quinta-feira, 20 de julho de 2017

QUE É FEITO DO “PERFIL DO ALUNO”?


Meu artigo convidado no "Observador" de hoje:

Em 13 de Março passado terminou a discussão pública, suscitada pelo Ministério da Educação, de um documento com o pomposo título “Perfil do Aluno para o Século XXI”. Escrevi sobre ele uma crónica na Público (“O novo PREC”), na qual chamava a atenção para o perigo de mais uma reforma educativa, que era, ao fim e ao cabo, o que estava a ser congeminado sob a égide do tal documento. Defendi que deviam acabar as reformas educativas sempre que o ministro mudava. Alunos, professores e escolas precisam acima de tudo de estabilidade.

Uma sólida preparação de base nas disciplinas em que o saber humano está desde há séculos distribuído, como o Português, a Matemática, a História ou a Física, era o que eu esperaria para os alunos no final do 12.º ano, que desejavelmente iriam seguir para estudos superiores. Ora o dito “Perfil” não reconhece a relevância dos saberes disciplinares, pretendendo substituí-los por “competências”, definidas de forma vaga como “combinações complexas de conhecimentos, capacidades e atitudes” (p. 12). Temendo que os leitores não entendam, o documento ilustra as “competências” com um boneco a cores, vindo da OCDE, que faz lembrar uma trança. A palavra “competências” está omnipresente, aparecendo 54 vezes ao longo das 14 páginas do texto. As competências preferidas são as “competências-chave”, que são dez como no Decálogo.

O “Perfil” repete uma mão cheia de lugares comuns, alguns importados da OCDE e outros nem isso. O que há de novo, ou sequer de substantivo, em frases nada claras como, por exemplo, esta: “A educação permite fazer conexões entre o passado e o futuro, entre o indivíduo e a sociedade, entre o desenvolvimento de competências e a formação de identidades” (p. 7)? Ou estoutra: “a flexibilidade é instrumental para se dar a oportunidade a cada um de atingir o perfil proposto, de forma coerente, garantindo a todos o acesso às aprendizagens” (p. 8)? Entre os chavões recorrentes estão, além das “competências” e do “perfil”, o “desenvolvimento”/ ”desenvolver” (40 vezes), a “consciência”/ ”consciente” (17 vezes), a “sustentabilidade”/ ”sustentável” (12 vezes) e a “criatividade”/ “criativo” (12 vezes). Em contraste, a palavra “exigência” só aparece três vezes enquanto a palavra “disciplinas” surge uma única vez.

Mas o documento não se limita a repetir ideias feitas. Propõe-se mudar o ensino. O Conselho Nacional da Educação salientou que o “Perfil” implicava uma mudança curricular. O que se pretende fazer, embora de forma encapotada, é reorganizar o currículo, isto é, mudar os conteúdos e práticas lectivas. Não é por acaso que a “aprendizagem” (13 vezes) domina o “ensino” (5 vezes). E também não é por acaso que a “tecnologia” (20 vezes) domina a “ciência” (11 vezes). O “Perfil” quer “organizar o ensino prevendo a experimentação de técnicas, instrumentos e formas de trabalho diversificados, promovendo intencionalmente, na sala de aula ou fora dela, actividades de observação, questionamento da realidade e integração de saberes” (p. 18). Eu tenho pena dos alunos que, se o documento vinga, vão ter de experimentar “técnicas, instrumentos e formas de trabalho”. E tenho também pena dos professores que, mesmo estando seguros de técnicas que praticaram ao longo da vida e comprovadamente funcionam, como o “ensino directo”, vão ter de experimentar o que não funciona bem, pelo menos de forma generalizada, como “projectos”.

Para concretizar o novo modelo educativo o Ministério criou um grupo de trabalho multidisciplinar (do qual excluiu a Sociedade Portuguesa de Matemática, que acaba de ganhar o Prémio Gulbenkian Conhecimento, pela promoção do sucesso escolar), solicitando-lhe que reduzisse o currículo ao essencial do essencial. Chama-se “emagrecimento curricular”. A ideia não é “encolher os miúdos”, mas sim encolher o que os miúdos aprendem.


Qual é o ponto da situação? Temendo um alvoroço nas escolas por altura das autárquicas, o primeiro-ministro mandou reduzir a grandiloquente reforma a um ensaio controlado: a mudança deveria ser experimentada num grupo de escolas que se voluntariariam para o efeito. Esteve bem António Costa, ao limitar os danos. Mas o novo ano lectivo está à porta e desconhece-se a lista das escolas-piloto, o que vão ensinar e como vão ensinar. Sabe-se apenas que serão criadas duas novas disciplinas (“Cidadania e Desenvolvimento” e “Tecnologias da Comunicação e Informação”) e que as escolas poderão gerir até 25% da carga horária. 

Não existe ainda o “Perfil” revisto de acordo com os pareceres recebidos nem existem as conclusões do grupo do “emagrecimento curricular”. O ministério da Educação queria alterar a educação a seu bel-prazer, mas parece que o princípio da realidade se impôs ao princípio do prazer. 

1 comentário:

Anónimo disse...

Esqueceu-se da Filosofia Senhor Professor...
Sem ela não haverá verdadeira educação, já que esta só será possível na sua indelével ligação aos valores, essencialmente aos éticos.

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