistas sobre o tempo, o clima, o efeito de estufa, as radiações eletromagnéticas, as alterações climáticas naturais e antropogénicas, e muitos outros conceitos complexos das cIências, adquirindo assim as bases científicas necessárias para dar aulas de ciências!
Batemos no fundo!...
O sr. deve ter lido mal e inscreveu-se numa "Acção de deformação"
Tenha calma, Senhor Anónimo às 22:16!
Nem tudo está perdido! Podemos ter batido no fundo, mas veja a proficiência com que as nossas autoridades portuárias, cuja tutela está, em última instância, a cargo dos políticos António Costa e Catarina Martins, puseram a navegar, em menos de um ai, o navio espanhol que estava encalhado na foz do Tejo, perto do farol do Bugio. O país atrasado de Salazar, onde para ter aproveitamento nos liceus os alunos eram cruelmente obrigados a estudar "para não perderem o ano", já lá vai! Agora, vai tudo de arrastão, sejam barcos ou estudantes encalhados!
Eu li bem, mas é verdade que me inscrevi numa "Ação de deformação". Por causa da rivalidade com nuestros hermanos castelhanos católicos tivemos de pagar um preço alto demais pela proteção da Inglaterra que, ainda por cima, optou pelo lado protestante. O Tratado de Methuen entre a Portugal e Inglaterra, representando o corolário de uma relação desigual, entre um país de padres e de analfabetos agarrados à rabiça do arado, que vende vinho, e um país onde a cIência moderna avança a passos largos ao lado da Revolução Industrial, que vende produtos manufaturados, explica, com uma forte carga simbólica, a razão da minha submissão a ações de deformação. Pior do que não termos um bom sistema de ensino é não termos dinheiro. Os eurocratas pagam muito melhor a deformadores do que a professores! Os resultados estão à vista!
O país atrasado de Salazar e o arrastão actual... e o barco encalhado. Tudo coisas que não têm nada que ver umas com as outras. Dava uma boa história.
Salazar e os mitos... eis o que está por fazer. Esta é outra engraçada - dantes, lá nos idos de 1960, a população era tão instruída nos "liceus" que nem pensava sequer ir para a Universidade - para quê, se já sabiam tanto?
Esses notáveis 24 mil sobreviventes que em 1969, ano da chegada à Lua, chegavam ao nível do (ufa!) ensino secundário. 9 mil e 600 meninas... quase génias, pois claro. Eu se fosse a eles na altura pagava-lhes aulas colectivas nas 1ªs bancadas dos antigos estádios de futebol, com um megafone, claro, se calhar saía mais barato do que fazer escolas.
O mais curioso disto tudo é que em 1969, ano da chegada à Lua, dos 14,4% da população portuguesa matriculada no ensino básico, 10,6% pertenciam ao 1º ciclo.
Os números são aterradores da espantosa educação de 1969: repare-se que, nesse ano, apenas 11,8% dos alunos com idade de frequência de 3º ciclo frequentava esse mesmo ciclo, o que significa que das crianças dos 12-14 anos, apenas quase 12 em cada 100 aos 14 anos frequentava o equivalente ao actual 9º ano e no caso do secundário a equivalência percentual era apenas 3,5 em cada 100 alunos - o que significa que os chumbos ou eram constantes (88 em 100 com chumbo) ou as pessoas deixavam a escola... a partir dos 10/11 anos, muito sábias decerto.
O desenvolvimento de um país está muito longe de poder ser medido apenas pelo número de diplomados que tem, sejam todos eles também doutorados ou não!
Até o célebre Vasquinho da Anatomia sabia que chapéus há muitos!
Atualmente, é verdade que temos muitos doutores Sócrates, Relvas, Ruis Esteves licenciados em Proteção Civil, no Instituto Politécnico de Castelo Branco, com 32 equivalências em 34 unidades curriculares, e inumeráveis doutoramentos em ciências da educação conferidos por universidades privadas a professores primários, educadores de infância e professores de escolas C+S que, por essa via fácil, sobem mais rapidamente na carreira, mas quando se trata de áreas sensíveis como é a da educação nacional, as quantidades estatísticas falseadas não conseguem esconder a qualidade péssima do ensino secundário em Portugal. Quando se chega ao ponto de perguntas de interpretação, em exames de português do 12.º ano, serem respondidas por meio de cruzinhas, imitando as assinaturas dos analfabetos, o barco já bateu no fundo!
Para desencalhar o navio espanhol na foz do Tejo foi necessário requisitar um rebocador holandês, o que quer dizer que ainda não somos tão desenvolvidos como certas estatísticas pretendem fazer crer!
A reforma Veiga Simão ia pelo bom caminho, mas foi brutalmente interrompida pelo 25 de Abril, que abriu as portas à anarquia no ensino liceal em Portugal!
oh man! poucos são aqueles que acreditam que o homem foi á lua. Olhe que nem o professor Fíolhais já acredita nisso.
Estou convencido que as ideias fundamentais da ciência podem ser explicadas a qualquer pessoa que se disponha a fazer o esforço necessário para as compreender. Também estou persuadido de que compreender estas ideias é uma das experiências mais estimulantes e compensadoras que alguém pode ter.
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