sábado, 2 de janeiro de 2016

QUARTZO HIALINO E QUARTZO LEITOSO

Texto do Professor A. Galopim de Carvalho que o De Rerum Natura muito agradece.


Desde a Antiguidade e até, pelo menos, ao século XVIII, acreditou-se que o quartzo hialino ou “cristal-de-rocha” correspondia a ocorrências de água no estado sólido, num grau de congelação tão intenso que era impossível fazê-las voltar ao estado líquido.

Os gregos chamavam cristal ao gelo (krystallos) e foi sob este nome que esta espécie mineral, na sua variedade hialina (incolor e transparente), passou aos domínios da alquimia e, mais tarde, aos da mineralogia. Teofrasto (372-287 a. C), o filósofo grego, discípulo e continuador de Aristóteles no Liceu de Atenas, distinguia o cristal-água (o gelo) do cristal-pedra (o quartzo hialino).

No século I aC, Diodoro da Sicília, filósofo e historiador grego, reafirmava esta convicção e, no século I dC, o escritor latino Lúcio Séneca precisava que o dito cristal era água celeste congelada durante um período de grandes frios.

Os romanos mantiveram este entendimento, latinizando o nome para cristallus, como se pode ler num dos 38 volumes da “História Natural”, de Plínio, o Velho, (23-79 dC).

Foi o carácter transparente e incolor do cristal-pedra que acabou por dar o nome ao vidro industrial de alta qualidade, a que hoje chamamos simplesmente “cristal”. A expressão cristal-de-rocha, aplicada ao quartzo hialino, surgiu muito mais tarde (no séc. XIX) para distinguir o mineral do produto manufacturado.

A palavra cristal acabou depois por se generalizar aos corpos poliédricos minerais ou orgânicos, naturais e artificiais, tendo sido, por isso, usada como étimo do nome da disciplina que os estuda – a Cristalografia – afirmada como ciência, em França, no início do século XIX com René-Just Haüy (1743-1822).

O termo quartzo, atribuído a um mineral, surgiu no século XVI, com Agricola, nome por que ficou conhecido o médico e alquimista alemão Georg Baüer (1494-1555).

No seu livro, "Bermannus de re metallica" (1530), descreveu o mineral a que deu o nome de quartzum, por latinização de Quartz ou Quarz, jargão utilizado pelos mineiros alemães para referir o mineral filoniano (por ocorrer em filões no seio de outras rochas), maciço, branco, a que hoje chamamos quartzo leitoso, então visto como material desaproveitado (ganga ou “seixo bravo” no dizer de alguns dos nossos mineiros) associado ao minério.

As inclusões fluidas (água, dióxido de carbono, etc.) são uma constante no quartzo e as responsáveis pelo carácter leitoso (branco e translúcido) quer do quartzo maciço, quer dos macrocristais com idêntico aspecto.

Existe em português o termo "quarço", retirado do alemão Quarz, mais correcto no entender dos especialistas da língua. Todavia, foi a forma quartzo, que nos chegou através do francês, quartz, que fez vencimento.

Agricola não assimilava o quartzum ao cristal-de-rocha, mineral que continuava a designar por cristallus, ou pela expressão mais erudita, cristallus montanus (cristal da montanha), equivalente ao termo alemão Bergkrystal.

Em Inglaterra, no século XVII, o quartzo hialino era referido por “pedra de Bristol” ou “diamante de Bristol” e também por “pedra” ou “diamante da Cornualha”. No século seguinte já ali se usava o termo quartz para a variedade filoniana, maciça e leitosa, e crystal para a variedade hialina. Crystal foi ainda o termo utilizado por Lineu (1707-1778), ao descrever esta variedade, no seu Systema Naturæ.

Os mais espectaculares exemplares de cristal-de-rocha, alguns gigantescos, provêm de Madagáscar, Brasil, Suíça, França, Áustria, EUA, Sri Lanka e Índia.

Em Portugal, esta variedade hialina é conhecida em pegmatitos, nas regiões de Aguiar da Beira, Belmonte, Cabeceiras de Basto, Fafe, Felgueiras, Fronteira, Mangualde, Paços de Ferreira, Penalva do Castelo, Ponte da Barca, Sabugal, Sátão, Terras de Bouro, Trancoso e Vidago.

A. Galopim de Carvalho

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